Não mexam na aposentadoria!
- Opinión
Ao que tudo indica, o governo do capitão está preparando os últimos detalhes antes de encaminhar para o Congresso Nacional a grande maldade que pretende cometer contra a maioria da população brasileira. Refiro-me ao tão propalado pacote da Reforma Previdenciária. Aliás, melhor seria se chamasse o bicho logo por seu verdadeiro nome: deforma.
A equipe do Palácio do Planalto já deve ter sido avisada de que o tema conta com um grande “pé atrás” da maior parte dos eleitores. E isso serve para deixar até mesmo os congressistas da base governista um pouco indecisos, por mais comprometidos que estejam com as orientações do governo Bolsonaro. Conta a lenda que o primeiro ano de qualquer legislatura é o período ideal para aprovar medidas carregadas de impopularidade como essa. Afinal, sempre restaria um bom tempo pela frente para que deputados e senadores tentem livrar a própria cara e contem com o conhecido esquecimento por parte de quem depositou neles o voto em outubro passado.
Mexer na aposentadoria é uma operação muito sensível. Tanto que o governo está preparando uma campanha de marketing e publicidade bilionária. Os grandes meios de comunicação sinceramente agradecem, bastante comovidos com o gesto. A intenção declarada é criar uma espécie de “contra clima” favorável às suas intenções privatizantes e demolidoras, por meio da tal “opinião pública”. Na sequência da tentativa de tal lavagem cerebral coletiva, virão as conhecidas pesquisas refletindo um suposto apoio da população às maldades em ebulição na cozinha do financismo. Como a preparação das mentiras a serem divulgadas estão a cargo de profissionais competentes e muito bem remunerados para essa inglória tarefa, caberá às forças progressistas e ao amplo movimento social que se articula a cada dia que passa o trabalho de desmontar mais uma vez essa farsa e denunciar as verdadeiras intenções liberaloides por trás do discurso catastrofista.
O principal argumento para defender as mudanças articuladas no interior do quartel general de Paulo Guedes & Cia Ltda será um misto de mentiras. De um lado, o eterno blá-blá-blá associado à falta de recursos orçamentários e a uma suposta inviabilidade estrutural do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) - esse é o universo de benefícios do INSS. De outro lado, a também velha e conhecida lenga-lenga a respeito de supostos privilégios existentes no interior do regime das aposentadorias dos servidores públicos - os chamados Regimes Próprios de Previdência (RPPs).
Ora o primeiro aspecto a se debater relaciona-se ao problema fiscal. Não é verdade que o governo não tenha recursos disponíveis e que o desequilíbrio das contas previdenciárias é o grande obstáculo para retomada do crescimento da economia. Essa é uma informação veiculada cotidianamente pelos grandes meios de comunicação, por conta dessa encomenda patrocinada pelo sistema financeiro. Como a intenção explícita é a privatização da previdência, o modelo das “fake news” cabe aqui como uma luva. Os grandes jornais e as principais redes de televisão não cansam de justificar o desempenho medíocre das atividades econômicas por conta das expectativas negativas dos agentes que operam no mercado financeiro.
Com isso, passam imediatamente ao mantra da necessidade urgente de aprovação daquela que vem sendo chamada de “mãe de todas as reformas”. Assim, no entender desse pessoal, a economia brasileira vai continuar patinando enquanto o Congresso Nacional não aprovar o pacote das atrocidades sugeridas por Bolsonaro, por meio das mãos de Paulo Guedes. Uma verdadeira chantagem, tentando usar a maioria da população para seus propósitos de desmontar o sistema da previdência social pública. Mas o ponto relevante é que, ao contrário do discurso governista, a previdência social não é a maior conta gastadora do governo federal. Se o maior empecilho para retomada do crescimento do PIB e do emprego fosse, de forma sincera e honesta, a solução de arranjos orçamentários estruturalmente deficitários, aí então tudo estaria mais fácil.
A rubrica orçamentária que mais gasta recursos públicos nunca foi objeto de reforma alguma. E aqui estou me referindo às despesas contidas na contabilidade de pagamento de juros e demais serviços da dívida pública. É aqui que mora o fator que mais pesa negativamente para o atual regime fiscal. Apenas em 2018 foram destinados R$ 380 bilhões de valores do Orçamento da União para cumprir esse tipo de compromisso. E, ao contrário do que ocorre com as contas do RGPS, na organização do Regime dos Serviços Financeiros da Dívida Pública não existem recursos de receitas tributárias. A conta é eminentemente gastadora. Além de ser a conta que mais impacta o déficit das contas públicas federais, ela é uma unidade orçamentária estruturalmente deficitária. Assim, ela está - desde as suas origens - em um desequilíbrio sistêmico e estrutural.
Mas o interessante é que ninguém vinculado à defesa dos interesses do financismo sequer menciona esses valores bilionários como a fonte para que seja promovido algum tipo de estratégia para resolver a solvência fiscal. Para tanto, lançam mão do discurso do “superávit primário”, pois essa metodologia matreiramente retira as despesas financeiras do tão exigido esforço fiscal. Com isso, os jornalões passam a exigir “responsabilidade fiscal” em letras garrafais. Como assim? Ah, não, mas o sacrifício deve ser obtido do estrangulamento apenas das contas de saúde, educação, previdência, gastos com pessoal, assistência social, investimento públicas e outros itens. As despesas financeiras correm livres e soltas, sem controles nem amarras. Para o pagamento de juros da dívida pública, o céu é o limite.
Mas felizmente parece que o movimento social está despertando mais uma vez para a gravidade e os riscos envolvidos nesse triste quadro. As entidades do movimento sindical, as associações de pesquisa relacionada ao tema, as organizações de defesa dos aposentados e um conjunto amplo de professores/especialistas estão se mobilizando para denunciar esse verdadeiro crime que se pretende cometer de novo contra os mais pobres. O calendário de manifestações deve acompanhar o tempo da tramitação da matéria no Congresso Nacional. E esse deve ser o caminho para evitar que outra tentativa, como ocorreu com a proposta de Temer, consiga progredir no interior do próprio legislativo.
O governo tenta sofisticar suas mentiras e afirma que sua proposta vai acabar com privilégios. Mentira! Como se pode dizer que haja privilégios no RGPS, quando mais de 99% dos benefícios do setor rural são de, no máximo, um salário mínimo? Como afirmar que os “ricos” do sub setor dos urbanos, onde mais de 70% recebem no máximo dois salários mínimos de aposentadoria? A proposta de Bolsonaro não vai mexer com os verdadeiros privilegiados, pois eles são generosamente contemplados com um sistema de tributos que oferece isenção de impostos para lucros e dividendos, que não implementou o Imposto sobre Grandes Fortunas, que fecha os olhos para os grandes sonegadores e por aí vai. Esses privilégios permanecem intocáveis.
Finalmente, quanto às aposentadorias dos servidores públicos, é preciso dizer que essa equalização com as regras dos trabalhadores do setor privado já foi realizada em 2013. Assim, os funcionários que ingressaram no serviço público a partir daquela data só receberão do Tesouro o mesmo teto do INSS. O restante será complementado por meio de um fundo de pensão, como ocorre com os demais trabalhadores. Quanto ao estoque de atuais e futuros aposentados pelas regras antigas, o que cabe é fiscalizar o cumprimento da regra do teto, para que ninguém receba mais do que o vencimento do Ministro do STF. E para isso convenhamos que não é necessário reformar Constituição alguma.
- Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
19/02/2019
http://www.vermelho.org.br/noticia/318726-1
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