Aos 30 anos, PT tem em Lula sua maior estrela
02/02/2010
- Opinión
O Partido dos Trabalhadores completa 30 anos em 2010 com mais de 1 milhão de filiados, cinco governadores e o presidente da República mais popular desde a redemocratização do país. Em sua história, o PT mudou de base eleitoral, passando a ser um partido com maior representatividade nas camadas mais pobres da população.
Essa mudança, no entanto, teve início durante o primeiro mandato de Lula e consolidou-se no segundo, na esteira das políticas sociais e da própria figura carismática do mandatário. Para analistas, o partido atingiu o objetivo de tornar-se popular mas, para tanto, teve que fazer concessões ao pragmatismo.
O PT comemorou o seu aniversário entre os dias 18 e 20 de fevereiro, no Congresso da legenda que definiu a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à presidência da República. A petista conta com a popularidade de seu maior cabo eleitoral para se eleger.
Antes de entrar no governo, Dilma tinha pouca expressão no PT – partido que acabara de se filiar em 2001, após romper com o PDT. Para alguns, sua candidatura representa um vazio de lideranças que acometeu a agremiação por conta da crise ética de 2005 e pela própria figura de Lula. Segundo tal análise, o lulismo estaria impedindo o PT de formar seus novos quadros.
Para debater os 30 anos do maior partido de esquerda da história do país, a reportagem do Brasil de Fato ouviu quatro personagens que tiveram participação nesses anos de história do partido. Confira as entrevistas a seguir.
Rudá Ricci: “Partido viverá profunda encruzilhada”
Rudá Ricci , sociólogo, foi fundador do PT, mas deixou o partido na década de 1990.
Brasil de Fato – Na sua opinião, em 1980, o petismo acreditava que o partido tornaria-se o mais importante do país? Se sim, imaginava que seria dessa forma?
Rudá Ricci – O PT não é o mais importante partido do país. Esse posto pertence ao PMDB (em número de parlamentares, prefeitos, total de votos). Mas o lulismo é maior que o PT. O lulismo é uma concepção de gestão política e do Estado que inverteu absolutamente o ideário petista. O PT, por seu turno, se “americanizou”, ou seja, forjou-se como uma grande máquina eleitoral, ao estilo dos partidos Democrata e Republicano, dos EUA. Obviamente que há resistências internas. Mas as correntes internas contam muito pouco para a prática do PT.
- A base eleitoral do partido mudou. Antes, o apoio era de setores médios, agora, vem dos mais pobres. Como isso ocorreu?
Novamente, essa mudança da base eleitoral do PT é um mero reflexo do lulismo. Não é mérito do partido. A sua questão é das mais instigantes. Trata-se de um dilema antigo da esquerda brasileira: a de se tornar popular sem perder o ideário de esquerda. Esse é um dilema enfrentado desde a fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), na década de 1920. A esquerda brasileira tem profundas dificuldades para se tornar popular em virtude do lastro teórico de origem europeia. Tivemos autores que tentaram criar um pensamento genuinamente brasileiro, como Caio Prado Jr. Mas pensar o Brasil não é tarefa fácil, porque ele é multifacetado e corroído por uma cultura moralista e conservadora. O lulismo dialoga diretamente com essa cultura popular, complexa e conservadora. Fala para a classe média emergente, que desconfia da política mas é extremamente pragmática. Mas não dialoga pedagogicamente, procurando enfrentar o conservadorismo. Seu diálogo é rebaixado, procurando a identidade permanente. Daí, perdeu toda inspiração de um projeto de esquerda. O lulismo é social-liberal. Por esse motivo, o PT se tornou figura menor. O petismo não se tornou popular. Em contraste com o lulismo, sua imagem pública se tornou carrancuda e, para a grande imprensa, oportunista. Trata-se de um dilema antigo da esquerda brasileira: como ser popular e de esquerda.
- De que formas essa composição do PT, como um partido de tendências, contribuiu para ditar os rumos do partido?
As tendências poderiam ter dado origem a um partido de quadros, mas isso não ocorreu. E esse é o principal sintoma de que elas não ditaram efetivamente os rumos da expressão pública do partido. As tendências foram absolutamente superadas e alijadas pela opção eleitoral da direção do partido.
O PT tem dois momentos muito distintos em sua história. Nos anos 1980, foi um partido de massas, porque abraçou a lógica e o ideário dos movimentos sociais daquele período, marcado pela democracia direta, o anti-institucionalismo, o anti-capitalismo, o participacionismo e o comunitarismo cristão. Mas, em meados dos anos 1990, foi capturado por um grupo político muito menos público que as tendências e correntes petistas, formado por ex-militantes de esquerda organizada oriundas do PCB e dirigentes sindicais metalúrgicos e bancários, o setor mais controlador e autoritário do sindicalismo brasileiro.
