Financiamento empresarial de campanhas eleitorais: cui prodest?

13/09/2015
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Foto: Agência Brasil Brasil   voto electronico
Elza Fiúza/ABr
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A quem interessa o financiamento empresarial das campanhas eleitorais no Brasil? Cui prodest? Somente com essa resposta identificaremos os agentes que se beneficiam com tal prática, sua legitimidade constitucional e sua adequação aos valores que planejamos para a civilização brasileira.

 

O financiamento empresarial de campanhas eleitorais interessa aos grupos econômicos vertidos a controlar a regulação da economia, pois incentiva os pretendentes a cargos políticos a ficarem sempre à sua procura; tais grupos e seus “homens de bom trânsito no meio político” terminam disciplinando os políticos que, temerosos de não serem mais “amigos dos financiadores”, adequam-se às suas pautas, transformando-se em seus servos fiéis, num jogo que o jargão econômico chama de “estabilização de expectativas” e a ciência política de “captura”. 

 

Interessa a inúmeros políticos, ditos de direita, de esquerda, de centro e variâncias, pois permitem-lhes, se forem os mais bem conectados com os financiadores, adquirir mais dinheiro, realizando campanhas com mais recursos (propaganda, cabos ou currais eleitorais), superando adversários que não obtiveram a mesma quantidade de financiamento. 

 

O PT, nessa seara, notabilizou-se por cinco características: 1. transformar-se em exímio arrecadador; 2. massacrar os membros e militantes que se insurgiam contra tal opção, caricaturando-os como “ingênuos”, “utópicos”, “radicais” ou “burros”, em contraposição aos “pragmáticos”, “realistas”, “ponderados” ou “gênios da política”; 3. criar a ideologia da “empresa amiga do socialismo” (a fim de apaziguar o conflito de crenças dos outrora jovens socialistas e agora maduros passadores de pires, viciados em gorjetas dos grandes grupos econômicos, que domesticaram o partido); 4. permitir aos operadores internos de tais esquemas experimentarem verdadeiro salto na escala da renda nacional; e 5. terminar com enorme quantidade dos “gênios da política” nas capas de jornais, alvos das investigações que deleitam a direita política. 

 

O PSDB é distinto na aparência e idêntico na essência: 1. depois de ter sido o grande arrecadador da década de 1990 (quando agradava gregos, troianos, norte-americanos, espanhóis e portugueses, nas águas turvas das privatizações), ficou amuado com a desenvoltura arrecadatória do PT durante os anos Lula-Dilma; 2. diante das sucessivas e massivas escolhas eleitorais em nível federal contra seu modelo de exclusão social (desindustrialização, desnacionalização e ininterrupta proteção aos bancos, culminando em desemprego explosivo), aprofundou e solidificou as redes de financiamento para as campanhas estaduais; 3. essas operações (que, em alguns casos, já estão estruturadas há décadas, desde o estertor da ditadura militar) tornam absolutamente temível para o partido a entrada da “Operacão Lava-Jato” – ou de algo semelhante – nas contas, repasses e contratações das empresas estatais de São Paulo e Minas Gerais (embora, por outro lado, tenha pouco a temer dos respectivos Ministérios Públicos Estaduais, que raramente enxergam qualquer problema nas gestões tucanas...); 4. como as aves que aqui gorjeiam são as mesmas que gorjeiam lá, há uma incrível identidade de empresas que financiam o PT e o PSDB; 5. os canais de financiamento da década de 1990 e os escândalos “desaparecidos” pela máquina de engavetar (que englobava sólida maioria parlamentar, o silêncio complacente de grande parte da imprensa e um “engavetador geral da República”) levariam a investigação de porte gigantesco (dadas as conexões internacionais das privatizações e seus tentáculos financeiros); e 6. investigações desse nível seriam uma “bomba atômica” no partido, para usar expressão que marcou época nos escândalos tucanos da década de 1990.

 

O financiamento empresarial de campanhas eleitorais beneficia os profissionais que “ganham a vida” graças ao contato entre os mundos do grande dinheiro e o da pretensão eleitoral ao poder: 1. os “operadores” das empresas e dos partidos e 2. os “meramente profissionais” (fornecedores de material de campanha, marqueteiros e seus satélites, advogados ou contadores, por exemplo), cuja fonte de pagamentos é o dinheiro da própria arrecadação empresarial, não raro por meio de contratos firmados diretamente com as empresas financiadoras, em uma retroalimentação perversa: os políticos afirmam precisar de dinheiro para pagar tais profissionais e por isso tornam-se capachos dos financiadores; os financiadores dão dinheiro que alimentará tais profissionais, tornando-os indispensáveis aos políticos, que devem, assim, implorar por mais dinheiro aos financiadores...

 

Essa aliança entre grupos econômicos financiadores, políticos financiados e profissionais prestadores de serviços, todos lucrando com o financiamento empresarial de campanhas eleitorais, colocou o país de joelhos, perplexo e envergonhado. 

 

Essa aliança deve ser exposta, dissecada e derrotada. Essa é a condição a partir da qual uma enorme quantidade de dinheiro ganhará fins mais produtivos e a politica será arejada, deslocando os interesses que hoje nos sufocam, de modo a permitir aos políticos cuidar da polis, e não de seu monstruoso caixa para o próximo embate em dois ou quatro anos ou seu rombo bancário de dívida eleitoral. 

 

Por tudo isso, resta a pergunta: e o julgamento do STF, após o voto prolatado no pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes, no caso que julga a inconstitucionalidade dessa prática? O Ministro, como apontado por Maria Cristina Fernandes (“Pedido de Vista”, Valor Econômico, 27.08.2015) e pelo Professor de Direito Constitucional da USP Conrado Hübner (“O dono da bola”, Folha de São Paulo, 3.2.2015), não se comporta com decoro: fala fora dos autos, de maneira ininterrupta e violenta, e instrumentaliza aos olhos de todos suas competências em razão de estratégias partidárias. Como se comportarão os demais Ministros, diante de sua decisão que visa a manter a influência do poder empresarial sobre o processo democrático? 

 

Até que essa pergunta seja respondida, custodi civitatem Domine: proteja nossa Pátria, Deus. 

 

- Alessandro Octaviani, Professor de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da USP

 

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Principios-Fundamentais/Financiamento-empresarial-de-campanhas-eleitorais-cui-prodest-/40/34481

https://www.alainet.org/pt/articulo/172387
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