Via Campesina entrega a Lula propostas para o Haiti

27/01/2010
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Durante a visita do presidente Lula ao Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, representantes da Via Campesina Brasil que vivem há cerca de um ano no Haiti irão formalizar um pedido de solidariedade internacional para ajuda em caráter emergencial à população do Haiti, após o recente terremoto que devastou o país. A carta solicita do governo brasileiro articulação institucional e infra-estrutura para a realização de ações nas linhas de acesso à água, assistência agrícola e recursos humanos especializados.
 
Em entrevista coletiva, os integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e do MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), Sidevaldo Miranda e Carlos Roberto, respectivamente, conversaram sobre as iniciativas. Segundo eles, a produção de alimentos pelo próprio povo do país caribenho deve garantir a soberania e sobrevivência neste momento de calamidade. Para isso, os movimentos articulados na Via Campesina propõem em regime emergencial a doação de sementes prioritárias (milho, feijão, sorgo etc.) para a auto-sustentação da população, além do intercâmbio de 120 jovens haitianos em assentamentos no Brasil, para se formarem em cursos técnicos de agroecologia e retornarem o conhecimento ao seu povo.
 
Para o acesso à água, na situação de contaminação generalizada, está proposta a construção de açudes alternativos nas montanhas em áreas rurais, já que há um grande movimento de êxodo urbano após os tremores. Ainda propõem a construção de poços artesianos e a doação de 50.000 cisternas pelo Governo do Brasil (mil unidades já foram doadas pelo Governo da Bahia).
 
Por fim, a Via Campesina Brasil sugere o envio de um exército de ajuda humanitária, entre médicos, técnicos agrícolas e agrônomos, pedreiros, carpinteiros e outros profissionais para auxílio imediato, ações mais baratas que os R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) pagos pelo Brasil para manter por ano cada um dos 1.200 soldados. Quarenta camponeses da Via já irão no próximo dia 25/2. Ao contrário da truculência dos exércitos presentes na missão Minustah da Organização das Nações Unidas (ONU), o exército humanitário - que precisará da intervenção do Itamaraty para pousar aeroporto ocupado por mais de 12.000 soldados americanos - deve conduzir a solidariedade dos brasileiros ao país.Tudo será articulado com os movimentos campesinos do Haiti.
Também presente na coletiva cedida à imprensa durante o Fórum Social Mundial, o Secretário Geral da CUT, Quintino Severo, anunciou as linhas de ação da central para solidariedade ao povo do Haiti, já em andamento. Desde 19/1, a conta “SOS Haiti” está aberta para arrecadação de doações dos sindicatos da base filiada. Além da contribuição financeira, duas brigadas farão o serviço humanitário de emergência, com agentes de saúde, carpinteiros e pedreiros.
As organizações lá presentes há um ano já propunham, desde antes do terremoto, a construção de uma Escola Técnica Agrícola e um Centro Nacional de Produção de Sementes, bem como o reflorestamento no país como estratégia de sustentabilidade climática e potencial econômico-extrativista. O Haiti é um país com 27.650 km² e, segundo estudos da Via Campesina, uma população de nove milhões de habitantes, dos quais 60% estão no campo.
 
Leia abaixo a íntegra da carta que será encaminhada ao presidente.
 
Porto Alegre, 26 de Janeiro de 2010
 
Ao Presidente da República Federativa do Brasil
Exmo. Luiz Inácio Lula da Silva
 
Sensibilizada com a enorme pobreza que afeta o povo haitiano, a Via Campesina Brasil enviou uma brigada de solidariedade àquele país em janeiro de 2009, com o objetivo de ajudar a resolver os problema de miséria, fome, analfabetismo, destruição ambiental e escassez de água. Nesse período, identificamos as principais necessidades do meio rural e construímos uma relação fraterna e solidária com o povo haitiano.
 
Em 12 de janeiro de 2010, como é do seu conhecimento, Sr. Presidente, o mais pobre país das Américas sofreu uma das maiores catástrofes da história. Um terremoto que destruiu a capital haitiana e ceifou milhares de vidas, criando condições que agravam e perpetuam a pobreza. Nesse sentido, a Via Campesina viu-se na responsabilidade de fortalecer a sua solidariedade.
 
A dimensão gigantesca da destruição nos exige somar esforços e potencializar a ajuda humanitária. Mas queremos ir além da urgente e indispensável ajuda de caráter emergencial. Queremos, como Via Campesina Brasil, contribuir com uma política que ajude a tirar o povo haitiano dessa condição histórica de pobreza.
Tendo em vista que, para aspectos de emergência, os Estado-Nações já estão realizando seus apoios, a Via Campesina se dispõe a trabalhar com 50 mil famílias de camponeses, priorizando nossa atuação no meio rural e nas questões estruturantes. Assim, juntamente com os movimentos camponeses do Haiti, foi construída uma proposta concreta de solidariedade ao povo haitiano, que demanda ajuda do governo brasileiro.
 
Plano de solidariedade ao povo haitiano:
 
1 – Estrutura para abastecimento de água para consumo humano, agricultura e pecuária
Visa a construção de açudes e reservatórios, perfuração de poços artesianos e cisternas de polietileno. Necessidades:
1.1 – Dois tratores de esteira, duas retroescavadeiras e dois caminhões (para transporte de máquinas)
1.2 – 50 mil cisternas de polietileno (precisam chegar antes de abril, que é o período chuvoso)
1.3 – Dois equipamentos completos para perfurar poços artesianos.
 
2 – Fortalecer a produção agrícola de alimentos
Visa enviar sementes, ferramentas e os insumos necessários para a produção dos principais alimentos da população.
Necessidades:
2.1 – Sementes de hortaliças agroecológicas (pimentão, repolho, cebola, alface, cenoura, beterraba, outras), feijão (70 dias), feijão guandu, arroz de sequeiro, sorgo, milho.
2.2 – Ferramentas (enxada, facão, picão, pá, foice, plantadeira manual, etc).
2.3 – Cinco tratores agrícolas 75 HP.
2.4 – Alimentos de necessidade imediata: feijão, arroz, leite em pó, quirera de milho (canjiquinha), etc. Articular apoio por meio da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
2.5 – 50 mil fogareiros: no Haiti, a base energética para cozinhar é o carvão vegetal. Com o deslocamento de grande parte da população para o campo, um dos primeiros problemas de escassez será a lenha, pois o país já tem 97% de desmatamento.
 
3 – Recursos Humanos emergenciais:
Visa garantir a ida de uma brigada de 50 membros da Via Campesina Brasil para atuar emergencialmente no período de seis meses a um ano. Os trabalhos dessa equipe se darão nas áreas de construção de moradias, agricultura, construção de açudes, poços e cisternas.
Necessidades:
3.1 – Garantir deslocamento das 50 pessoas, com a perspectiva de ida no início de março.
3.2 – Garantir a vinda de 120 jovens haitianos para o Brasil, com o objetivo de trocar experiências e estudar no Brasil para que possam retornar e contribuir com a reconstrução de seu país.
 
Diante dessas demandas emergenciais, vimos por meio desta carta solicitar do governo brasileiro o compromisso nessa tão importante missão de solidariedade aos pobres e explorados do Haiti.
 
 
Atenciosamente,
 
VIA CAMPESINA – BRASIL
MPA, MST, MAB, MMC, CPT, PJR, FEAB, ABEEF, CIMI E PESCADORES
https://www.alainet.org/pt/articulo/139074
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