'Que país teve um processo de impeachment baseado em decretos suplementares?'

31/08/2016
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Durante treze horas, a presidenta Dilma Rousseff fez sua defesa no Senado Federal nesta segunda-feira (29.08). De forma clara e didática, a presidenta eleita por 54 milhões de brasileiros rebateu, um a um, os pretextos utilizados pelos golpistas na tentativa de justificar o injustificável.

 

Muito mais do que defender sua biografia e seu mandato, a presidenta Dilma fez do seu depoimento uma denúncia sobre o uso político da crise econômica, mostrando por que o seu afastamento não passa do mais descarado golpe. 

 

Ela contou, por exemplo, como se deu processo de desestabilização do seu governo e como os golpistas contribuíram para acirrar, ainda mais, a crise econômica no país.

 

Confira abaixo trechos do depoimento da presidenta Dilma no Senado:

 

A desestabilização do governo 

 

“A partir do dia seguinte da minha eleição, uma série de medidas políticas para desestabilizar o meu governo foram tomadas. Primeiro, pediu-se a recontagem dos votos. Depois pediu-se auditoria nas urnas. Nos dois casos, após um ano, verificou-se que isso não tinha nenhuma irregularidade. 

 

Na sequência, antes da minha diplomação, arguiu-se no TSE e levantou-se a necessidade de auditar as minhas contas. Isso foi feito e está em processo. O TSE permitiu a minha diplomação porque não encontrou nenhuma irregularidade no meu processo. ” 

 

“Dois meses após a minha eleição é pautada a questão do impeachment, não só pela pauta política da oposição, mas também pela pauta jornalística. Essa crise aprofunda de forma acentuada a situação econômica do país também. Ademais elege-se o senhor Eduardo Cunha presidente da Câmara, com o apoio da atual situação. 

 

Essa eleição do senhor Eduardo Cunha, em fevereiro, produz uma situação complexa para o meu governo, caracterizada pelo fato de que os projetos que nós enviamos para buscar uma saída fiscal para a nossa situação (...) [sofreram] uma ação sistemática, praticamente uma ação negativa, de não aprovar as medidas que nós mandamos. Ou elas eram aprovadas parcialmente ou rejeitadas.

 

Quero lembrar que em 2016, isso atinge o clímax (...) Entre a abertura do Congresso até cinco dias antes de eu ser tirada do exercício da Presidência, a Câmara não funcionou. Quem não funcionou na Câmara? A Comissão de Constituição e Justiça, a Comissão de Fiscalização e Controle, enfim, todas as comissões que impactam e impactam diretamente a questão fiscal. Elas não funcionaram.  

 

Algo incrível acontece neste país, quando é possível um Congresso ser atingido, porque ao não aprovar na Câmara, não tem como aprovar no Senado. É algo que mostra uma artificial conduta, no sentido de inviabilizar o meu governo. Isso é extremamente grave e eu não vi ninguém, principalmente na mídia, ficar estarrecido diante desse fato que é, na verdade, isso sim, um descompromisso com a coisa pública. ” (Resposta ao senador Aécio Neves)

 

Michel Temer, um coadjuvante

 

“O deputado federal Michel Temer foi escolhido para ser meu vice-presidente porque supúnhamos que ele era integrante desse centro democrático, progressista, transformador. Por isso ele foi convidado. Nós acreditávamos que ele representava o que havia de melhor no PMDB. 

 

Eu não sei dizer quando isso começou a mudar, mas o certo é que começou a mudar, quando ao ser gravado o senador Juca disse que Michel é Cunha - eu falei há pouco, Michel é Temer, mas Michel é Cunha, foi o que ele disse, ele queria o quê? Michel Temer integra o grupo do Eduardo Cunha.

 

Esse foi um processo que talvez comece no final do meu governo, mas se intensifica de forma acelerada no meu segundo mandato, quando o centro democrático deixa de ser um centro progressista e passa a ser um centro golpista conservador, esse é um processo que tem um líder. 

 

Eu acredito que o senhor Michel Temer seja um coadjuvante. Acho que o líder é o senhor Eduardo Cunha ou era até então o sr. Eduardo Cunha. Não tenho dúvida disso”. (Resposta ao senador Cristovam Buarque)

 

Queda na arrecadação

 

“Em 2014, apenas a partir de outubro, acentuando-se depois em dezembro, há uma grande queda, a primeira grande queda, no preço das commodities, isso vale para o petróleo, minério de ferro, todas as commodities. Isso impacta na arrecadação. É através da tributação de lucros que nós temos essa contaminação no Brasil.

 

Além disso, no dia 29, três dias depois da nossa eleição no segundo turno, na qual eu ganhei a eleição do senhor [Aécio], o que ocorreu? A saída dos Estados Unidos da política de expansão fiscal. Qual a consequência? A elevação dos juros americanos e a desvalorização generalizada das moedas. Esse é um processo comprovável, não foi só o real, mas todas as moedas foram atingidas, provocando um enfeito na inflação via câmbio desvalorizado.