Essa cúpula adotou práticas estranhas à origem do partido, deixaram de lado a utopia que gerava energia à militância e agiram de maneira rebaixada, pragmática, focada na vitória a qualquer custo. Veja que nos anos 1980 era preciso ser líder de massas para ter expressão pública no PT. A partir de 1994, não houve mais essa necessidade e identidade. Muitos dirigentes passaram a ter sua legitimidade centrada na burocracia partidária e não em movimentos e representação de massas. Hoje, muitos dirigentes nem reflexo da burocracia partidária o são. Vários são apenas parlamentares de expressão regional.
- Qual é a perspectiva da atuação do PT no pós-Lula?
O PT viverá uma profunda encruzilhada. Se continuar adotando a atual via do estatal-desenvolvimentismo, tutelando a sociedade civil, ou seja, completando a modernização conservadora iniciada por Getúlio Vargas, estará fadado a continuar falando para a classe média emergente, a maior porção do eleitorado brasileiro e que é profundamente conservadora e pragmática. Se Dilma resolver romper com essa lógica, poderá bloquear o diálogo fácil com esta classe. A ruptura com a imagem de Lula será visível. E provocará uma profunda crise de representação partidária que será testada em 2012, em plenas eleições municipais. O dilema da esquerda permanecerá. A questão posta pelo lulismo é como romper com sua poderosa e pragmática lógica e retornar à utopia da esquerda democrática, sem se tornar elitista. O PT estará nesta encruzilhada posta por essas duas referências: o lulismo ou o elitismo. Não vejo em Dilma capacidade intelectual e de liderança para romper com esses extremos e recriar um ideário de esquerda e de massas que o PT dos anos 1980 projetava.
- O senhor acredita na tese do “lulismo sem Lula” nos próximos anos?
A maior possibilidade será a de um lulismo com Lula nas sombras. Talvez nem tanto na sombra como se imagina. Lula deitou raízes na sociedade e no sistema partidário. Está enviando a Consolidação das Leis Sociais ao Congresso. Getúlio Vargas não estava no governo e foi carregado por muitas forças partidárias de volta ao trono. O lulismo tem cheiro de queremismo. (RGT)
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Mauro Iasi: “É triste estarmos falando em lulismo”
Mauro Iasi, historiador, é fundador do PT e, atualmente, membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
- Em 1980, o senhor acreditava que o partido tornaria-se o mais importante do país em 30 anos? Se sim, imaginava que seria dessa forma?
Mauro Iasi – No contexto de 1980, nos preocupávamos menos com a “importância” do partido que estava nascendo e mais com a necessidade de expressão política dos setores explorados pelo capitalismo, como dizia o manifesto de fundação do PT. O PT, hoje, é um dos principais e um dos maiores partidos do cenário político brasileiro, no entanto, o preço pago para atingir tal dimensão foi, em grande medida, o abandono dos princípios e metas políticas que estavam presentes em sua origem.
- Como o PT conseguiu tornar-se hegemônico eleitoralmente entre os mais pobres?
Sempre foi um objetivo do PT organizar e representar politicamente os trabalhadores, que inclui a grande maioria dos setores mais pobres e mesmo os chamados setores médios. A inflexão política do PT em direção aos setores médios coincide com sua opção institucional e eleitoral nos limites da ordem burguesa. Hoje, o PT é um partido de centro-esquerda com um programa e uma ação política que podemos considerar pequeno-burguesa. Seu respaldo em amplos setores dos trabalhadores representa mais uma hegemonia passiva do que de fato uma organização independente que colocaria os trabalhadores na cena política na defesa de seus interesses de classe. O apoio, eleitoral e midiático, dos setores mais empobrecidos deve-se a uma mescla de assistencialismo e características carismáticas que emanam da liderança de Lula, acima do partido e muitas vezes contra ele. O PT esperava colocar a classe trabalhadora com independência e autonomia no cenário político e de fato não é isso que vemos.
- O eventual governo Dilma Rousseff pode postar-se à esquerda da gestão Lula?
Não creio que Dilma represente nenhum movimento mais à esquerda do que o perfil de centro-direita que caracteriza o governo Lula, de fato fundado em uma governabilidade conservadora que inclui alianças com empresariado, agronegócio e interesses financeiros. As alianças anunciadas na candidatura Dilma aprofundam a dependência de legendas conservadoras como o PMDB e a necessidade de manter pactos com os setores empresariais.
