Qual o sentido dos bons votos para o ano novo?

26/01/2013
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Já estamos adiantados no novo ano e ainda assim nos desejamos bons votos de saúde e prosperidade. Que sentido tem tais votos no contexto mundial e nacional em que vivemos?
 
Eles ganham sentido se ocorrer o que pede, com urgência, a Carta da Terra, um dos documentos mais importantes e suscitadores de esperança do começo do século XXI: “uma mudança na mente e no coração, um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal”(Conclusão). Quer dizer, se tivermos a coragem de mudar a forma de viver, se o modo de produção e consumo tomar em conta os limites da Terra,  em especial,  a escassez de água potável e os milhões e milhões que passam fome.
 
Não é impossível que possa ocorrer uma quebra sincronizada do sistema-Terra e do sistema-vida. As tsunamis e os furacões são pequenas antecipações. Então a biodiversidade poderá, em grande parte, desaparecer, como outrora nas conhecidas 15 grandes dizimações sofridas pela Terra. Muitos humanos também perecerão e se salvarão apenas retalhos de nossa civilização.
 
Jared Diamond, conhecido especialista em biologia evolutiva e biogeografia da Universidade da Califórnia, em seu livro Colapaso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso (Record 2012) mostrou como esse colapso ocorreu na Ilha de Páscoa, na cultura Maya e na Groelândia do Norte. Não seria uma miniatura daquilo que poderá ocorrer com a Terra, uma Ilha de Páscoa ampliada? Quem nos garante que isso não seja possível?
 
Há setas em nossos caminhos que apontam para essa direção. E nós, nos divertindo, rindo gaiamente, jogando nas bolsas especulativas, como na fábula de Kierkegaard: um teatro está pegando fogo, o palhaço conclama, aos gritos, que os espectadores venham apagá-lo e ninguém vai pois achavam que era parte da  peça. Todo teatro pegou fogo, consumindo o auditório, os espectadores e toda a redondeza. Noé foi o único a ler os sinais dos tempos: construiu a Arca salvadora e garantiu a si e  representantes da biodiversidade.         
 
Mas há uma diferença entre Noé e nós: agora não dispomos de uma Arca que salve alguns e deixe perece os demais.  Desta vez ou nos salvamos todos ou perecemos todos. Com razão  nos conclama, em seu final, a Carta da Terra:
 
“Como nunca antes da história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo”. Observe-se que não se fala em reformas,  melhorias, recortes, regulações, mas “de um novo começo”. Não é que tais iniciativas sejam sem sentido. Mas serão sempre mais do mesmo e intrassistêmicas. Elas não resolvem o problema-raiz: o sistema a ser mudado. Apenas protelam a solução; ele se encontra corroído por dentro e transformado numa ameaça à vida e ao futuro da Terra. Dele não poderá vir vida nova que inclua a todos e salve o nosso ensaio civilizatório.
 
Isto supõe reconhecer que os valores e os princípios, as instituições e os organismos, os hábitos e os modos de produzir e consumir já não nos asseguram um futurodiscernível. O “novo começo” implica inventar uma nova Terra e forjar um novo estilo de "bem viver" e "bem conviver", produzindo o suficiente e o decente para todos, sem esquecer a comunidade de vida e os nossos filhos e netos.
 
Os eixos articuladores não serão mais a economia, o mercado, o sistema bancário nem a globalização, mas a vida, a Humanidade e a Terra, tida como Gaia, superorganismo vivo do qual nós somos a sua porção consciente e inteligente. Todos os demais subsistemas hão de servir a este grande sistema uno e diverso no qual todos serão interdependentes, construindo juntos um destino comum também com a Mãe Terra.
 
A situação da Terra e da Humanidade é comparável a um avião na pista de rolamento. Este começa a correr. Todo piloto sabe que chega  um momento crítico em que o avião deve decolar, caso contrário se arrebentará no fim da pista. Não são poucos, como Michail Gorbachev, Martin Rees, James Lovelock,Eduard Wilson, Albert Jacquard entre outros  que nos advertem: passamos o ponto crítico e não levantamos voo. Para onde vamos?
 
Como a evolução não é linear mas dá saltos, nunca perdemos a esperança, antes a cultivamos, de um salto quântico que nos salve com uma nova mente e um novo coração e, por isso, com um destino promissor para 2013.
 
- Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor
 
 
https://www.alainet.org/pt/articulo/164193
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