Promíscuas relações entre o público e o privado
05/07/2005
- Opinión
A multinacional de biotecnologia e agro-química Monsanto foi pega com a boca na botija subornando cerca de 140 funcionários do governo ao longo dos anos 1997 a 2002, gastando perto de 700 mil dólares. Parte deste suborno foi pago para conseguir a alteração ou supressão de um decreto que exigia que estudos de impacto ambiental fossem realizados pelas empresas, demonstrando a segurança das plantas transgênicas antes de serem liberadas comercialmente. A multinacional admitiu a culpa e pagou 1,5 milhão de dólares de multa para o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Alguma semelhança com o “mensalão”? Calma pessoal! O dinheiro é pouco e o fato acima ocorreu antes do Zé Dirceu começar a andar em “más companhias”, e, mais importante, ocorreu na Indonésia. Outros fatos preocupantes, entretanto, indicam que algo do mesmo gênero pode estar em curso no Brasil. É preciso lembrar dos imensos interesses das grandes multinacionais de biotecnologia como a Monsanto. Apenas o mercado brasileiro de sementes de soja transgênica pode render, potencialmente, mais de 1 bilhão de reais por ano em taxas de uso da tecnologia, sem falar das vendas casadas de roundup, o herbicida da Monsanto que “vai junto” com a soja a ele resistente. A Monsanto sabe muito bem o tamanho de seus interesses no Brasil e gastou, apenas em pouco mais de um mês de campanha publicitária multimídia, no início de 2004, algo perto de 35 milhões de reais. Quanto mais e de que forma terá gastado esta empresa (e outras) no Brasil para atrair um governo que se elegeu com um programa que em três pontos renega o uso desta tecnologia? Perto destes valores os recursos sacados pelo agente do mensalão, Marcos Valério, chegam a ser irrisórios. Especulações à parte, há fatos suspeitos que mostram uma condenável mistura dos interesses públicos e privados nas discussões para regulamentar a recém aprovada Lei de Biossegurança. Em Abril passado, logo após a aprovação da Lei, representantes das empresas, quem sabe reunidos no Centro de Informações sobre Biotecnologia (uma ONG financiada pelas companhias de biotecnologia), redigiram um ante projeto de decreto de regulamentação da lei, contando com a ajuda, pelo que circula em Brasília, do consultor jurídico do Ministério de Agricultura, Márcio Mazaro. Este ante projeto chegou ao Ministério de Ciência e Tecnologia, que contratou os serviços do advogado Antonio Minaré, que já tinha trabalhado como consultor jurídico da CTNBio e das entidades de lobby pró transgênicos ANBIO e CIB, além do deputado e último relator da Lei de Biossegurança na Câmara, notório lobista pró transgênicos, Tarcísio Perondi. Segundo informantes, este consultor discutiu o ante projeto das empresas com técnicos da Embrapa e outros não identificados e conseguiu torna-lo ainda mais favorável à liberação ultra facilitada dos transgênicos, inclusive incluindo pontos que não foram aprovados na votação na Câmara e reintroduzindo outros vetados pelo presidente Lula. O ante projeto foi então encaminhado a um Grupo de Trabalho Interministerial para deliberação. Deste GT fazem parte, representantes dos Ministérios da Agricultura, Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, Relações Exteriores, Meio Ambiente, Saúde, Justiça, Desenvolvimento Agrário, Defesa e a Secretaria de Pesca, com a coordenação ficando ao cargo do Ministério da Casa Civil. O técnico da Casa civil responsável por coordenar este GT estratégico é o advogado Caio Leonardo Bessa Rodrigues, assessor da Subchefia de Assuntos Jurídicos. O Dr. Caio não é exatamente uma pessoa neutra neste debate, pois fez parte do escritório de advocacia Pinheiro Neto Advogados que tinha, entre seus clientes mais importantes, a multinacional de biotecnologia Monsanto, direta interessada nos procedimentos a serem regulados pelo decreto em discussão no GT por ele coordenado. O Dr. Caio atuava na área de Assuntos Regulatórios e Relações Governamentais no escritório mencionado. Em outras palavras, a função do Dr. Caio era de lobista da Monsanto. A promiscuidade entre governo e empresas é patente neste caso dos transgênicos e coloca sob suspeição o ante projeto “do MCT” (na verdade das empresas), e o próprio coordenador do GT. É mais que suspeito o ante projeto dar poderes excepcionais ao Ministro de Ciência e Tecnologia para escolher os 12 cientistas que irão compor por até 6 anos a nova CTNBio, quando este ministro não se incomodou com os procedimentos pouco sérios na deliberação da CTNBio para importação de milho transgênico, pois tal liberação interessava aos avicultores de Pernambuco, Estado de origem do Ministro. Não existem provas ou mesmo evidências concretas de corrupção neste caso dos transgênicos no Brasil, mas o comportamento de parte do Governo e do Congresso, a culpa demonstrada da Monsanto na Indonésia, o ambiente de promiscuidade entre os interesses privados e públicos que está vindo à luz nestes últimos meses e a enormidade dos interesses em jogo justificaria uma investigação sobre o que pode haver “por baixo dos panos”. Se o governo Lula quiser dar uma demonstração inequívoca de transparência neste caso deveria retirar o ante projeto de decreto de regulamentação em debate e afastar o Sr. Caio desta discussão, indicando pessoa com indiscutível isenção para dar seguimento à mesma. Não se trata, agora, de discutir as vantagens e desvantagens dos transgênicos, mas se o governo vai tratar o assunto com isenção, seriedade, ética e transparência ou se vai seguir fazendo o que mandam as empresas. - Jean Marc von der Weid AS-PTA
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