O Brasil, o Paraguai e a ameaça nada fantasma

13/07/2005
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A vida no Brasil segue seu diapasão. Pela rede Globo ficamos sabendo que a Polícia Federal está agindo com eficácia no combate à corrupção e à sonegação. Todos os dias alguém é preso, acusado disso ou daquilo. Pelas telas da TV goteja o mar de lama na política e na vida de centenas de dirigentes de empresas públicas. Há um denuncismo exacerbado que acaba não tendo conseqüência porque, ao fim, no caleidoscópio da mídia, tudo parece um grande espetáculo de luz e cores. E, tal e qual, ao apagar das luzes do dia, volta a normalidade. O revolver de denúncias fica no reino das sensações, bem ao gosto pós-moderno. Não se sabe se os acusados são culpados, inocentes ou vilões. Sem contexto, as notícias se perdem. Sem nexos, os sentidos se esvaem. Enquanto isso, na sala de justiça... O cotidiano brasileiro se enreda no jogo esquizofrênico das gentes de uma velha esquerda que se apega ao poder tanto esperado. Em Brasília, sindicalistas fazem manifestações de apoio ao Lula, em vez de travarem as lutas necessárias em benefício dos trabalhadores. Anseiam por cargos e boquinhas (como bem mostrou o ex-presidente da CUT, agora ministro). São patéticos no discurso de que "há um golpe para desestabilizar o governo". Cegos à vida real, não percebem que o país está a desandar, com os pobres cada vez mais pobres e os ricos mais ricos. Basta dar uma espiadinha nos lucros dos bancos. Assim, enquanto a dita esquerda vai se estapeando para disputar carguinhos de segundo e terceiro escalão, fatos muito graves vão se consolidando pelas beiradas do país e sequer merecem notinhas de rodapés nos jornais. É o caso da investida estadunidense no Paraguai, país vizinho e irmão, que divide com o Brasil uma das maiores hidrelétricas do mundo, a Itaipu. O império contra-ataca A presença dos militares estadunidense no vizinho Paraguai não é uma novidade. Desde 2002 foram realizadas 46 operações militares dos EUA em regiões importantes e estratégicas tais como San Pedro, Concepción, Alto Paraná e Boquerón. Nesta última eles construíram uma estrutura de base militar que conta com um dos maiores aeroportos da América do Sul, onde podem aterrizar aviões transportadores de tanques de guerra e maquinaria pesada, conforme denúncia feita por Orlando Castillo, integrante da Ong Servicio de Paz y Justicia. Esta será a primeira base fixa dos Estados Unidos no sul da América ( já existe a de Manta, no Equador, ao norte, e a de Guantánamo, em Cuba) e seu significado é muito mais do que simbólico. É ocupação real de um espaço altamente estratégico para países como Brasil, Paraguai e Uruguai: a tríplice fronteira. Nesta região fica a maior hidrelétrica da América e o Aquífero Guarani, o maior reservatório de água doce do mundo, capaz de garantir água para toda a população mundial por 180 anos. Além disso, há uma estratégica proximidade com a região da Bolívia onde ficam importantes reservas de gás e petróleo. Para se ter uma idéia, a maior reserva de petróleo do mundo, "La vertiente", que fica em Tarija/Bolívia, está conectada com o poço "Independência 1", a 100 quilômetros de distância, já em território paraguaio. Mas, apesar de estarem assentados sobre as maiores riquezas planetárias - a água e o petróleo - o motivo para a presença estadunidense no Paraguai é o mesmo que usaram para destruir o Afeganistão e invadir o Iraque: o suposto terrorismo. Dizem os especialistas do norte que na região da Tríplice Fronteira podem estar escondidos perigosos terroristas árabes. E, então, para prevenir, eles vão ficar por ali. Já desembarcaram 400 marines, mas a previsão é de que o número chegue a 16.000. Assim, qualquer semelhança com o que se passa no Oriente Médio não é mera coincidência. Estarão também no Paraguai, vindos dos EUA, especialistas do nefasto Centro de Estudos Hemisféricos de Defesa, instituição ligada ao Pentágono, com o propósito de realizar um Seminário de Planejamento do Sistema de Segurança Interna Nacional, no próximo mês de setembro. Qualquer inteligência mediana pode compreender que esse é um movimento importante para um país que necessita de energia e de mercado para suas quinquilharias. Estar no Paraguai, bem instalado, é uma jogada importante no tabuleiro geo-político, numa região que vive a ebulição popular como a Bolívia, o Equador e a proposta soberana da República Bolivariana da Venezuela. À margem da lei A situação de subserviência do Paraguai aos anseios estadunidenses ultrapassou todos os limites no dia 26 de maio último, quando o Senado aprovou uma lei - sem qualquer discussão popular - que dá imunidade total aos soldados dos Estados Unidos baseados no país. Eles têm livre trânsito e permanência, podendo transportar armamentos e medicamentos para qualquer ponto do país. Com a lei, o Paraguai renuncia ao poder jurisdicional para investigar quaisquer delitos que venham a cometer os soldados estadunidenses. E assim, os Estados Unidos vão fechando o cerco sobre a América do Sul. Como todas as tratativas para fechamento da Área de Livre Comércio (ALCA) vêm sendo obstaculizadas pela rebelião popular, o serviço estratégico dos EUA está decidindo agir pela força das armas, sejam elas as que cospem fogo ou as que cospem informação. Com suas mentirosas artimanhas e inverdades sobre ações terroristas vão disseminando - eles sim - o terror sobre as populações. No Brasil, basta ligar a televisão para sentirmos isso. Os repórteres, correspondentes internacionais em Nova Iorque ou Londres, imediatamente repassam as versões fornecidas pela rede informacional estadunidense e as gentes vão engolindo tudo o sai do saco de maldades, com muito pouco espaço para o senso crítico. Uma prova concreta deste fato foi a reportagem feita por Marcos Uchôa, repórter da Globo em Londres, pouco depois do atentado do 7 de julho. Sua versão foi de que provavelmente a ação tinha sido patrocinada pela Síria e pelo Irã, de risível ingenuidade para não falar de má-fé. Todos sabem da campanha impetrada pelos Estados Unidos contra esses dois países. Uchôa dava ao Brasil os motivos para avalizar qualquer investida estadunidense àquelas nações. Desta forma, sem uma mídia - de acesso popular como a Tv - crítica e questionadora, fica cada vez mais difícil deixar a população ciente do que se passa no jogo da política mundial e suas implicações para a vida de cada um. O caso da ocupação do Paraguai pelos marines estadunidenses, por exemplo, é um típico caso que deveria ser bastante divulgado. As relações desse fato com a vida de todos os brasileiros são viscerais. Mas, a mídia cortesã prefere o teatro das ações policiais e o jogo de bajulação de sindicalistas e outras marcas de pelegos ao patético presidente do Brasil. Daqui a pouco os soldados dos EUA adentram por Foz do Iguaçu em busca de árabes barbudos terroristas e a população vai aplaudir. Será? - Com informações de variadas fontes testemunhais e da mídia digital. Elaine Tavares - jornalista no Observatório Latino Americano-OLA/UFSC
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