Conflitos no campo diminuem, mas violência cresce!

03/09/2009
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De janeiro a junho de 2009, o número de conflitos no campo apresentou queda de 46%, em relação a igual período de 2008. Em contrapartida neste mesmo período a violência que os acompanhou foi bem maior.
 
Os dados parciais dos conflitos no campo relativos ao primeiro semestre de 2009, registrados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), e agora divulgados, apresentam o seguinte quadro:
 
De janeiro a junho de 2009, o total dos Conflitos no Campo – conflitos por terra, por água e trabalhistas – são 366, envolvendo 193.174 pessoas, com 12 assassinatos, 44 tentativas de assassinato, 22 ameaças de morte, seis pessoas torturadas e 90 presas. Destes 366 conflitos, 246 são conflitos por terra, envolvendo 25.490 famílias.  Destas, 393 foram expulsas da terra por ação dos proprietários e seus jagunços e 4.475 foram despejadas por ação judicial.Ressaltamos que estes dados são parciais, não só porque se referem a um período do ano, mas também porque ainda poderão chegar novas informações a respeito de conflitos havidos neste mesmo período, o que pode alterar os dados apresentados em um próximo fechamento dessas informações.
 
Em números absolutos observa-se uma sensível diminuição das ocorrências. Em igual período de 2008, computavam-se 678 conflitos, com envolvimento de 301.234 pessoas. O número de assassinatos era de 13, o de tentativas de assassinato 32; o de ameaçados de morte 38; e o de pessoas torturadas duas. No mesmo período só os conflitos pela terra eram 468, envolvendo 45.947 famílias, tendo sido expulsas 1.079 famílias e 6.542 despejadas. Pelos dados acima, em número absolutos, em 2009, só houve crescimento no número de tentativas de assassinato: 32, em 2008; 44 em 2009 e no número de pessoas torturadas, duas em 2008 e seis em 2009.
 
Mas o que os números absolutos não revelam, o revelam os números relativos. A média de pessoas envolvidas nos conflitos é maior em 2009. A média nacional, em 2008, era de 445 pessoas envolvidas a cada conflito. Em 2009, este número salta para 528. Mas é em relação à violência que se sente um crescimento para além de preocupante. Até 30 de junho de 2009, registrou-se 1 assassinato para cada 30 conflitos; 1 tentativa de assassinato para cada 8 conflitos; 1 torturado  a cada 61 conflitos; 1 preso a cada 4 conflitos; 1,5 famílias expulsas a cada conflito por terra e 18 despejadas. Enquanto que em 2008 computavam-se os seguintes números: 1 assassinato a cada 52 conflitos; 1 tentativa de assassinato a cada 21 conflitos; 1 torturado a cada 339 conflitos; 1 preso a cada 6 conflitos;  2,3 famílias expulsas a cada conflito por terra  e 14 despejadas.
 
O número de assassinatos de trabalhadores se torna mais dramático se comparados os dados até final de agosto, mesmo em números absolutos. De janeiro a agosto de 2008, 14 foram os trabalhadores assassinados; em 2009, 17. (Neste cômputo não estão incluídos os cincos trabalhadores assassinados no assentamento Chico Mendes, no município de Brejo da Madre de Deus, agreste de Pernambuco, no dia 6 de julho deste ano, pois o crime ainda está sob investigação.). Esses dados nos mostram, também, o espraiamento da violência pelo país. Enquanto em 2008, os assassinatos, nesse período, ocorreram em sete estados, em 2009 eles se espalharam por 11 estados.
 
Geografia da violência no campo brasileiro
 
O Centro-Oeste é a região que foi palco de maior violência, não só em números relativos, mas também em números absolutos: 3 assassinatos em 2009 (1 em 2008); 13 tentativas de assassinato (0 em 2008); 80 famílias expulsas (0 em 2008); 1.200 famílias despejadas   (455 em 2008). A região Sudeste apresentou um crescimento no número de assassinatos (0 em 2008, 2 em 2009); nas tentativas de assassinato (1 em 2008, 5 em 2009), e no número de prisões (3 em 2009, 0 em 2008). Também o número de famílias expulsas passou de 49, em 2008, para 63 em 2009. Na região Nordeste as tentativas de assassinato cresceram de 14, em 2008, para 16 em 2009 e o número de famílias despejadas passou 1.111 para 1.858. A região Norte continua com o maior número de assassinatos: 6, inferior, porém, aos 10 registrados em igual período de 2008. Houve um crescimento, também, no número de tentativas de assassinato, de 14 em 2008 para 16 nesse ano.
 