Em nenhum momento a pré-candidata acenou com alianças e propostas aos movimentos sociais e aos setores de esquerda. Como participante de destaque no atual governo, a ministra nunca se posicionou mais à esquerda, em nenhuma das questões de destaque, na condução da política econômica, no caráter do chamado PAC [Plano de Aceleração do Crescimento], na relação com os movimentos sociais ou, que seja, na mera explicitação de qualquer divergência com os rumos do governo Lula. Pelo contrário, ela tem sido um porta-voz fiel da atual linha e nada indica que irá ser diferente em um possível governo seu.
- O senhor acredita na tese de que o Brasil pode viver nos próximos anos um “lulismo sem Lula”?
É muito triste que a experiência política do PT tenha chegado ao ponto de estarmos falando em “lulismo”. Um partido que surgiu para inovar o fazer político e colocar em cena os trabalhadores não apenas não rompeu com a forma conservadora de fazer política – com o presidencialismo de coalizão e a relação fisiológica com o Congresso e suas legendas de aluguel – como reapresenta o que há de mais retrógrado na história política brasileira: a liderança pessoal que age sobre as massas sem a mediação política de partidos e propostas fundadas nos reais interesses da classe que se diz representar.
Essa forma política foi a que permitiu a Getúlio Vargas impor com o apoio dos trabalhadores uma político contrária aos trabalhadores. Infelizmente, é o que vemos hoje. O projeto de Lula é um projeto pessoal – voltar em 2014. Para ele, é melhor um governo como de Dilma, que não faça sombra e apenas prepare sua volta, do que uma alternância com a oposição tucana. Mas isso nada tem a ver com projetos societários e rumos para o Brasil. Vivemos uma hegemonia conservadora que se caracteriza pela concordância sobre o que é essencial aos interesses do grande capital e da acumulação capitalista em nosso país. O “lulismo” ou o “popululismo”, se preferirem, é apenas um meio para manter esses interesses conservadores com menos custos e evitar mudanças estruturais mais profundas que viessem atender aos reais interesses dos trabalhadores. (RGT)
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Valter Pomar: “Depois de 2005, PT e governo voltaram-se à esquerda”
Valter Pomar , historiador, é membro da corrente petista Articulação de Esquerda
Brasil de Fato – Qual é a principal contribuição do PT para a sociedade brasileira nesses 30 anos?
Valter Pomar – Com o PT, a esquerda brasileira se transformou, pela primeira vez em toda a nossa história, em alternativa de governo e pólo de um dos dois campos político-sociais existentes em nossa sociedade. Claro que isso não foi obra apenas do PT, mas o PT é a expressão principal deste fenômeno. Por outro lado, o desafio é duplo: transformar o PT de alternativa de governo em alternativa de poder; e transformar o campo político-social que dirigimos de democrático-progressista em democrático-popular e socialista.
- O senhor participou da fundação do PT? Se sim, em 1980, o senhor acreditava que o partido tornaria-se o mais importante do país em 30 anos?
Eu não participei da fundação do PT. Em 1980, eu era secundarista e militava no Partido Comunista do Brasil (PCdoB), mais exatamente na “esquerda do PCdoB”. Me aproximei do Partido dos Trabalhadores por vários motivos, entre os quais a impressão de que o PT era uma crítica prática à política de aliança estratégica com a burguesia, hegemônica até então no movimento socialista e comunista brasileiro. Minha primeira atividade como petista foi em 1982, nas campanhas daquele ano, mas só me filiei em 1985. Naquela época e naquela idade, é claro que eu achava que o PT ia ser importante. Obviamente, os caminhos efetivamente percorridos não são os que imaginava.
- Nos anos 1980, o PT tinha boa representatividade em setores médios, mas pouca simpatia nas classes mais pobres. O quadro se inverteu. O que ocorreu?
Na época, como hoje, a análise das classes sociais não era o forte dos petistas. Expressões como “setores médios”, “classes mais pobres” e “classes mais baixas” apenas revelam que não entendemos direito a estrutura de classes existente no Brasil. Na minha opinião, o PT reúne, desde a origem, frações de três classes sociais distintas: os assalariados, o campesinato e a pequena burguesia. Isso não mudou. O que mudou foi a extensão do apoio recebido pelo PT, a influência dessas três classes no partido e a relação dessas três classes e suas diferentes frações com as diferentes classes e frações de classe que são dominantes.
