Yasser Arafat e o futuro incerto da paz
18/11/2004
- Opinión
Com sua morte anunciada e desmentida inúmeras vezes nos últimos dias, o mundo inteiro manteve a respiração suspensa na direção de uma cama de hospital em Paris, onde agonizava Yasser Arafat. Líder incontestável dos palestinos e símbolo há mais de 40 anos de sua luta pela independência, o ex-guerrilheiro, eleito por uma esmagadora maioria presidente da Autoridade Palestina em 1996, tornou-se muito popular entre seus conterrâneos e correligionários. Seus métodos autocráticos e a corrupção não ausente da Autoridade Palestina são criticados, mas qualquer contestação era esquecida quando a saúde do "velho", como o chamavam afetuosamente as pessoas próximas, mostrava-se cada dia mais frágil e sua morte parecia iminente. Como agora, por exemplo. Após os acordos de Oslo sobre a autonomia palestina, assinados em setembro de 1993 e que lhe valeram o Prêmio Nobel da Paz no ano seguinte, Arafat tornou-se parceiro do então primeiro-ministro israelense, o trabalhista Yitzhak Rabin. Ambos os líderes, naquele período, procuravam uma solução negociada para o conflito entre os dois povos. Mas o assassinato de Rabin, em 1995, por um extremista judeu, os obstáculos encontrados para aplicar os acordos e uma série de atentados suicidas palestinos em Israel mudaram a situação que se encaminhava para uma tolerância maior e reacendeu a belicosidade que se tornara apenas latente. Atualmente, Arafat não era visto com bons olhos pelo primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, e sua atuação e liderança encontravam-se bastante limitadas por estar no epicentro dos conflitos que banham de sangue as terras do Oriente Médio, dividindo sobretudo israelenses e palestinos. Neste momento, no entanto, a belicosidade parece conceder uma trégua e fazer respeitoso silêncio diante da morte do líder palestino. Mesmo seu grande adversário, Ariel Sharon, e integrantes de seu gabinete concordaram, nesta quarta-feira, que o enterro de Arafat, seja realizado em Ramallah, na Cisjordânia, sendo seu corpo antes brevemente velado no Egito. Apesar do gesto pacificador, não há lugar para cantar vitórias. As restrições e a defensiva de parte a parte continuam. Embora concordando com o sepultamento de Arafat na Muqata, quartel general da Autoridade Palestina na Cisjordânia, o acesso ao funeral do líder palestino sofrerá restrições de comparecimento. Teme-se pela segurança de quem comparecer, inclusive de chefes de estado de outros países. Arafat está agora mais perto do que nunca do encontro em profundidade com o Deus de sua fé. Movido por sua religião, converteu-se em controvertido líder político, visto por uns como o chefe maior da causa palestina e combatente pela paz, e por outros como um temível terrorista. Nada disso importa muito agora. Com a morte de Arafat, a facção palestina por ele representada se encontra órfã e acéfala. Importa, sim, o futuro do projeto de paz que mobilizou Arafat e o fez mobilizar outros tantos: a tão almejada paz no sofrido Oriente Médio. Como será o futuro dessa tão conflitiva região do globo após a morte de Arafat? Haverá alguém que tome seu lugar na balança de poder diante da força de Sharon e do Estado de Israel? O projeto de Arafat encontrará sucessor à altura, para empenhar-se pela paz mesmo sendo muitas vezes marginalizado e ignorado pelas grandes potências? Se todo sofrimento e toda morte carregam consigo uma dimensão de redenção, podemos esperar que a agonia do velho líder palestino não fuja a esta regra. A abertura demonstrada pelo primeiro-ministro Sharon com relação a seu funeral é um sinal, ainda que tênue e modesto, de um desejo de que a paz, o perdão e a reconciliação superem o ódio fratricida que castiga o Oriente Médio há algumas décadas. Nestes tempos tão obscuros e violentos em que vivemos, muitas vezes devemos contentar-nos com sinais, nada mais que sinais. A nós, que acreditamos que são bem- aventurados os construtores da paz, nos é pedido neste momento renovar a esperança de que a pequena semente de paz que a vida de Arafat deixou plantada nas areias palestinas possa frutificar em negociações mais eficazes para o estabelecimento da verdadeira paz que porá fim a uma guerra entre irmãos, sem sentido nem objetivo. De onde estiver, o velho Arafat contemplará feliz a paz que se estende finalmente sobre seu povo e sua terra. É permitido esperar que assim seja. Inch´Allah! * Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro De Teologia e Ciências Humanas da PUC- Rio
https://www.alainet.org/pt/articulo/110883
Del mismo autor
- Neto 114 14/08/2014
- Igreja profética em memória sombria 27/03/2014
- Sem sepultura 16/10/2013
- Papa Francisco: um pecador perdoado 26/09/2013
- Francisco e Gustavo: nova aurora para a teologia 22/09/2013
- La Moneda e as Torres Gêmeas: aniversário re-cordado 12/09/2013
- Gato e rato 08/09/2013
- Médicos cubanos: por que tanta gritaria? 29/08/2013
- A homilia do Papa em Aparecida e as três virtudes teologais 25/07/2013
- Realidade das ruas e euforia enganosa 26/06/2013