Estudantes entram com ação contra a transnacional Xerox

25/03/2008
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Empresa interrompe pela metade programa de “responsabilidade social” voltado para afrodescendentes; 16 processam.

Em 2003, os estudantes Alexandra Campos e Flávio Lemos estavam entre os 20 jovens negros selecionados, em São Paulo, para o projeto Afro Ascendentes, do Instituto Xerox, braço da empresa criado em 1996 para realizar ações de responsabilidade social.

O projeto tinha como objetivo garantir o ingresso de 40 estudantes (metade na cidade de São Paulo, metade no Rio de Janeiro) no ensino superior público ou privado, pagando um curso pré-vestibular e, se preciso, as mensalidades universitárias. O programa, que tinha duração prevista para 7 anos, também assegurava ticket-alimentação, vale transporte, seguro de vida e uma ajuda de custo no valor de 200 reais para cada participante; prometia, também, um computador com acesso à internet para cada um e um curso de inglês. Além disso, prometia assistência médica, odontológica e psicológica até seis meses após o término da graduação.

Para gerir o programa, contaram com duas ONGs: o Instituto Geledés, em São Paulo, e o Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (Cieds), no RJ. A seleção incluía provas de redação, análise de histórico escolar e entrevistas com os candidatos.

No decorrer do progama, entretanto, os estudantes começaram a enxergar algumas falhas. “Não recebemos computador nenhum, só depois de muita insistência nos deram umas máquinas velhas que nem internet podiam ter”, conta Flávio Lemos. O cursinho pré-vestibular e de inglês foram ministrados nas próprias ONGs, por profissionais contratados. “Os cursos duravam todo o dia, das 8h às 20h e por isso, muitos deixaram seus trabalhos. Inclusive, uma das demandas para participar do programa era a de que não podíamos trabalhar”, explica Flávio.

O corte

Em 2004, Alexandra ingressou no curso de Comunicação em Multimeios na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e as despesas foram pagas pelo programa, conforme combinado. Esse foi o caso de outros estudantes que ingressaram em outras universidades privadas. A partir de 2005, entretanto, os estudantes começaram, sem explicações, a perder alguns benefícios. “Cortaram vale-transporte de alguns, sem explicação, e aí sentíamos que a qualquer momento iam deixar o projeto”, relembra Alexandra.

No final daquele mesmo ano, a estudante ainda recorda de outro fato curioso: “A empresa pagou para os 20 participantes de São Paulo irem até o Rio de Janeiro, encontrar os participantes de lá. Distribuíram camisetas da Xerox e pediram para que nós gravássemos um vídeo para falar da empresa e do projeto. A maior parte das pessoas não aceitou fazer o vídeo e o clima piorou ainda mais a partir daí”. No ano seguinte, a empresa decidiu cortar o projeto.

“Quem nos comunicou, primeiro, foi o Geledés. Nos explicaram que a empresa não ia mais financiar o projeto, e aí pedimos então para falar com os responsáveis da Xerox. Foi um funcionário falar conosco e ele apenas disse que a empresa estava entrando em falência e, por isso, cortou o programa”, conta Flávio.

Na época, os estudantes que estavam em universidades privadas buscaran outras alternativas para continuar os estudos via bolsas da própria instituição ou pelo Programa Universidade para Todos (ProUni). “Tive a sorte de conseguir bolsa 100%, mas muitos colegas, não”, diz Alexandra. Flávio foi um desses. Ingressante no curso de direito da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, Flávio não pode pagar pelas despesas e, hoje, sofre processo da Faculdade, que exige o pagamento da dívida.

Ação

Após o fim do programa, alguns estudantes decidiram entrar com uma ação contra a empresa, por danos morais. “Não queremos apenas receber dinheiro para continuar os estudos e pagar as dívidas, mas discutir também essa questão da responsabilidade social. Essas empresas não podem fazer isso como bem entendem”, protesta Flávio, que conta que tem pesquisado sobre o tema nos últimos meses. “As empresas querem, obviamente, é fazer marketing com isso. O poder público tinha que estar mais atento a esses casos”, opina o estudante.

Alexandra conta que quatro dos 20 estudantes participantes optaram por não mover a ação conjuntamente com os outros por receio de atingir a ONG Geledés que, na visão deles, pode ser prejudicada no processo, embora fosse apenas a gestora do projeto, ou seja, não arcava financeiramente com os cutos, o que era feito pela Xerox.

Uma primeira audiência conciliatória ocorreu dia 10 de março, sem nenhum acordo entre a Xerox e os 16 estudantes. “O advogado da empresa sequer tinha conhecimento que a ação era movida por 16 pessoas e se mostrou surpreso quanto a isso. E repetiu a justificativa de que a empresa está em falência, com os ganhos caindo, e resolveu cortar o programa”, conta Alexandra, que esteve presente na audiência. Agora, cabe ao juíz da 16º Vara Civel de SP dar andamento ao processo.

A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a Geledés e a Xerox. A primeira, não respondeu. Já a Xerox, por meio da assessora de imprensa Fabrícia Rosa, afirmou que as informações dadas pelos estudantes estavam equivocadas e que “a Xerox cumpriu com suas obrigações contratuais com a Geledés”. Afirmou ainda que o projeto não incluía o pagamento de mensalidades de universidades privadas. “O programa visava o ingresso de estudantes na universidade pública”, enfatizou Fabrícia. A informação, entretanto, entra em contradição com a informação dada pelos estudantes. “A proposta era entrar em instituições de excelência, não necessariamente públicas”, rebate Flávio.

Fonte: Brasil de Fato
http://www.brasildefato.com.br

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