Viagens interiores
14/07/2005
- Opinión
Todos os pecados capitais, sem exceção, são tidos como virtudes nessa sociedade neoliberal corroída pelo afã consumista. Basta ligar a TV e confirmar. A inveja é estimulada no anúncio da moça que, agora, possui um carro melhor do que o do vizinho. A avareza é o mote das aplicações financeiras. A cobiça inspira todas as peças publicitárias, do Carnaval a bordo no Caribe ao tênis de grife das crianças. O orgulho é sinal de sucesso dos executivos bem sucedidos, que possuem secretárias cinematográficas e planos de saúde eterna. A preguiça fica por conta das confortáveis sandálias que nos fazem relaxar, cercados de afeto, numa lancha ao Sol ou da revista que emite bons fluidos. A luxúria é outra marca registrada da maioria dos clipes publicitários, onde jovens esbeltos e garotas esculturais desfrutam uma vida saudável e feliz ao consumirem bebidas, cigarros, roupas e cosméticos. Enfim, a gula subverte a alimentação infantil na forma de chocolates, refrescos, biscoitos e margarinas, induzindo-nos a crer que sabores são prenúncios de amores.
Há nas tradições religiosas uma sabedoria de vida. Despidos de preconceitos, ao refletir sobre os sete pecados capitais veremos que cada um deles se refere a uma tendência egoísta que traz frustração e infelicidade. A cobiça nos faz reféns do mercado e dos modismos, atraindo-nos ao buraco negro das maracutaias que, miragens no deserto, nos prometem dinheiro fácil e status de Primeiro Mundo. A avareza ensina a acumular dinheiro mesmo quando ele precisaria ser investido na melhoria de nossa qualidade de vida. Rendimentos passam a ser mais importantes que investimentos, como o caramujo que, por carregar a casa nas costas, se arrasta lento pela vida.
A luxúria nasce nos olhos, agita a mente e perturba o coração. O objeto do desejo aliena do amor enquanto projeto de vida, aprisionando-nos no jogo narcísico da sedução. A gula aumenta o colesterol, deforma o corpo e entristece o espírito. O orgulho é a terrível consciência de que queremos parecer o que não somos e, cheios de empáfia, nossa alma trafega apoiada em frágeis muletas.
A preguiça traz incapacidade e atiça os devaneios, induzindo a trocar a realidade pela fantasia. A inveja, essa tristeza por não possuir o bem alheio, é o espelho de nossa covardia em ser do tamanho que somos, nem maiores nem menores.
Há um conflito entre o princípio nº 1 da sociedade em que vivemos - ganhar dinheiro - e os valores que sedimentam a existência. Nessa guerra, são sacrificados os valores éticos e os princípios morais, a educação das crianças e as relações conjugais, os vínculos familiares e a nossa própria qualidade de vida.
Por que a ambição de uma viagem ao exterior não se reflete também no desejo de viajar para dentro de si mesmo? Mundo desconhecido, esse que trazemos no espírito. Mas, como turistas ocasionais, ficamos sem saber qual "agência" pode nos assegurar uma viagem de melhor proveito: a Igreja Católica ou o budismo? O candomblé ou o espiritismo? Os rosacruzes ou o Santo Daime?
Deus é mais íntimo a nós do que nós a nós mesmos. Recolher-se ao silêncio interior é sempre um excelente ponto de partida. Para quem nunca fez essa viagem, dar o primeiro passo assusta, porque não nos é dado o roteiro, e a paisagem exterior convida-nos a abandonar o trem. Se controlamos "a louca da casa", a imaginação, logo o silêncio interior se faz Voz. Então, somos apresentados ao nosso verdadeiro Eu, que nos impele ao nós. E experimentamos inefável felicidade, a imponderável leveza do Espírito.
Hoje é o primeiro dia do resto de nossas vidas. Com certeza uma boa data para embarcar rumo ao lado avesso de nós mesmos. Reavaliar o que, em nossa vida, são de fato valores e virtudes. Época propícia às viagens interiores. Sem medo de eventuais vertigens, pois as regiões interiores, como os picos das montanhas, provocam reações no corpo e no espírito. A diferença é que, ao mergulhar no fundo de nós mesmos, é melhor fechar os olhos para ver melhor.
- Frei Betto é escritor
https://www.alainet.org/pt/articulo/112442
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