Impeachment e o futuro do financiamento de campanha

28/04/2016
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 reforma politica
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A decisão tomada pela Câmara dos Deputados, seguindo o relatório de Jovair Arantes favorável à abertura do processo de impeachment, é uma mudança de etapa significativa no processo de polarização política em curso no Brasil desde 2013. Ela divide um antes e um depois bastante nítidos: até agora a discussão política podia ser esboçada de modo bastante caricato conforme os dois grupos antagônicos que se formaram ao longo do tempo desde as jornadas de junho de 2013, os “coxinhas” e os “mortadelas”.

 

Daqui em diante, para acompanhar o desenrolar dos acontecimentos, será cada vez mais importante que o cidadão organize os temas em pauta e entenda suas relações. Isso porque o impedimento de Dilma poderá abrir a possibilidade de uma reorganização e agremiação da esquerda diante de um cenário inédito desde 2002. Com isso, haverá o fim daquela polarização superficial entre o que as mídias e as redes chamam de petistas e antipetistas.

 

Neste instante, destaco que é preciso ir além da discussão e da lamentação sobre a qualidade dos representantes legítimos do povo na Câmara dos Deputados. Afinal, sabe-se há muito que o sistema político de eleição não está gerando uma seleção correspondente aos anseios do povo trabalhador brasileiro. A questão da reforma política, portanto, ganhará força e popularidade daqui para frente.

 

Um dos aspectos centrais da reforma política é sobre a forma como se dará o financiamento das campanhas. Será uma tremenda conquista caso o poder econômico diminua sua influência sobre o processo decisório de eleger representante, porque, assim, o âmbito das ideias e propostas políticas pode aflorar com mais segurança. Porém, existem muitas pessoas cujos interesses são totalmente contrários a um novo modelo de participação democrática.

 

Neste contexto é que se pode tentar buscar a relação entre as investigações da Lava Jato e o impeachment. Onde entra a questão da corrupção nisso tudo? Afinal, o pedido de impedimento está restrito às pedaladas fiscais. Ficou evidente nas discussões na Comissão Especial do Impeachment em torno das acusações de Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal e da defesa do advogado geral da união José Eduardo Cardozo que as pedaladas não são corrupção. As questões de acusação de corrupção são, do ponto de vista jurídico, totalmente estranhas ao processo cuja admissibilidade foi aprovada.

 

A análise do jornalista Paulo Moreira Leite sobre a Lava Jato é um ponto de partida interessante para verificar como a corrupção se relaciona com o impeachment. De acordo com sua investigação sobre esta operação da Política Federal desde suas origens, em 2006, é possível interpretar que um dos objetivos mais importantes do movimento antigoverno em curso é manter o financiamento privado de campanha política.

 

A Lava Jato pode ser interpretada como uma operação cujo objeto de investigação é muito maior do que os meios disponíveis para sua execução. É como se o grupo responsável estivesse equipado com varas de bambu para pescar um monstro marinho. A condução da tarefa é inviável diante da magnitude do desafio. O desvio de finalidade no uso de recursos públicos é tão grande que somente a completa alteração do sistema pode dar conta do recado.

 

A Lava Jato enquadra os desvios, chamados de crime de corrupção, como se fossem casos “fora da normalidade”. No entanto, é hoje sabido que a Polícia Federal não consegue separar o que é propina do que é doação legal para campanha política (conforme Paulo Moreira Leite aqui). Quer dizer, a participação de poderes econômicos de agentes privados no processo político é o caso normal. A Lava Jato chegou ao ponto de revelar que o problema da corrupção é sistêmico, enraizado até as profundezas da mistura indevida entre o público e o privado no jogo das eleições. Isto é fato reconhecido há mais de um ano (exemplo, texto da Carta Capital).

 

Só que ao invés de escancarar este fato, a mídia articulou uma onda alienante que retira do centro da discussão a reforma política, única alternativa sólida para a saída da crise política evidenciada desde as jornadas de junho de 2013.

 

Neste estardalhaço, o jornalismo inimigo do povo trabalhador destaca figuras isoladas para desviar a atenção do que realmente importa: a transição de um modelo de financiamento das campanhas para outro. Com isso, ela desloca o olhar de todos para Lula e para o governo Dilma, engajados em garantir o fim do esquema que está na raiz da corrupção sistêmica no Brasil: o financiamento privado de campanha política.

 

Ainda que tenha sido ele mesmo beneficiário deste modelo notadamente antidemocrático por permitir o uso do poder econômico para alterar a relação de forças políticas explicitadas nas urnas, o PT objetiva “fechar a porta atrás de si” e concluir assim um avanço de enorme significado para a democracia brasileira. A continuidade do governo é a garantia de que haverá o fim deste esquema.

 

Este é o ponto em pauta singular onde passa a linha divisória entre esquerda e direita e aquele em que o PT fecha com todo o resto da esquerda. É por essa razão que um contingente cada vez maior das forças de esquerda se engaja neste instante em evitar a queda do governo. Algumas correntes de esquerda, porém, ainda insistem em não participar ativamente do processo devido à inevitável mensagem de apoio ao governo petista, adepto confesso da conciliação de classes.

 

Diante da possibilidade concreta do impeachment (visto que o enquadramento jurídico do caso pode muito bem não ser seguido pelos senadores, como não foi seguido pelos deputados), não se pode dizer que haverá uma ampliação das forças políticas necessárias para frear o processo jurídico.

 

O veto de Dilma ao financiamento privado foi feito com base na decisão do STF, que declarou inconstitucional tal esquema por 8 votos a 3 depois de Gilmar Mendes ter segurado o processo com um pedido de vistas por um ano e cinco meses. Ainda assim, Cunha e Renan tentaram reverter o quadro (conforme se lê aqui e aqui).

 

Do ponto de vista dos políticos contentes com o status quo, o novo padrão de financiamento beneficiaria de modo contundente o partido do governo atual. São contra a mudança não só porque perdem a capacidade de influenciar os rumos políticos do país por meio de seu poder econômico particular, mas também porque acreditam que as regras de financiamento público dariam vantagens inaceitáveis para determinados grupos, que obviamente não são os mesmos que defendem.

 

Ainda que não seja a solução definitiva para toda a amplitude do que se possa entender como corrupção, a mudança do sistema de financiamento seria um primeiro passo importante na diminuição dos recursos (públicos e/ou privados) para a propaganda política, que limita o debate e aprofunda a relação distanciada entre eleitores e representantes (leia aqui).

 

É nesse sentido que a mudança do sistema político poderá rearranjar a disposição de todos os manifestantes que têm saído às ruas. Existe, assim, o potencial de uma aglutinação ampla com a definitiva deposição de Dilma pelo impeachment que colocará na ordem do dia a reforma política. Esse parece ser um dos principais caminhos de avanço da esquerda para o dia depois de amanhã.

 

- Tiago Camarinha Lopes é economista pela Goethe Universitat Frankfurt a.M., Alemanha; professor da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas da Universidade Federal de Goiás (UFG)

 

Crédito da foto: UJS

 

27/04/2016

http://brasildebate.com.br/impeachment-e-o-futuro-do-financiamento-de-campanha/#sthash.UFGS4odK.dpuf

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/177091
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