O PT não tem o apoio de 100% da sociedade brasileira, nem de 100% de nenhuma classe social. Seu apoio é proporcionalmente mais forte nos assalariados e a rejeição é proporcionalmente mais intensa entre os capitalistas, latifundiários antigos e nas faixas superiores dos assalariados e da pequena burguesia.
- O lulismo pode ser um fator de preocupação para a vida do partido no próximo período?
Eu não consigo entender por qual motivo alguns intelectuais ficam tão intrigados com o lulismo. É óbvio que algumas frações da pequena burguesia, do campesinato e dos assalariados tendem a construir vínculos fortes com lideranças individuais e não com organizações coletivas. A novidade não é o lulismo, a novidade é que o lulismo tenha sido tornado possível graças ao petismo e que o petismo siga forte e lutando por converter cada lulista num petista. O que significa organizar a sociedade, os sindicatos, os movimentos sociais, os partidos de esquerda, a participação popular e o controle social sobre o Estado, os meios de comunicação etc.
- A candidatura Dilma Rousseff, quadro formado em outro partido, é consequência do lulismo? O senhor concorda com a tese de Tarso Genro, de que “o vazio deixado pelo mensalão” ocasionou a indicação de Dilma à presidência?
Ter sido “formado em outro partido” não é demérito. Demérito é, formado ou não em outro partido, ter capitulado às posições liberais, social-liberais, neoliberais, anti-socialistas e anti-comunistas. Isso sim é demérito. Por outro lado, a Dilma é a candidata do PT principalmente porque ela foi a segunda principal protagonista da virada à esquerda que ocorreu, no PT, no governo e no país, depois da crise de 2005. Quando a Dilma defende o crescimento com redução da desigualdade, o papel estratégico de um Estado forte, a soberania nacional, a democracia, ela está defendendo o que acredita e aquilo que está na ordem do dia.
- Quais são os fatores que indicam essa virada à esquerda do país e do governo após 2005? A tendência de um eventual governo Dilma é aprofundar essa guinada?
Eu considero que existiram dois governos. O primeiro durou de 2003 até a crise de 2005. O segundo começou após a crise de 2005 e vem até agora. O primeiro governo foi pautado pela Carta aos Brasileiros. O segundo está se aproximando do programa aprovado pelo PT em dezembro de 2001, em encontro realizado no Recife. A excessiva moderação do primeiro mandato gerou desgastes junto a setores da base eleitoral e social, bem como junto a militantes. Os efeitos disso ficaram visíveis na derrota que sofremos na eleição de 2004. Logo depois veio a eleição [para a presidência da Câmara] de Severino [Cavalcanti] e a crise de 2005.
A burguesia viu nisso a chance de abreviar o governo Lula e “acabar com a raça” do PT. Ou seja: a burguesia, a direita e a oposição radicalizaram. O efeito foi “esquerdizar” o partido. Ou, para ser mais preciso, trazê-lo da Carta aos Brasileiros para o programa do XI Encontro. Isso ficou visível no resultado do PED [Processo de Eleições Diretas] de 2005: no primeiro turno, a “oposição interna” venceu. Perdemos no segundo turno devido à estreiteza política do Plínio [Arruda Sampaio] e seus liderados, que saíram do partido, contribuindo para nossa derrota por apenas 5 mil votos (em 240 mil) no segundo turno.
Não foi só o partido que despertou do torpor. Lula e o governo também. O primeiro passo foi a substituição de Dirceu-Palloci por Dilma-Mantega, que teve como resultado o enterro nada solene da proposta de “déficit zero”. O segundo passo foi a eleição presidencial de 2006, ganha no segundo turno com um discurso de esquerda, não de conciliação. O terceiro passo foi o PAC. A crise de 2008 confirmou o acerto deste “giro à esquerda”. Nossa vitória em 2010 redesenhará os termos do debate. De 2003 a 2010, o debate foi entre o PT e os neoliberais. E, dentro do PT, entre os desenvolvimentistas versus os social-liberais. A chamada esquerda do PT se alia com os desenvolvimentistas, contra os social-liberais. Pouco a pouco, o debate começa a ser: desenvolvimentistas “conservadores” (ou seja, que não tocam no tema das reformas estruturais) e desenvolvimentistas “democrático-populares” (que querem combinar desenvolvimento com democracia, igualdade e soberania).
