O velho agoniza e o novo custa a nascer
26/08/2010
- Opinión
Entre os muitos problemas atuais, três comparecem como os mais desafiadores: a grave crise social mundial, as mudanças climáticas e a insustentabilidade do sistema-Terra.
A crise social mundial deriva diretamente do modo de produção que ainda impera em todo o mundo, o capitalista. Sua dinâmica leva a uma exacerbada acumulação de riqueza em poucas mãos à custa de uma espantosa pilhagem da natureza e do empobrecimento das grandes maiorias dos povos. Ela é crescente e os gritos caninos dos famélicos e considerados “óleo queimado” não podem mas ser silenciados.
Este sistema deve ser denunciado como inumano, cruel, sem piedade e hostil à vida. Ele tem uma tendência suicida e se não for superado historicamente, poderá levar o sistema-vida a um grande impasse e até ao extermínio da espécie humana.
O segundo grave problema é constituido pelas mudanças climáticas que se revelam por eventos extremos: grandes frios de um lado e prolongadas estiagens de outro. Estas mudanças sinalizam um dado irreversível: a Terra perdeu seu equilíbrio e está buscando um ponto de estabilidade que se alcançará subindo sua temperatura. Até dois graus Celsius de aumento, o sistema-Terra é ainda administrável. Se não fizermos o suficiente e o clima atingir até 4 graus Celsius (conforme advertem sérios centros de pesquisa), então a vida assim como a conhecemos não será mais possível. Haverá uma paisagem sinistra: uma Terra devastada e coberta de cadáveres.
Nunca a humanidade, como um todo, se confrontou com semelhante alternativa: ou mudar radicalmente ou aceitar a nossa destruição e a devastação da diversidade da vida. A Terra continuará, entregue às bactéria, mas sem nós.
Importa entender que o problema não é a Terra. É nossa relação agressiva e não cooperativa para com seus ritmos e dinâmicas. Talvez ao buscar um novo ponto de equilíbrio, ela se verá forçada a reduzir a biosfera, implicando na eliminação de muitos seres vivos, não excluindo seres humanos.
O terceiro problema é a insustentabilidade do sistema-Terra. Hoje sabemos empiricamente que a Terra é um superorganismo vivo que harmoniza com sutileza e inteligência todos os elementos necessários para a vida a fim de continuamente produzir ou reproduzir vidas e garantir tudo o que elas precisam para subsistir.
Ocorre que a excessiva exploração de seus recursos naturais, muitos renováveis e outros não, fez com que ela não conseguisse, com seus próprios mecanismos internos, se autoreproduzir e autoregular. A humanidade consome atualmente 30% mais do que aquilo que a Terra pode repor. Desta forma ela não se torna mais sustentável. Há crescentes perdas de solos, de ar, de águas, de florestas, de espécies vivas e da própria fertilidade humana. Quando estas perdas vão parar? E se não pararem qual será o nosso futuro?
Tudo isso nos obriga a uma mudança de paradigma civilizacional. Mudança de civilização implica fundamentalmente um novo começo, uma nova relação de sinergia e de mútua pertença entre a Terra e a humanidade, a vivência de valores ligados ao capital espiritual como o cuidado, o respeito, a colaboração, a solidariedade, a compaixão, a convivência pacífica e uma abertura às dimensões transcendentes que dizem respeito ao sentido terminal nosso e do universo inteiro.
Sem uma espiritualidade, vale dizer, sem uma nova experiência radical do Ser e sem um mergulho na Fonte originária de todos os seres de onde nasce um novo horizonte de esperança, certamente não conseguiremos fazer uma travessia feliz.
Enfrentamos um problema: o velho ainda persiste e o novo custa a nascer, para usar uma expressão de Antonio Gramsci.
Vivemos tempos urgentes. São as urgências que nos fazem pensar e são os perigos que nos obrigam a criar arcas de Noé salvadoras. Estamos inconformados com a atual situação da Terra. Mesmo assim cremos que está ao nosso alcance construir um mundo do "bem viver" em harmonia com todos os seres e com as energias da natureza e principalmente em cooperação com todos os seres humanos e numa profunda reverência para com a Mãe Terra.
