Imigrantes: Trabalhando como escravos?

16/06/2004
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
Recentemente a imprensa noticiou sobre a grande quantia de dinheiro que os imigrantes latino-americanos e caribenhos remetem dos Estados Unidos para seus países de origem. O trabalho dos 16,7 milhões de imigrantes gera nos Estados Unidos uma renda de aproximadamente 450 bilhões de dólares. Os migrantes enviaram aos seus familiares nos paises de origem, um total de 30 bilhões de dólares durante o ano de 2003 - (apenas 6,6% de tudo o que produziram com seu trabalho nos Estados Unidos). Cada migrante envia em media 200 dólares por mês à suas famílias. O caso dos imigrantes bolivianos, em São Paulo, tem muito a ver com os dados acima, mas com algumas características próprias. Vivem em São Paulo em torno de 200 mil bolivianos. Segundo Pe. Roque Patussi, do Centro de Pastoral dos Migrantes, há mais de oitocentos times de futebol de bolivianos organizados em 30 ligas na grande São Paulo. Mas, como vivem estes imigrantes? Há um grande debate em torno desta situação. E é por isto que o tema merece ser aprofundado. Segundo testemunhas, as pessoas são recrutadas na Bolívia com anúncios de rádio e jornais antes de chegarem ao Brasil, para trabalhar cerca de seis meses para pagar o custo da viagem ao intermediário que os trouxe (gato ou coyote). Muitas vezes são retidos os passaportes e há ameaça de denúncia à polícia caso o imigrante não cumpra as exigências do intermediário. Condições de vida e de trabalho A grande maioria trabalha e mora no mesmo local insalubre onde estão instaladas as oficinas de costura, o que traz sérios problemas para a saúde. Um dos mais graves é a tuberculose. Uma jornada normal no ramo da costura é de 12 a 14 horas diárias, mas muitos trabalham das 07h às 24h. Um imigrante que não quis se identificar declarou: "Eu não podia reclamar, não podia fazer valer os meus direitos porque eu pensava que não tinha nenhum. Eu não tinha documentação aqui". Segundo a Coordenação de Saúde da Sub-prefeirura/Mooca, os principais problemas que a grande maioria destes imigrantes enfrentam são: "-dificuldade, pelos profissionais da saúde, de acesso aos domicílios e de acesso aos serviços públicos inclusive da saúde por parte dos imigrantes; - existência das seguintes doenças: tuberculose, pré- natal tardio, dengue, saúde bucal, dermatites, higiene pessoal e das residências; - condições de trabalho insalubres, regime de trabalho e alto rodízio do local de moradia/trabalho; - crianças fora da escola; - intolerância da população, já residente nesta região aos povos imigrantes; - barreiras : desconhecimento cultural, hábitos costumes e língua (espanhol, quéchua, aymará e guarani) tanto por parte dos trabalhadores da saúde como da população da região". Segundo o Jornal Presença latina, a realidade é esta: "...Homens e mulheres, muitas vezes com estudos completos, desembarcam sonhando com um trabalho estável e um bom salário: 100 dólares por mês. Cerca de 300 reais pode parecer pouco, mas é o que representa um salário de classe média na Bolívia. Os sonhos se esvaem em realidade. Estas pessoas chegam enganadas por aliciadores que prometem casa comida e trabalho. Se os interessados não tem dinheiro para custear a vinda, eles tomam emprestados dos "coiotes" que também cobram de 500 a 600 dólares para a tramitação dos documentos. Pagar as dívidas contraídas custa cerca de 6 meses de trabalho...estamos vendo o envolvimento de brasileiros, coreanos e dos próprios bolivianos que vão buscar essas pessoas para trabalhar aqui. Em São Paulo, os documentos destes trabalhadores são retidos para evitar a comunicação e eles nem sabem em que lugar estão morando. Residem no local de trabalho e têm jornadas de 12 a 14 horas, recebendo por peça fabricada, em lugares de péssimas condições. Muitos estão contraindo tuberculose nestes ambientes. Entre estes indocumentados, há um medo de denunciar, medo da polícia e das represálias. Após o cumprimento dos meses para o pagamento dos custos da viagem, eles fogem e deparam-se com a legislação que os criminaliza, mas não reconhece o tráfico de seres humanos."(Presença Latina – Jornal das Comunidades Latino-Americanas em SP n.2 nov/dez 2003) A Semana do Migrante que estamos vivendo entre os dias 13 a 20 de julho nos leva a refletir sobre esta situação e nos questiona: o que é que caracteriza o trabalho escravo? Olhando de perto a situação do povo boliviano, podemos destacar os seguintes pontos: - A forma como são recrutados na Bolívia, com promessas enganosas de salários de até 500 dólares mensais, quando na verdade não passam de 100; - O confinamento a que são submetidos em São Paulo: trabalhar diversos meses para pagar a viagem e a impossibilidade de comunicação; - Retenção dos documentos e chantagem com ameaças de denúncias para a polícia; - A longa e extenuante jornada de trabalho a que são submetidos e que muitas vezes chega a mais de 16 horas diárias; - A contínua rotatividade de local de trabalho evitando assim qualquer tipo de organização e despistando as autoridades locais; - As condições insalubres de trabalho: morar e trabalhar no mesmo local respirando a poeira do trabalho nas confeccões; - Cerceamento da liberdade devido ao horário de trabalho e a constante coação; - Mas o mais grave de tudo é a impossibilidade de exigir diretos, seja pela dificuldade da língua, seja pelo fato de estarem indocumentados e submetidos a uma lei dos estrangeiros que é autoritária, xenofóbica, restritiva e ainda uma fábrica que produz indocumentados. A 19ª Semana do migrante nos alerta para o princípio da reciprocidade: assim como queremos que sejam tratados os emigrantes brasileiros no exterior, da mesma forma devemos tratar os imigrantes que aqui se encontram. Afinal defendemos uma cidadania universal e lutamos por outro mundo possível, necessário e urgente. *Luiz Bassegio, secretário nacional do SPM. Serviço Pastoral dos migrantes
https://www.alainet.org/pt/active/6313
Subscrever America Latina en Movimiento - RSS