Bento XVI não queria ofender ao islamismo, mas contribuiu ao preconceito ocidental sobre esta religião

27/09/2006
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Lido com atenção, cheguei a conclusão de que Bento XVI não pretendeu ser ofensivo com o islã. Isto não quer dizer que o discurso não o seja, já que distorce os ensinamentos do islã, o que contribui para afirmar o preconceito ocidental sobre o islã como religião violenta. Além disso, o máximo representante da Igreja católica romana estabelece uma contraposição entre o Deus do islã e o Deus do cristianismo, dando a entender que não são o mesmo. O Papa se apóia em uma visão negativa do islã para defender uma postura de conciliação entre razão e fé, que sería característica do cristianismo eurocêntrico que ele defende, como síntese do racionalismo grego e do Antigo Testamento. Segundo este esquema, o islã tenderia a considerar a Deus algo absolutamente transcendente, longínquo ao homem, e que se expressaria como uma vontade arbitraria, sem que deva someterse a nenhuma norma, incluída a categoria da racionalidade. Frente a este Deus arbitrário, o Deus cristão se nos apresenta unido a razão. Constitui um grave erro intelectual afirmar uma determinada postura única e característica sobre as relações entre fé e razão, tanto no islã como no cristianismo. E mais: são muitos os estudiosos que afirmam que a síntese apresentada pelo Papa como característica do cristianismo chegou à esta religião através das traduções latinas dos filósofos muçulmanos Avicena e Averrois. Na alta Idade Media, aos filósofos cristãos que defendiam uma síntese deste tipo se os acusava de ser filomusulmanos. A partir desta diferenciação, Bento XVI diz que o islã predisporia aos muçulmanos a aceitar qualquer coisa, por muito contraria à razão que se apresentasse, como parte da vontade divina. Como exemplo, menciona a aceitação do que é um absurdo teológico: a idéia de que a fé pode ser imposta, dando a entender que esta é a doutrina defendida pelo profeta Maomé. Isto apenas merece comentário, já que o próprio Bento XVI cita o versículo corânico segundo a qual "não há imposição na religião". A palavra árabe yihad não significa "guerra santa". Este conceito pertence á tradição da Igreja católica romana, e é de todo alheio ao islã. A yihad, como combate armado, é unicamente defensivo. O Alcorão afirma que um dos motivos que fazem lícita a yihad é a defesa das igrejas e das sinagogas. Apesar disso, o Papa insiste em assimilar o conceito de yihad como imposição violenta do islã. Segundo o Papa, o problema baseia-se em que "o Deus do islã" é "absolutamente transcendente", sem outra relação com o homem que a expressão de seu mandato. Daí se derivaria uma religião puramente legalista, na qual a figura do profeta fica reduzida a do legislador. Neste ponto, o Papa faz evidente sua ignorância. No Alcorão, Deus se apresenta tanto como um Deus longínquo e transcendente como próximo e imanente. À esta dualidade correspondem os chamados Atributos de Majestade e de Beleza. Deus é o Altíssimo, o Todo-poderoso, o Imenso, mas também é o Misericordioso, o Compassivo, o Manso, o Terno, o Amoroso. Diz o Alcorão: "Deus está más próximo do homem que sua veia jugular". Também diz: "Olheis onde olheis, aí está a Face de Deus". O profeta Maomé disse: "A Deus não o abarcam os céus nem a terra, mas o abarca o coração do que se abre para Ele". A intimidade dos crentes com Deus é o tesouro do islã, a ausência de mediadores, de sacramentos, dogmas e doutrinas que se interpõem entre o crente e seu Senhor. Para finalizar final, o Papa faz sua a conclusão do imperador Manuel II: "Não atuar razoavelmente é contrário a natureza de Deus". Esta frase, no conjunto do discurso, pode entender-se como uma desqualificação completa do islã. Dado que o Deus do islã foi apresentado como um Deus que não atua conforme a razão, qualquer um pode concluir que não é um verdadeiro Deus. Tenho muito medo que isto reflita o verdadeiro pensamento de Bento XVI sobre o islã, mais além do discurso oficiala da Igreja católica romana. Ante esta lamentável conclusão, devemos afirmar que o Deus do islã e o do cristianismo são o mesmo, o mesmo Deus Único do qual precedem todas as grandes religiões da humanidade. Qualquer outra consideração conduz a desprezar ou a desvalorizar o outro, o qual não é uma boa base para o diálogo inter-religioso. (Tradução livre de Gelson Piber) - Abdennur Prado
Secretario da Junta Islâmica da Espanha
https://www.alainet.org/pt/articulo/117285
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