Deficientes: vítimas da deficiência oficial
03/03/2006
- Opinión
O poder público não tem uma política para as 27 milhões de pessoas portadoras de deficiência no país. Na América Latina, são 50 milhões. No mundo, mais de 500 milhões, segundo a Organização Mundial da Saúde. O programa ³Fantástico² mostrou, no mês passado, a excessiva burocracia para que uma dessas pessoas possa adquirir um carro com os descontos tributários previstos em lei.
Tudo é problemático para quem já tem a vida dificultada pela limitação física: calçadas irregulares e acidentadas, falta de rampas de acesso a locais públicos, ausência de equipamentos adequados. Como é possível um transporte público sem condições de abrigar um passageiro em cadeira de rodas? A barreira mais difícil, porém, é o nosso preconceito, o nosso descaso, a nossa incapacidade de incluir portadores de deficiência no mercado de trabalho, na escola, nos centros de cultura, lazer e esporte.
Durante os dois anos em que trabalhei no governo federal, empenhei-me, em vão, para que se criasse uma Secretaria Nacional destinada a esse público, à semelhança das que existem para Mulheres, Igualdade Racial, Direitos Humanos e Juventude. É o que propõe a ONU: a criação de um organismo vinculado à mais alta instância de deliberação governamental. Encontrei obstáculos até na doação de cadeiras de roda aos beneficiários do Fome Zero por generosidade dos mórmons.
Outrora as pessoas com lesões acentuadas eram chamados de aleijadas; depois, deficientes; hoje, pessoas portadoras de deficiências. Advogo nova terminologia: pessoas portadoras de direitos especiais (Pode). Todos temos direitos universais, inclusive elas. Porém, por razões óbvias, merecem também direitos especiais, como estacionamentos, banheiros e rampas exclusivos, além de atendimento preferencial em locais públicos.
É preciso resgatar essa parcela da população da cidadania de segunda classe. Esta a razão pela qual a Igreja Católica dedica-lhes a Campanha da Fraternidade 2006, inaugurada nesta Quarta-Feira de Cinzas. O lema é a palavra de Jesus em Marcos 3,3: ³Levanta-te, vem para o meio². Os evangelhos estão repletos de exemplos de como Jesus tratava os portadores de deficiência, extirpando a idéia de que eram vítimas de castigo divino, como propalava a ideologia religiosa dominante na Palestina do século I.
À deficiência do poder público somam-se preconceitos e discriminações reinantes em nossa sociedade. A exclusão é um fenômeno sociológico. Uma criança surda, filha de pais surdos, não se sentirá excluída na família. Mas poderá sentir na sociedade se esta não está preparada para tratar a pessoa portadora de limitações físicas, não como deficiente, mas como diferente, sem fazer da diferença divergência ou excludência.
É muito importante que as escolas se empenhem na pedagogia capaz de evitar preconceitos e estimulem em seus alunos a inserção, entre eles, depessoas com deficiências, e a atitude solidária sem estranhamento ou paternalismo.
Sobretudo, é preciso exercer pressão sobre o poder público para que esse contingente de cidadãos tenha os seus direitos conquistados e respeitados. Organizados em associações, devem eles, por sua vez, aumentar seu poder de mobilização, de denúncia, de elaborar e propor políticas públicas. Por que não processar a prefeitura pela calçada irregular que põe em risco quem anda em cadeira de rodas ou com bengala? Por que não denunciar o estabelecimento comercial sem rampa? Foi graças à mobilização do Movimento dos Direitos das Pessoas com Deficiência que, em 1980, a Justiça obrigou o metrô de São Paulo a oferecer um sistema de acesso aos vagões.
O material da Campanha da Fraternidade (www.cnbb.org.br), disponível em paróquias e livrarias católicas, com certeza nos ajudará a abraçar mais decididamente esta causa de cidadania.
Frei Betto é escritor, autor de ³Típicos Tipos perfis literários² (A Girafa), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/114486
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