Haverá necessidade de uma dívida pública?
01/04/2012
- Opinión
A resposta é positiva. Um Estado deve poder pedir empréstimos com vista a melhorar as condições de vida da população, por exemplo para realizar obras de utilidade pública ou para investir nas energias renováveis. Algumas obras podem ser financiadas pelo orçamento corrente através de escolhas políticas assumidas; no entanto, os empréstimos públicos tornam possíveis obras de maior envergadura; por exemplo, estes empréstimos públicos podem contribuir para sair do sistema "todos motorizados" e dar a prioridade aos transportes colectivos, fechar definitivamente as centrais nucleares e substituí-las por energias renováveis, criar ou reabrir caminhos-de-ferro de proximidade em todo o território, começando pelo território urbano e semi-urbano, ou para renovar, reabilitar ou construir edifícios públicos e habitações sociais, reduzindo o seu consumo de energia e equipando-os com qualidade.
De qualquer forma, ainda que não queiramos de todo permanecer numa economia capitalista, a dinâmica económica só é possível nessa economia se houver simultaneamente a nível macroeconómico uma antecipação do excedente produzido através da criação de moeda. Desta forma, vender mercadoria com lucro apenas é possível se houver mais moeda em circulação após o lançamento da produção do que havia antes do lançamento. Por conseguinte, uma economia capitalista sem endividamento não faz qualquer sentido[1]. Especialmente em época de recessão, a despesa pública necessária para gerar riqueza colectiva suplementar deve ser sustentada por receitas fiscais suplementares colectadas aos mais ricos, anulando as dívidas ilegítimas e emitindo empréstimos públicos sob o controlo dos cidadãos.
A revindicação primordial é a socialização sob controlo cidadão do inteiro sector dos bancos e seguros, que constitui o primeiro passo para a saída do modelo capitalista. Entretanto, a questão está em definir urgentemente uma política de empréstimos públicos transparente. A proposta que aqui avançamos é a seguinte: 1) O empréstimo público deve ter como propósito garantir uma melhoria duradoura das condições de vida e acabar com a lógica de destruição do ambiente; 2) O recurso ao empréstimo público deve assentar na vontade de redistribuir para reduzir as desigualdades. Como tal, propomos que as instituições financeiras, as grandes empresas privadas e as grandes fortunas sejam obrigadas por via legal a comprar, num montante proporcional ao seu património e aos seus rendimentos, obrigações do Estado a 0% de juro e não indexadas à inflação; o resto da população poderá adquirir de forma voluntária obrigações públicas que garantam um rendimento real positivo (por exemplo 3%) superior à inflação. Ou seja, se a inflação anual for de 3%, a taxa de juro efectivamente paga pelo Estado para o ano correspondente será de 6%. Esta medida de discriminação positiva (comparável às medidas adoptadas para lutar contra a opressão racial nos EUA, as castas na Índia ou as desigualdades de género) permitirá criar maior justiça fiscal e uma repartição menos desigual da riqueza.
A anulação das dívidas ilegítimas é uma condição necessária porém insuficiente. Outras medidas são essenciais para sair da crise na Europa, dando a volta por cima. Está na altura de abrir o debate. (Tradução de Rui Viana Pereira, revisão de Noémie Josse.)
- Damien Millet (professor de matemática, porta-voz do CADTM-França, www.cadtm.org) e Eric Toussaint (doutorado em Ciências Políticas, presidente do CADTM-Bélgica, membro do conselho científico da ATTAC-França) escreveram AAA, Audit, Annulation, Autre politique (AAA, Auditoria, Anulação, Alternativa Política), Le Seuil, Paris, 2012. Eles dirigiram o livro colectivo La Dette ou la Vie (A Dívida ou a Vida), Aden-CADTM, 2011, galardoado com o Prémio do Livro Político na Feira do Livro de Liège em 2011.
[1] Jean-Marie Harribey, http://www.cadtm.org/De-la-creation-monetaire-et-des ; Attac, Le mystère de la chambre forte, Le Piège de la dette publique, Comment s’en sortir ?, Les Liens qui libèrent, 2011, p. 161-188.
https://www.alainet.org/pt/articulo/156907
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