As diretrizes de programa aprovadas no IV Congresso estão mais parecidas com o que o PT aprovou no XI Encontro, no Recife. Não é uma “guinada à esquerda”. Seria, se o centro do programa fossem reformas estruturais. O programa é de aprofundamento de políticas sociais, de políticas públicas, de democratização, soberania nacional e integração continental. Nesse sentido, a crise internacional de 2008 teve um papel pedagógico. Ela lembrou que não apenas o neoliberalismo, mas também o capitalismo, é uma criação social. Funciona mal. Periodicamente, gera crises. E tanto para funcionar quanto para escapar das crises, depende da política, do Estado, da correlação de forças. Sendo assim, outra vontade política, outra correlação de forças, outra orientação estatal, podem viabilizar outra forma de organização social. O socialismo está de volta ao debate. (RGT)
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Francisco de Oliveira: “Lula salga a terra por onde passa”
Francisco de Oliveira, sociólogo, foi fundador do PT e, atualmente, é do Partido Socialismo e Liberdade (Psol)
Brasil de Fato - Como fundador do partido, o senhor acreditava que o PT seria o mais importante do país depois de 30 anos? Achava que seria dessa forma?
Francisco de Oliveira - Eu não acreditava que o PT seria o mais importante do Brasil. Até por ser um partido de base classista e pela sociedade brasileira não ser composta só de operários. Sociologicamente, nada indicava que ele tornaria-se o maior partido. E tornou-se: por qualquer critério, ele é o maior.
Mas eu não pensava que ele tornaria-se o que tornou. Tínhamos uma análise muito otimista. Exatamente por ele ter a base classista mais sólida da história brasileira, tínhamos uma outra ideia. Havia uma fiança dada pela sua origem de operários, da Igreja da libertação e do movimento de democratização. Achávamos que o partido se desenvolveria a partir de seu compromisso programático, não fazendo parte da “geleia geral” do sistema partidário brasileiro.
- O PT deixou de ser um partido identificado eleitoralmente com a classe média e passou a ter grande representatividade nos mais pobres. Isso ocorreu da maneira que o petismo esperava?
Não, não ocorreu da forma que os socialistas esperavam. A perspectiva socialista não é a de “pobres”, mas de classe. Pensava-se que o PT devia ampliar em direção à classe social que compõe a base da sociedade. Mas não de uma maneira messiânica, carismática, que foi o que aconteceu. Portanto, o PT incorpora essas massas pobres como massas desorganizadas. Não é bom para o partido nem para a sociedade. Há um viés autoritário que denigre as classes pobres ao invés de elevá-las a condição de atores centrais da sociedade.
- A candidatura de Dilma é consequência disso que o senhor chamou de “messianismo”?
Exatamente. A candidatura se deve ao fato de o PT não ter conseguido criar dentro do partido lideranças de classe. Sem desmerecer a Dilma, pois o fato de ela ter vindo de outro partido não a desmerece em nada. Mas isso mostra que o PT tornou-se propriedade do Lula e não foi capaz de formar uma carreira política para os seus militantes. Estão comemorando 30 anos achando que está tudo bem. Não está. Está mal. O partido não consegue ter um candidato ao governo de São Paulo, estado mais importante da federação, onde o PT nasceu. Tenta importar o Ciro Gomes, um estranho no ninho, que não tem nada a ver com as tradições de luta do PT. Isso mostra o fiasco do partido. Hoje o PT é um partido para-estatal que realiza na sociedade tarefas que são do Estado.
- O senhor acredita que um eventual governo Dilma pode ficar à esquerda do atual?
Isso é retórica vazia. Dizer que estatização é programa de esquerda é não ter entendido nada do capitalismo contemporâneo. Este é sustentado por fundos públicos. A estatização é um programa da primeira década do século 20. Todos os países desenvolvidos já cumpriram esse programa. Nacionalizaram a terra, criaram bancos estatais, industrializaram setores industriais inteiros. Poderíamos chamar isso de a “doença infantil do estatismo”. Isso é um programa para fortalecer as empresas brasileiras e o Estado brasileiro como fiador do capitalismo, não tem nada a ver com esquerda ou socialismo.
- O senhor concorda com o ex-ministro Tarso Genro, que afirmou que a escolha de Dilma é reflexo do vazio partidário após o mensalão?
A tese faz sentido, mas não foi resultado apenas da crise do mensalão. O Lula é uma liderança que salga a terra por onde ele passa, não deixa liderança nenhuma. Os trabalhadores não têm mais liderança e não têm presença forte na política. A CUT [Central Única dos Trabalhadores] é uma organização do “amém, sim senhor”. O mensalão acabou com lideranças expressivas no PT e aconteceu isso: teve que recorrer à Dilma. (RGT)
- Renato Godoy de Toledo, da Redação de Brasil de Fato.
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