Não é, simplesmente, pelos oito reais do salário mínimo
- Opinión
Já é possível dizer que Bolsonaro tem o apoio de quase toda a imprensa
Um dia após a posse do presidente Jair Bolsonaro já é possível dizer que o político do PSL entra no poder com apoio de quase toda a imprensa brasileira. Se parecia que ele teria ajuda da Record para enfrentar a Globo e iria trabalhar para acabar a Empresa Brasil de Comunicação, uma análise rápida nas manchetes dos veículos que supostamente “deveriam” fazer oposição ao novo gestor mostram que o poder da Presidência da República e a verba publicitária do Governo Federal ainda fazem diferença no Brasil.
O site da Empresa Brasil de Comunicação tinha um carrossel de cinco notícias positivas para o Governo Federal, começando por: Moro diz que seu lema é “fazer a coisa certa”. Após os anúncios importantes feitos pelo agora presidente empossado, parece estranho o título principal do veículo público ser sobre algo que não faz nenhuma referência objetiva ao que está se passando no país e apenas trabalha para criar uma imagem mais positiva do ministro. Afinal, nestes primeiros dias de 2019 várias medidas práticas tomadas afetaram diretamente a população brasileira.
Uma que vai doer no bolso de uma grande parcela e poderia ser manchete é a diminuição de oito reais no salário mínimo. O título desse artigo faz referência justamente a uma expressão que ficou comum por ser utilizada contra o aumento das passagens de ônibus em 2013. É preciso sim explicar claramente o que aconteceu no primeiro ato do Governo Bolsonaro para que os cidadãos não se enganem com manchetes, memes, reportagens e declarações feitas para encobrir algo que incomoda parte da população.
No tema do salário mínimo, a EBC também fez reportagem, mas foi necessário ir para a busca simples no site da Agência Brasil para encontrar o texto. O título é menos enganoso do que alguns dos encontrados na imprensa tradicional: “Bolsonaro assina decreto que fixa salário mínimo em 998 reais em 2019”. O problema maior é que até o texto (extremamente curto) vem sem a informação de que o Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2019 fixava o valor em 1.006 reais, portanto o que efetivamente houve foi uma decisão política para diminuir em oito reais o valor pago aos trabalhadores, aposentados e pensionistas que recebem o piso.
Você acha que é fácil para o leitor comum identificar a decisão política? É preciso investigar como os principais veículos estão tratando. A Folha de S. Paulo, responsável pelas principais denúncias contra o candidato vitorioso no chamado escândalo do WhatsAppGate, coloca “Bolsonaro eleva salário mínimo para R$ 998, primeiro aumento real em três anos”. Só no segundo parágrafo da reportagem o assinante terá a informação de que “O valor, no entanto, é inferior aos R$ 1.006 aprovados pelo Congresso”.
A decisão editorial de privilegiar a palavra aumento e deixar para a parte interna dos textos a informação de que na verdade é uma diminuição em relação ao aprovado no Congresso Nacional foi seguida por diversos veículos. Só quem realmente quiser se aprofundar, vai saber que a decisão tradicionalmente é tomada no ano anterior e que o ministro Paulo Guedes promete travar a correção automática do salário mínimo. (A atual política de valorização do salário mínimo foi iniciada por Lula e transformada em lei por Dilma, mas só vale até 2019).
Em junho de 2013, os protestos contra um aumento de 20 centavos nas passagens em São Paulo foram os que ganharam mais relevância em uma onda que marcou um momento importante da política nacional. A partir daquele momento, começou a se pensar em um cenário que sofria forte influência de plataformas estrangeiras de internet como o Facebook, Twitter, Instagram e também o WhatsApp (que foi fundamental na eleição de Jair Bolsonaro).
Aparentemente, o que fica destes primeiros momentos do Governo Bolsonaro parece ser uma lição de que será preciso ir muito além da comunicação simples, curta e cheia de imagens que se prolifera atualmente para ter realmente confiança sobre os temas que nos interessam. Como já aconteceu durante as eleições, será preciso investir cada vez mais em sites, emissoras, programas e jornalistas que comprovadamente demonstrem independência.
