Há ainda esperança?
02/04/2004
- Opinión
Norberto Bobbio, embora melancólico por temperamento, acreditava nas
virtualidades de duas grandes revoluções do Ocidente: a dos direitos
humanos e a da democracia. Ambas serviam de base para a sua proposta
por um pacifismo jurídico e político, capaz de equacionar o problema
da violência como lógica do antagonismo entre os Estados. Mas os
eventos do terrorismo globalizado, abalaram as convicções do mestre.
Numa de suas últimas entrevistas declarou: "não saberia dizer como
será o Terceiro Milênio.
Minhas certezas caem e somente um enorme ponto de interrogação agita
a minha cabeça: será o milênio da guerra de extermínio ou o da
concórdia entre os seres humanos? Não tenho condições de responder a
esta indagação".
No final de sua vida, o grande historiador Arnold Toynbee (+1975),
depois de escrever doze tomos sobre as grandes civilizações
históricas, deixou consignada esta opinião sombria em seu ensaio
autobiográfico Experiências de 1969: "Vivi para ver o fim da história
humana tornar-se uma possibilidade intra-histórica capaz de ser
traduzida em fato não por um ato de Deus mas do homem".
E para agravar minha inquietação, cito o insuspeito Samuel P.
Huntington, antigo assessor do Pentágono e um analista perspicaz do
processo de globalização. No término de seu O choque de civilizações
diz: "A lei e a ordem são o primeiro pré-requisito da civilização; em
grande parte no mundo elas parecem estar evaporando; numa base
mundial, a civilização parece, em muitos aspectos, estar cedendo
diante da barbárie, gerando a imagem de um fenômeno sem precedentes,
uma Idade das Trevas mundial, que se abate sobre a Humanidade". E
poderíamos citar outros nomes.
Essas visões de um realismo severo se agravam com o terrorismo
generalizado, o dos terroristas da Al-Qaeda, o de Sharon em Israel e
o de Bush nos EUA, que nos acena com cenários dramáticos para um
futuro próximo.
Talvez nem tenhamos assistido ainda ao pior que poderá nos acontecer.
Esta situação suscita uma indagação filosófica: dá para se ter
esperança ainda no ser humano? Pode ele melhorar sob o ponto de vista
das relações sociais, da moralidade e da humanidade? Ou somos
condenados a viver a nossa tragédia histórica até o fim, até a nossa
auto-destruição?
Seguramente não há nenhuma resposta cabal para interrogações desta
radicalidade. Entretanto, vejo dois pontos que deixam o caminho
aberto: é sempre possível melhorar; mas a humanidade somente
melhorará se grande parte de seus membros melhorar de fato. Se isso
não ocorrer, estaremos perdidos. Aumentaremos nossa capacidade
destrutiva a ponto de a tragédia ser inevitável. Para que isso não
ocorra, importa assumir decididamente um segundo ponto: uma filosofia
da esperança. Ela possui uma base objetiva: o caráter virtual da
realidade. O dado objetivo não é todo o real. Pertence também ao
real, o potencial, o utópico, aquilo que ainda não é e pode ser.
O dado atual nos diz que somos lobos uns para com os outros. Mas esse
dado não é tudo, nem somos condenados a perpetuá-lo. Dentro de nós há
também o potencial, de sermos irmãos e irmãs. Ele pertence à nossa
realidade. E se está potencialmente lá, pode ser ativado, pode ser
feito projeto pessoal e político e pode inspirar práticas que darão
um sentido melhor à história. A esperança nos salva do desespero.
Vale sempre esperar.
* Leonardo Boff. Teólogo.
https://www.alainet.org/pt/articulo/109708
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