Além disso, as regiões Nordeste e Sudeste apresentaram um aumento preocupante nos casos de pistolagem. A CPT registra como pistolagem, o número de famílias que sofreram, de alguma forma, ação por parte de pistoleiros. Seja com ameaças, agressões ou qualquer forma de pressão e violência. Enquanto no ano de 2008, no Nordeste computavam-se 1.058 famílias atingidas por pistolagem, em 2009 esse número salta para 2.139, um aumento de 102%. No estado da Bahia o número saltou de 102 em 2008, para 744 em 2009, um aumento de quase 630%. Já no Ceará, passou de 200 em 2008 para 900 em 2009. 350% a mais. Em Pernambuco, em 2008 foi registrada apenas uma família atingida por essa prática, mas em 2009 o número passou para 200 famílias. A região Sudeste, que em 2008 não apresentou nenhum caso de famílias submetidas à ação de pistoleiros, em 2009 registrou 131 somente em Minas Gerais. Isso mostra o aumento da violência do poder privado, consequência da impunidade e da inoperância dos órgãos competentes em punir esta prática por parte de grandes fazendeiros e empresas rurais.
 
Ações dos trabalhadores
As ações dos trabalhadores, ocupações e acampamentos, também sofreram um razoável encolhimento em 2009. O número de ocupações baixou de 187, em 2008, para 102, em 2009. Já o número de acampamentos se reduziu em 2009 para 22, diante dos 27 em 2008. Mas, em contrapartida, o número médio de pessoas por acampamento teve um crescimento considerável: 68 famílias por acampamento em 2008; 104 em 2009. Já nas ocupações o número médio de pessoas por ocupação decresceu, passou de 106, em 2008, para 99 em 2009.
 
Trabalho Escravo
 
No primeiro semestre de 2009 foram registradas 95 denúncias de trabalho escravo, com 3.180 pessoas envolvidas das quais 2.013 foram libertadas. Os estados do Acre, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Tocantins e Bahia apresentaram, neste período, números maiores de trabalhadores escravizados e libertados do que todo o ano de 2008. O quadro abaixo nos dá uma visão clara disso:
 
Número de trabalhadores libertados
 
 
Acre
Pernambuco
Espírito Santo
Rio de Janeiro
Tocantins
Bahia
2008
0
309
89
57
78
106
2009 (até final de junho)
5
329
369
280
296
188
 
A região Sudeste, ao final do primeiro semestre de 2009, somava 786 pessoas libertadas, número maior do que o correspondente a todo o ano de 2008, 555. Nesta região se concentraram 39% do total de resgatados em 2009. O Nordeste representou 28,8% das pessoas resgatadas e a região Norte 21,9%.
 
Um dado que também nos chama atenção é o número de menores de idade nos casos de trabalho escravo. Enquanto no primeiro semestre de 2008, havia 16 menores envolvidos, em 2009, no mesmo período, foram registrados 88. Quase um menor de idade para cada conflito. Isso mostra uma nova geração sob o jugo da escravidão, perpetuando o histórico de seus antepassados.
 
Panorama da conflitividade
 
O que mais chama atenção nestes primeiros números que a CPT divulga em 2009 são os números da região Sudeste, a mais “rica e desenvolvida” de todo o país. Onde se poderia imaginar que os conflitos agrários estariam tranquilamente superados, dado o grande desenvolvimento da região, nela se concentram 36 ocupações de terra e 2 acampamentos, número só inferior ao Nordeste onde houve 37 ocupações e 5 acampamentos. 39% dos trabalhadores resgatados do trabalho escravo o foram nesta região. E a violência cresceu em 200% no número de assassinatos; em 400% nas tentativas de assassinato; e em 300% no número de prisões. Também o número de famílias expulsas passou de 49, em 2008, para 63 em 2009.
 
O que os números não revelam
 
Mas o mais preocupante não é revelado pelos números. É toda uma orquestração maior que tenta criminalizar qualquer ação, por mais legítima que seja, colocando os trabalhadores do campo, sobretudo os sem-terra, na mira dos poderes constituídos. O que significou a ação do Governo do Rio Grande do Sul que, atendendo proposta do Ministério Público Estadual, que mandou fechar as escolas itinerantes dos acampamentos, se não uma tentativa de inviabilizar a luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)? O que queria o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, quando propôs a criação de uma força-tarefa para dar prioridade ao julgamento dos conflitos fundiários e ao querer jogar a responsabilidade sobre o governo federal por repassar recursos aos movimentos que seriam desviados para “ações criminosas”? O que dizer diante da atitude da polícia do Pará que ao prender trabalhadores, participantes de ação contra a Hidrelétrica de Tucuruí, que com eles desfilou pela cidade como se estivessem a apresentar um troféu? O que imaginar da crueldade com que foram tratados sem-terra na Paraíba que tiveram seus bens destruídos, ameaçados de serem queimados vivos, pois sobre eles foi jogada gasolina, e que acabaram presos, acusados de causadores da violência que sofriam? E nos últimos dias as torturas aplicadas a sem-terras presos, em São Gabriel (RS) e as agressões e humilhações sofridas pelos trabalhadores e trabalhadoras, que culminaram com o assassinato de mais um companheiro que sonhava com um pedaço de chão de onde tirar o sustento, não estão a indicar uma nova onda para tentar impedir que os pobres levantem a cabeça, reivindiquem seus legítimos direitos e se tornem cidadãos completos?
 
 
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