Calar Jamais!

Um ano de denúncias contra violacões à liberdade de expressão no Brasil

18/10/2017
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Nos últimos anos, a luta pela democratização da comunicação no Brasil vinha sendo desenvolvida a partir de uma agenda positiva. Os vários movi­mentos sociais, ativistas e organizações – articu­lados no âmbito do Fórum Nacional pela Demo­cratização da Comunicação – pautavam o debate propondo normas e políticas públicas para que o Brasil pudesse dar passos no sentido de garantir, de forma mais ampla, o direito à comunicação para todos e todas.

 

Tínhamos, e ainda temos, a plena convicção de que sem estabelecer regras e iniciativas para ampliar a diversidade e a pluralidade nos meios – essenciais para a livre circulação de ideias –, não há possibilidade de se construir uma democracia saudável e efetiva. Já alertá­vamos nas manifestações do FNDC que sem liberdade de expressão não há democracia. O pleno exercício deste direito está estritamente relacionado com o grau de maturidade das instituições (públicas e privadas) e das pessoas para conviverem com o contraditório e com a livre opinião na sociedade.

 

Esse processo de luta por um debate amplo sobre a construção de políticas democráti­cas para a comunicação se desenvolvia num cenário de muitas tensões. O FNDC tinha uma visão crítica muito acurada sobre o papel dos governos Lula e Dilma na manutenção de um ambiente oligopolizado da mídia nacional, com poucas iniciativas concretas para enfrentar a discussão a respeito de mudanças nos marcos legais que regem a atividade, em particular, da radiodifusão no Brasil.

 

Mas considerávamos que, mesmo sem compre­ender a centralidade da comunicação na luta po­lítica nacional, aqueles governos tinham alguma abertura para o diálogo e, acima de tudo, a legi­timidade das urnas para estabelecer uma relação com a sociedade. Por isso, a palavra de ordem do movimento naquele período era “Regula Já!”. Em abril de 2015, a Carta de Belo Horizonte, aprovada ao final do 2º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação, chamava a atenção para estes desafios e para a instabilidade política que já crescia no país.

 

Mas, em maio de 2016, o Brasil viveu uma ruptura institucional, tendo como um de seus principais articuladores a mídia hegemônica. Tendo se­guido operando sob regras frágeis, os grandes meios tradicionais abusaram do privilégio de ser a única voz a falar de forma massiva para 200 mi­lhões de brasileiros e assim legitimaram, perante à opinião pública, o golpe que afastou Dilma Rousseff da Presidência da República.

 

O objetivo desse golpe parlamentar-jurídico-midiático foi impor uma agenda de retirada de direitos sociais e trabalhistas, liquidar o patrimô­nio público, desnacionalizar a economia e o país, e alterar o sentido das políticas internacionais.

 

Neste sentido, as medidas do novo governo impuseram uma mudança na agenda política do movimento social em geral. Em vez da luta por avanços, a batalha pelo reestabelecimento da democracia e a resistência contra os ataques aos direitos passou a ser o centro da ação política nos mais diferentes campos.

 

Nas comunicações não foi diferente. Para garantir o êxito do golpe e a imposição desta agenda regres­siva, o país foi envolto em um cenário de violações de direitos fundamentais, entre os quais o direito à livre expressão. Uma das primeiras medidas do go­verno instalado foi intervir na Empresa Brasil de Co­municação, cuja criação havia sido uma das poucas iniciativas recentes de regulamentar os dispositivos do capítulo da Comunicação Social da Constituição de 1988. O fato de não estar submetida aos inte­resses privados, de ter um Conselho Curador com participação de amplos setores e de produzir um conteúdo mais autônomo e crítico incomodavam demais. Assim, a comunicação pública foi uma das primeiras vítimas do pós-golpe.

 

E as violações à liberdade de expressão, que já ocorriam no Brasil, por exemplo, em episó­dios constantes de violência a comunicadores e repressão às rádios comunitárias, encontraram ambiente propício para se multiplicar. Afinal, os golpes não convivem bem com a diversidade e a pluralidade, e precisam calar as vozes dissonan­tes para se cristalizarem.

 

Diante deste cenário, o FNDC lançou, em outu­bro de 2016, a campanha de denúncias às viola­ções à liberdade de expressão Calar Jamais!

 

O que se seguiu a partir daí foi assustador. De­núncias chegavam constantemente, e cada vez mais diversificadas. Não era apenas a quanti­dade de casos que alarmava, mas os diferentes tipos de violações, que se sucediam progres­sivamente, cada vez mais graves. Em um ano, reunimos mais de 70 casos, dos quais 66 estão sistematizados neste relatório e dão uma dimen­são de como o Estado Democrático de Direito está sendo atacado no Brasil.

 

As violações aqui relatadas mostram que o quadro de cerceamento à liberdade de expressão no país se capilarizou em todas as regiões, em cidades grandes e pequenas. Os ataques têm sido prati­cados pelos mais diferentes atores, indo além das tradicionais forças de segurança e de governos e parlamentares, e chegando às direções de esco­las e até cidadãos comuns, que têm feito uso do Poder Judiciário para silenciar vozes divergentes.

 

Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação - FNDC

 

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/188706
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