O ser humano tem jeito?
21/01/2005
- Opinión
O cataclismo do sudeste da Asia suscita em muitos os fantasmas do
fim do mundo ou pelo menos do fim possível da espécie humana. E
com razão, pois não se trata de fantasmas mas de sinais
perturbadores. O prêmio Nobel de biologia de 1974, Christian de
Duve em seu empolgante livro Poeira Vital, a vida como imperativo
cósmico (Campus 1997) afirma que nos dias de hoje "a evolução
biológica marcha em ritmo acelerado para uma grave instabilidade.
De certa forma, o nosso tempo lembra uma daquelas importantes
rupturas na evolução, assinaladas por extinções em massa". A causa
desta instabilidade vem de um asteróide terrível que é a espécie
humana. Desde que surgiu como homo habilis há mais de dois milhões
de anos vem desequilibrando sua relação para com a natureza. Até
quarenta mil anos atrás os danos ecológicos eram insignificantes.
Mas a partir desta data começou um assalto sistemático à biosfera,
porque foram desenvolvidos instrumentos que tornaram bem sucedida
a dominação da natureza. Em poucos milhares de anos, os caçadores
extinguiram os mamutes, as preguiças-gigantes e outros mamíferos
pré-históricos. Nos dias atuais, este processo se agravou a ponto
de anualmente se extinguem milhares de espécies de seres vivos por
causa da ação humana. Existe uma taxa de extinção de fundo que é
normal, cerca de duzentas espécies por ano.
E.O.Wilson, o grande nome da biodiversidade, estima que o número
das espécies esteja entre dez a cem bilhões, embora catalogados
cheguem só a 1,4 milhões. Destas, uma a cada 13 minutos desaparece
devido à agressão sistemática de nosso estilo de vida depredador e
consumista. O cientista Norman Myers calculou que somente no
Brasil, se estão extinguindo nos últimos 35 anos quatro espécies
por dia.
Já há 2 milhões de anos que estamos dentro da Idade do Gelo. A
atual fase interglacial quente começou há 18 mil anos e prossegue.
Conforme os padrões do passado deveríamos ingressar num novo
período de resfriamento.
Entretanto nossa espécie alterou a natureza da atmosfera. Dois
gases importantes produzem desequilíbrios: o ozônio e o dióxido de
carbono. Este que realiza a fotosíntese das plantas e libera
oxigênio para a atmosfera se elevou excessivamente devido às
indústrias e às queimadas. Produz o aquecimento global, o efeito
estufa, os degelos e os tufões. Se nos próximos decênios a
temperatura aumentar em 10 graus, os oceanos se elevariam a 73
metros e ocorreria uma catástrofe inaudita. O outro é o ozônio.
Buracos em sua camada deixam de bloquear a radiação ultravioleta
que produz câncer de pele, afeta o código genético e extingue
espécies.
A estes problemas acresce a carência de água potável e a super
população da espécie humana que já ocupou 83% do planeta
depredando-o. Poderão os seres humanos viver juntos numa única
Casa Comum? Não somos seres pacíficos, mas extremamente agressivos,
faltos de cooperação e de cuidado. O astrônomo real Martin Rees da
Inglaterra em seu recente livro "Nosso Século Final" estima que, a
correrem as coisas como correm, podemos nos liquidar ainda neste
século.
Catástrofes como a do sudeste da Ásia nos fazem pensar e nos
estimulam a ter outro comportamento, de mais cuidado e de
responsabilidade. Se não acharmos uma solução coletiva e racional,
a seleção natural o fará irracionalmente contra nós. Essa é a
lição que nos oferece a história da vida.
* Leonardo Boff, Teólogo.
https://www.alainet.org/pt/articulo/111219
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