Artur da Tavola e a vida interior
15/05/2008
- Opinión
No dia10 de maio o Brasil perdeu um de seus homens espirituais, o intelectual, o jornalista, o político e o promotor da música como caminho para a interioridade: Artur da Tavola ou Paulo Alberto Monteiro de Barros.
Ele era um homem de síntese. Apesar das contradições da sociedade, alimentava uma inarredável confiança na melhoria do ser humano e da democracia.
Havia nele uma fonte secreta, da qual pouco falava, mas que os íntimos conheciam, da qual continuamente bebia: a dimensão espiritual, diria, mística da vida. Tal constatação me traz à mente a figura do Secretario Geral da ONU, abatido na Nigéria em 1961: Dag Hammarskjöld. Logo após a sua morte, descobriu-se em sua escrivaninha escritos de alto teor místico, de uma mística essencial e por isso supra-confessional, publicados com o titulo Marcos do Caminho. Havia orações, lamentações, pensamentos sofridos e levados diante do Mistério com o qual entretinha secreta intimidade.
Há muitos anos, quando professor de teologia em Petrópolis, convidei Artur da Távola para falar aos jovens teólogos sobre televisão. Aceitou mas sob uma condição: que lhe doasse a edição completa das obras de São João da Cruz e de Santa Tereza D’Avila que a editora Vozes acabara de lançar. Dizia que vivia do jornalismo e do compromisso político. Mas a fonte de sentido de sua vida estava num outro lugar.
Artur da Távola interessou-se em fazer um comovente posfácio ao meu livro Espiritualidade:um caminho de transformação (Sextante). Ai dizia: “Vivemos numa sociedade extrovertida. O sistema produtor precisa da extroversão para vender produtos. Necessita de pessoas com muitas vontades e desejos permanentemente irrealizáveis, pois serão potenciais consumidores. Mas o que precisamos é de de pessoas satisfeitas com o que têm, conscientes, com opções, capazes da maior das liberdades, a interior, seres que consigam equilibrar a solicitação do mundo exterior com a demanda interior, a espiritual”.
Durante muitos anos manteve todos os domingos na TV Senado um erudito e, ao mesmo tempo, popular programa Quem tem medo da musica clássica? Fazia esclarecedoras introduções, explicava a vida dos mestres, ressaltava a beleza das partes e transmitia entusiasmo pelo enlêvo espiritual da música. Nada mais conatural à experiência religiosa que a experiência musical. Ela, sutil e sem palavras, fala ao profundo das pessoas, lá onde habita o Mistério inefável. Sempre terminava com o mesmo motto: “Quem aprecia musica, alimenta a vida interior. E quem tem vida interior jamais padecerá de solidão”.
Outro campo em que se notabilizou foi na reflexão sobre o amor. As ponderações são argutas, coladas à vida cotidiana. Refiro apenas um pequeno texto onde diz: ”Amor, só, não basta. Ele precisa de respeito. Amor só, é pouco. Tem que haver inteligência.Tem que haver bom humor. Não adianta, apenas, amor. Tem que ter disciplina para educar filhos. Amar “solamente” não basta. É preciso convocar uma turma de sentimentos para amparar o amor que carrega o ônus da onipotência. O amor até pode nos bastar, mas ele próprio não se basta”.
Suas reflexões dão razão a São Paulo em seu conhecido cântico ao amor. Não basta só amor Ele tem que vir acolitado pela paciência, pela cortesia e pela capacidade de tudo desculpar, tudo tolerar, tudo crer e tudo esperar. Só assim ele nunca acabará. Somos gratos à vida e à amizade do saudoso Artur da Tavola.
- Leonardo Boff é Teólogo
Ele era um homem de síntese. Apesar das contradições da sociedade, alimentava uma inarredável confiança na melhoria do ser humano e da democracia.
Havia nele uma fonte secreta, da qual pouco falava, mas que os íntimos conheciam, da qual continuamente bebia: a dimensão espiritual, diria, mística da vida. Tal constatação me traz à mente a figura do Secretario Geral da ONU, abatido na Nigéria em 1961: Dag Hammarskjöld. Logo após a sua morte, descobriu-se em sua escrivaninha escritos de alto teor místico, de uma mística essencial e por isso supra-confessional, publicados com o titulo Marcos do Caminho. Havia orações, lamentações, pensamentos sofridos e levados diante do Mistério com o qual entretinha secreta intimidade.
Há muitos anos, quando professor de teologia em Petrópolis, convidei Artur da Távola para falar aos jovens teólogos sobre televisão. Aceitou mas sob uma condição: que lhe doasse a edição completa das obras de São João da Cruz e de Santa Tereza D’Avila que a editora Vozes acabara de lançar. Dizia que vivia do jornalismo e do compromisso político. Mas a fonte de sentido de sua vida estava num outro lugar.
Artur da Távola interessou-se em fazer um comovente posfácio ao meu livro Espiritualidade:um caminho de transformação (Sextante). Ai dizia: “Vivemos numa sociedade extrovertida. O sistema produtor precisa da extroversão para vender produtos. Necessita de pessoas com muitas vontades e desejos permanentemente irrealizáveis, pois serão potenciais consumidores. Mas o que precisamos é de de pessoas satisfeitas com o que têm, conscientes, com opções, capazes da maior das liberdades, a interior, seres que consigam equilibrar a solicitação do mundo exterior com a demanda interior, a espiritual”.
Durante muitos anos manteve todos os domingos na TV Senado um erudito e, ao mesmo tempo, popular programa Quem tem medo da musica clássica? Fazia esclarecedoras introduções, explicava a vida dos mestres, ressaltava a beleza das partes e transmitia entusiasmo pelo enlêvo espiritual da música. Nada mais conatural à experiência religiosa que a experiência musical. Ela, sutil e sem palavras, fala ao profundo das pessoas, lá onde habita o Mistério inefável. Sempre terminava com o mesmo motto: “Quem aprecia musica, alimenta a vida interior. E quem tem vida interior jamais padecerá de solidão”.
Outro campo em que se notabilizou foi na reflexão sobre o amor. As ponderações são argutas, coladas à vida cotidiana. Refiro apenas um pequeno texto onde diz: ”Amor, só, não basta. Ele precisa de respeito. Amor só, é pouco. Tem que haver inteligência.Tem que haver bom humor. Não adianta, apenas, amor. Tem que ter disciplina para educar filhos. Amar “solamente” não basta. É preciso convocar uma turma de sentimentos para amparar o amor que carrega o ônus da onipotência. O amor até pode nos bastar, mas ele próprio não se basta”.
Suas reflexões dão razão a São Paulo em seu conhecido cântico ao amor. Não basta só amor Ele tem que vir acolitado pela paciência, pela cortesia e pela capacidade de tudo desculpar, tudo tolerar, tudo crer e tudo esperar. Só assim ele nunca acabará. Somos gratos à vida e à amizade do saudoso Artur da Tavola.
- Leonardo Boff é Teólogo
https://www.alainet.org/pt/articulo/127523
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