 

O período úmido no setor de energia elétrica no nosso país começa em outubro e vai até abril, em geral. Nós vínhamos de uma situação razoavelmente sob controle. E o que nós enfrentamos nesse final de período úmido no Sudeste? Uma das maiores secas que provocou, como eu já disse, a necessidade do contingenciamento da água em São Paulo. Esse fato levou, no caso da energia elétrica, a uma situação gravíssima. Os reservatórios que estavam entre 42% um ano antes caíram para 9%. Essas três questões são acentuadas gravemente final de 2014 e início de 2015.

 

Para não falar da questão relativa à desaceleração da China que compromete todos os países emergentes. Até aquele momento, a crise que tinha sido contornada [por esses países], ao longo de 2012, 2013, 2014, inclusive, a partir de 2009 e 2010, atinge fortemente os países emergentes. ” (Resposta ao senador Aécio Neves)

 

Redução do gasto público

 

“Eu quero deixar claro que eu respeito o voto direto neste país. O voto direto é uma grande conquista nossa (...). Agora, eu não respeito a eleição indireta que é produto de um processo de impeachment sem crime de responsabilidade, isso eu não posso respeitar. Posso, ao longo do meu mandato, ter cometido erros, não ter cumprido tudo aquilo que era esperado de mim. Muitos acreditam que eu não poderia ter ampliado a redução do gasto fiscal. Nos vimos aqui o economista Luiz Gonzaga Belluzzo que falou em ‘despedalada’.

 

Essa não é uma pauta minha, mas uma discussão que emerge da constatação feita por vários técnicos do Fundo Monetário Internacional de que não é possível supor que, pura e simplesmente, a política de forçar a redução do gasto público leva, necessariamente, à saída da crise. Quem discute isso hoje é o FMI que diz o seguinte: faça-se uma mudança mais flexível ao curto prazo, e uma mudança olhando a reforma a longo prazo. 

 

Foi isso que nós pretendemos fazer, com desconhecimento do fato que, naquelas circunstâncias, naquela forçação política, nós não conseguiríamos aprovar as medidas necessárias. Mas as medidas que nós propusemos são as necessárias para este país sair da crise. Mandamos para o Congresso, no início de 2016, as nossas propostas de alteração do resultado primário, porque nós achávamos que se tratava de pagar todas as dívidas. 

 

Foi isso o que propomos. Nós não propomos gastar esse dinheiro, em um momento de crise, em outras coisas. Mas, gastar no pagamento dos orçamentos que já tínhamos comprometido e que tinham sido reduzidos porque a receita havia caído, e que tornava impossível a execução do orçamento naqueles padrões. Além disso, propomos também um aporte para a Saúde. (Resposta ao senador Aécio Neves)

 

Meta fiscal

 

“A meta fiscal é aprovada pelo Congresso, não é uma ação unilateral do executivo, mas uma interação entre o executivo e o legislativo. E as previsões legais têm uma previsão na Constituição: ´é proibido abrir crédito suplementar sem autorização legislativa´. Há uma lei, que está no artigo 4, ´o executivo pode abrir créditos suplementares desde que eles sejam compatíveis com a obtenção do resultado primário´. 

 

Há uma terceira lei que transforma as despesas com créditos suplementares reféns do decreto de contingenciamento, ou seja, o decreto de contingenciamento reduz o efeito da abertura de créditos suplementares. Quero te dizer que é absolutamente regulado por lei. E a lei mais importante, a lei finalística nessa regulação, é a Lei de Responsabilidade Fiscal. 

 

A Constituição proíbe: “só por lei”. A LDO (que é uma lei) diz em que quais condições você pode abrir. E a Lei de Responsabilidade Fiscal diz ´abra´, agora, ´essa abertura não produzirá efeitos para além daqueles que já estão vigentes do decreto de contingenciamento´. Então não adianta abrir o decreto de crédito suplementar, porque ele não produz efeitos, a não ser que você descontingencie. E não há nenhuma prova que nós descontingenciamos.

 

Além disso, no caso dos bancos públicos é impossível essa visão. Vocês estão criminalizando a política fiscal. Não foi ´o Brasil que passou por uma crise´. Desde 2009, nós começamos a enfrentar a maior crise que houve no mundo, depois de 1929. Essa crise começa nos países desenvolvidos, há a crise também de todos os derivativos imobiliários, um processo acelerado de contaminação internacional, cai de forma absolutamente acentuada o comércio internacional afetando o mundo inteiro.

