É preciso diferenciar liberdade de expressão de crime de conspiração, diz deputado
- Opinión
Brasília – A busca e apreensão determinada hoje (16) pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes contra suspeitos de difusão de fake news sobre magistrados do STF tem como pano de fundo a tentativa de confrontar um movimento de pressão que militares têm feito contra o Judiciário desde o ano passado e que vem sendo observado e ampliado ora pelas mídias sociais, ora por declarações a jornais e emissoras de TV por generais da reserva – quando o conteúdo dessas declarações convém aos interesses políticos e editoriais desses veículos.
Por esses meios, alguns militares têm insinuado que os magistrados dos tribunais superiores podem vetar a prisão após condenação em segunda instância e sobre qualquer medida que venha a resultar na liberação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acusando alguns magistrados de "parcialidade".
O deputado federal Jorge Solla (PT-BA), que no ano passado pediu a prisão preventiva do general Gonzaga Lessa por declarações consideradas ameaçadoras, feitas dias antes da prisão de Lula, aponta que determinadas falas representam não um exercício de liberdade de expressão, mas um crime de conspiração, com punição prevista pela Constituição Federal.
A exaltação de um regime ditatorial que suplante a organização institucional do Estado prevista na Constituição, e insinuações de fechamento do STF podem ser enquadrados nessa previsão e serem objetos de investigação, defende o deputado.
Solla afirma que não acredita numa reação dos militares, como prega Gonzaga Lessa, porque "o povo brasileiro não aceita um novo golpe e garante o resto". Para o parlamentar, toda essa pressão consiste numa tentativa de fazer a mais alta Corte do país julgar qualquer caso relacionado ao ex-presidente Lula com uma faca no pescoço.
Desde abril de 2018, esses militares têm feito menções e investidas que para muita gente têm sido analisadas como ameaças de golpe e tentativas de inibir decisões dos magistrados, conforme avaliam parlamentares, juristas e acadêmicos.
Paulo Chagas, principal alvo da operação de hoje, é general de brigada do Exército Brasileiro, atualmente na reserva. Ele já postou comentários dizendo que, como cidadão, não reconhece a parcialidade dos ministros do STF e destacou que os vê "mais comprometidos com a impunidade do que com a Justiça".
Confrontação nacional
Na última sexta-feira (12) o general republicou texto de sua autoria escrito em 2011, no qual questiona "para quem o ministro Dias Toffoli quer resgatar a liberdade". No texto, defende o período de regime militar no país (1964-1985): "Falam de uma 'noite' que durou 21 anos, enquanto fecham os olhos para a baderna, a roubalheira e o desmando que, à luz do dia, já dura 34!"
A mesma linha agressiva já havia sido adotada pelo general da reserva do Exército Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, em entrevista concedida ao jornal O Estado de S.Paulo, no início de abril do ano passado. Diante da expectativa de julgamento de habeas corpus de Lula no STF, dias antes da prisão do ex-presidente, Lessa – ex-chefe do Comando Militar do Leste – afirmou que haveria "uma confrontação nacional caso os ministros decidam pela soltura" do ex-presidente. "Aí é dever das Forças Armadas restaurar a ordem", destacou. As palavras foram vistas como estímulo a um novo golpe militar, e uma violação da ordem constitucional.
Na avaliação do professor de História Contemporânea Daniel Aarão Reis, da Universidade Federal Fluminense (UFF), o Brasil possui uma tradição histórica de "sofrer com a ingerência das Forças Armadas". Segundo ele, isso acontece porque "os militares não se reconhecem nem querem ser reconhecidos como funcionários públicos uniformizados, mas como tutores da nação".
Em entrevista ao El País, Reis citou como exemplo as intervenções golpistas que instauraram a ditadura do Estado Novo (1937-45), a última ditadura civil-militar (1964-85) e o que chamou de "ameaças, veladas ou explícitas".
Outros acadêmicos acham que a investida dos militares se deve à presença do capitão Jair Bolsonaro na Presidência da República e à tentativa de desconstruir iniciativas observadas nos governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff, que desagradaram à caserna, como a criação da comissão de mortos e desaparecidos políticos na ditadura e a Comissão Nacional da Verdade para apurar crimes de lesa humanidade cometidos por agentes do Estado brasileiro durante o regime.
O Exército tem afirmado que declarações de generais da reserva registram a opinião pessoal destes como cidadãos, e não como militares.
Consultas
Desde a posse do atual presidente, Dias Toffoli, a Suprema Corte tem procurado conversar mais com representantes dos militares, em função do ambiente de ameaças por parte dessa minoria, em geral integrantes da reserva. Toffoli chegou a nomear um militar para a sua equipe, o hoje ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva.
O magistrado chegou a receber saraivadas de reclamações por – na tentativa de agradar aos militares – ter se referido ao golpe como "movimento de 64". Mesmo assim, tais iniciativas não reduziram as ofensivas nas redes sociais contra os magistrados.
A decisão do ministro Alexandre de Moraes, de retirar do ar reportagem do portal O Antagonista e da revista Crusoé relacionada a Toffoli também foi criticada. Os senadores Jorge Kajuru (PSB-GO) e Reguffe (sem partido-DF) disseram no plenário que a medida representa uma agressão à democracia e à liberdade de imprensa.
O site e a revista são veículos mantidos por uma empresa de consultoria financeira, a Empiricus, habituada a atuar nas redes sociais com conteúdo destinado a, sob pretexto de atrair ou satisfazer investidores, influenciar na cena política e, em muitos casos, nas tendências do próprio mercado financeiro – sendo alvo de algumas ações judiciais por esse tipo de conduta.
- Hylda Cavalcanti, da RBA
16/04/2019
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