EBC ocupada e más condições para atuação de jornalistas marcam a posse
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF), em nota, considerou que houve antes da posse uma tentativa de demonstração de força com manobras do Exército dentro das instalações da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), no Setor de Rádio e TV Sul, região central de Brasília. A entidade considerou “exagerado, desnecessário e inadequado o uso das dependências da EBC, sob a justificativa de garantir a segurança da transmissão da posse presidencial”.
Com a repercussão negativa da ação do governo, os veículos do Exército foram retirados das instalações da EBC. No entanto, essa ação militar se somou ao tratamento recebido pelos profissionais de imprensa que tiveram seu trabalho cerceado devido ao esquema de segurança montado para posse quando repórteres, fotógrafos e cinegrafistas denunciaram estar sendo impedidos de transitar pelos diferentes locais onde ocorreram os atos e até mesmo que houve dificuldade para uso de banheiros e proibição de entrar com garrafas de água no Congresso Nacional.
As ações parecem tentar passar um recado de que o Governo Bolsonaro iria enfrentar os veículos, mas com quase 30 anos de experiência na Câmara dos Deputados o ex-parlamentar dificilmente deixará de se aproveitar do poder desses jornalistas e das empresas privadas e pública para tentar dominar a opinião pública.
Por que tomar medida negativa no primeiro dia de uma gestão pública?
Pode soar estranho para alguém que o presidente Bolsonaro tome medidas negativas como a diminuição do salário mínimo e passar as decisões sobre a demarcação de terras indígenas e quilombolas para o Ministério da Agricultura no seu primeiro dia de gestão. Mas aparentemente é parte de uma estratégia que tem como pano de fundo uma espiral de desinformação.
Curiosamente, Carlos Bolsonaro esteve no carro juntamente com a primeira-dama e o presidente eleito no trajeto entre o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Elogiado pelo pai pelo seu entendimento de como funcionam as redes sociais, ele certamente continuará sendo ouvido, como outros nomes que estiveram na campanha e não estão oficialmente no Governo Federal (Steve Bannon e Olavo de Carvalho, por exemplo).
Esse trio certamente tem trabalhado na imagem do presidente eleito, que se beneficia por uma vasta rede de apoiadores e medidas simples que ganham espaço na mídia e nas redes. Um exemplo foi o discurso em libras de Michele Bolsonaro, que ganhou muito espaço nas emissoras de TV e viralizou na internet, por um custo extremamente baixo.
No Brasil, a Língua Brasileira de Sinais foi estabelecida como oficial das pessoas surdas através da Lei nº 10.436/2002. A função de intérprete, profissão de Michelle, também está regulamentada através da Lei nº 12.319/2010, que tem como autora a deputada federal Maria do Rosário, que foi chamada de “vagabunda” por Bolsonaro. Em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) foi aprovada no Congresso Nacional, depois de 12 anos de tramitação, no entanto, se dependesse dos deputados Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo Bolsonaro, essa legislação que beneficiou 45 milhões de brasileiros não seria aprovada, pois ambos votaram “Não”.
Se são necessárias medidas que são negativas, elas serão tomadas em bloco para que pouco se dê atenção a todas elas. Dificilmente serão feitas imagens interessantes sobre esses temas, para que ganhem pouco espaço nas emissoras de televisão. Ao contrário, por exemplo, do que pode soar positivo como um discurso em libras feito por uma mulher como a primeira-dama Michelle Bolsonaro. Por sinal, ela vai de encontro com essa imagem a dois públicos que são alvo antigo do seu marido, as minorias e as mulheres.
O que acaba circulando muitas vezes é difícil de checar. Como a tuitada em que o presidente eleito, com seu português falho, afirma que “Mais de 15% do território nacional é demarcado como terra indígena e quilombolas. Menos de um milhão de pessoas vivem nestes lugares isolados do Brasil de verdade, exploradas e manipuladas por ONGs. Vamos juntos integrar estes cidadãos e valorizar a todos os brasileiros”. É difícil ir a todos os territórios indígenas e quilombolas para comprovar que eles não são dominados por entidades não-governamentais, então enquanto isso não acontecer a nossa sociedade vai continuar vítima das FakeNews do agora detentor do cargo público mais importante do Brasil.
- Eduardo Amorim é jornalista, integrante do Intervozes e doutorando em Comunicação no PPGCOM-UFPE
9 de janeiro de 2019
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