 

Querer dizer que a crise fiscal do pais é por causa de três decretos, operação de subsídio e não de crédito do Banco do Brasil para os produtores, é inverter completamente a causalidade. Não é devido a isso, pelo contrário” (Resposta à senadora Simone Tebet)

 

“[Segundo] Joseph Stiglitz, prêmio Nobel [de economia], a crise no Brasil está precificada desde o momento em que houve a maior queda, o maior debacle econômico, nos países desenvolvidos. Tratava-se de saber qual o tamanho dele. E o que não era esperado era uma crise política nas dimensões que o Brasil enfrentou. 

 

Qual país, por conta da crise, teve um processo de impeachment, baseado em três decretos suplementares, em subsídios e subvenções da agricultura, que aumentam a demanda e não reduzem, do ponto de vista macroeconômico? 

 

Não é uma questão que a gente pode tratar como “verdade ou mentira”. Trata-se da responsabilidade dos diferentes poderes no país de enfrentar uma crise quando ela inicia e começa em dimensões que ninguém sabe onde vão parar. Vale para ontem e vale para hoje. Se não souber enfrentar a crise de forma a buscar uma saída para ela, o que vai conseguir é aprofundá-la cada vez mais”. (Resposta ao senador Magno Malta)

 

Déficit superestimado

 

“A crise se acelerava, era profunda -- de 0,8 (PIB) para 1,5 negativo na metade de julho -  ninguém tinha controle da queda da arrecadação. Nem nós, nem ninguém. O que nós propusemos? Nós constatamos que era necessário mudar a meta. E aí fizemos o quê? Diminuímos o esforço fiscal porque não íamos conseguir entregar. Esse tipo de acusação que me fazem é indevida, porque até então ninguém nunca, nem o Congresso, nem o TCU, dizia que não podia fazer o que nós fizemos. 

 

A consequência mais grave vocês viram. Sabe os R$ 170 bilhões (déficit aprovado pelo congresso)? Na verdade, no nosso cálculo seriam R$ 126 bilhões. Porque colocam R$ 170 bilhões? Diante dessa política de criminalizar decreto, lei... sabe o que eles fazem? Afrouxam. Eles afrouxaram os números, ampliaram o valor. Sinto muito, mas fizeram isso. Sabe por quê? Porque se você criminaliza, a reação vai ser afrouxar os gastos. E aí sim explodem tanto a dívida quanto a meta. Frente ao ´é crime isso e aquilo´, ´não era assim antes, agora virou crime´, a reação é uma meta de 170 bilhões superestimada. 

 

Esse incentivo a metas superestimadas é péssimo para a recuperação da economia. Ele não contribuiu porque você tem duas coisas [a fazer] diante da crise: forçar para ter um orçamento e uma meta fiscal compatíveis; e saber onde gasta. O “liberou geral” leva a gastos insustentáveis. ” (Resposta ao senador Magno Malta)

 

Forças do golpe

 

“A situação que eu enfrentei, qualquer presidente da República enfrentará, diante de crises que são cíclicas no mundo atual. Elas são da economia internacional e não só do Brasil. Essas flutuações cíclicas não podem ser encaradas sem uma cooperação dos diferentes órgãos do poder. Não podem.

 

Nós não podemos aceitar que se insista e se faça a política do ´quanto pior melhor´. Eu acredito no direito da oposição de defender uma política contraria à da situação, ela deve fazer isso, porque isso faz parte da riqueza democrática. O que ela não pode fazer é, em nome do ´quanto pior, melhor´, impedir o país, com graves consequências para a população, de sair da crise. Isso não é possível.

 

Eu tenho clareza que uniu-se duas forças diferentes: uma força que – foram gravados dizendo isso - queria impedir que a sangria continuasse [citação à Lava Jato]; e uma força que queria impedir que nós saíssemos da crise. É essa a grave situação que estamos. E não estamos só à frente dos olhos da população brasileira, mas dos olhos de todo o mundo. ” (Resposta ao senador Aécio Neves)

 

Quem paga o pato?

 

“Em toda crise, senador, há um conflito distributivo e essa questão ficou clara quando o pato apareceu no cenário das ruas. Quem paga o pato, ou seja, quem fornece os recursos necessários para um país sair da crise? Alguns acreditam que são os trabalhadores, os trabalhadores mais pobres, as classes médias, os pequenos empresários. Isso não é possível. Diante da crise não se pode implantar um programa ultraliberal em economia e um programa ultraconservador que tira direitos pessoais e coletivos e adota uma pauta extremamente reacionária contra as mulheres, os negros, a população LGBT. 

 

Assim sendo, esse golpe é porque não chegariam a partir das urnas com essa proposta que está sendo implantada e que não há ninguém aqui que pode dizer que foi aprovada nas urnas”. (Resposta ao senador Lindberg Farias)

 

Créditos da foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

 

31/08/2016

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/-Que-pais-teve-um-processo-de-impeachment-baseado-em-decretos-suplementares-/4/36710

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/179876
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