- Leonardo Boff é teólogo e autor de Proteger a Terra e Cuidar da vida: como evitar o fim do mundo, a sair pela Record 2010.
A crise social mundial deriva diretamente do modo de produção que ainda impera em todo o mundo, o capitalista. Sua dinâmica leva a uma exacerbada acumulação de riqueza em poucas mãos à custa de uma espantosa pilhagem da natureza e do empobrecimento das grandes maiorias dos povos. Ela é crescente e os gritos caninos dos famélicos e considerados “óleo queimado” não podem mas ser silenciados.
Este sistema deve ser denunciado como inumano, cruel, sem piedade e hostil à vida. Ele tem uma tendência suicida e se não for superado historicamente, poderá levar o sistema-vida a um grande impasse e até ao extermínio da espécie humana.
O segundo grave problema é constituido pelas mudanças climáticas que se revelam por eventos extremos: grandes frios de um lado e prolongadas estiagens de outro. Estas mudanças sinalizam um dado irreversível: a Terra perdeu seu equilíbrio e está buscando um ponto de estabilidade que se alcançará subindo sua temperatura. Até dois graus Celsius de aumento, o sistema-Terra é ainda administrável. Se não fizermos o suficiente e o clima atingir até 4 graus Celsius (conforme advertem sérios centros de pesquisa), então a vida assim como a conhecemos não será mais possível. Haverá uma paisagem sinistra: uma Terra devastada e coberta de cadáveres.
Nunca a humanidade, como um todo, se confrontou com semelhante alternativa: ou mudar radicalmente ou aceitar a nossa destruição e a devastação da diversidade da vida. A Terra continuará, entregue às bactéria, mas sem nós.
Importa entender que o problema não é a Terra. É nossa relação agressiva e não cooperativa para com seus ritmos e dinâmicas. Talvez ao buscar um novo ponto de equilíbrio, ela se verá forçada a reduzir a biosfera, implicando na eliminação de muitos seres vivos, não excluindo seres humanos.
O terceiro problema é a insustentabilidade do sistema-Terra. Hoje sabemos empiricamente que a Terra é um superorganismo vivo que harmoniza com sutileza e inteligência todos os elementos necessários para a vida a fim de continuamente produzir ou reproduzir vidas e garantir tudo o que elas precisam para subsistir.
Ocorre que a excessiva exploração de seus recursos naturais, muitos renováveis e outros não, fez com que ela não conseguisse, com seus próprios mecanismos internos, se autoreproduzir e autoregular. A humanidade consome atualmente 30% mais do que aquilo que a Terra pode repor. Desta forma ela não se torna mais sustentável. Há crescentes perdas de solos, de ar, de águas, de florestas, de espécies vivas e da própria fertilidade humana. Quando estas perdas vão parar? E se não pararem qual será o nosso futuro?
Tudo isso nos obriga a uma mudança de paradigma civilizacional. Mudança de civilização implica fundamentalmente um novo começo, uma nova relação de sinergia e de mútua pertença entre a Terra e a humanidade, a vivência de valores ligados ao capital espiritual como o cuidado, o respeito, a colaboração, a solidariedade, a compaixão, a convivência pacífica e uma abertura às dimensões transcendentes que dizem respeito ao sentido terminal nosso e do universo inteiro.
Sem uma espiritualidade, vale dizer, sem uma nova experiência radical do Ser e sem um mergulho na Fonte originária de todos os seres de onde nasce um novo horizonte de esperança, certamente não conseguiremos fazer uma travessia feliz.
Enfrentamos um problema: o velho ainda persiste e o novo custa a nascer, para usar uma expressão de Antonio Gramsci.
Vivemos tempos urgentes. São as urgências que nos fazem pensar e são os perigos que nos obrigam a criar arcas de Noé salvadoras. Estamos inconformados com a atual situação da Terra. Mesmo assim cremos que está ao nosso alcance construir um mundo do "bem viver" em harmonia com todos os seres e com as energias da natureza e principalmente em cooperação com todos os seres humanos e numa profunda reverência para com a Mãe Terra.
- Leonardo Boff é teólogo e autor de Proteger a Terra e Cuidar da vida: como evitar o fim do mundo, a sair pela Record 2010.
https://www.alainet.org/pt/articulo/143753
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