Abertura econômica indiscriminada prejudicou agricultura familiar
Em seis anos 2,4 milhões de trabalhadores foram expulsos do campo
17/08/2003
- Opinión
O Brasil já foi o maior exportador de algodão na década de 80. Na
década seguinte, tornou-se o maior importador e extinguiu 400 mil
postos de trabalho. Antes dessa época, o País produzia quase 80% do
trigo consumido internamente. Hoje importa o equivalente a 70%. No
setor leiteiro, entre 1996 e 2001, 107 mil estabelecimentos foram
excluídos do fornecimento de leite, somente entre as oito maiores
empresas do País. Em todos esses casos, os agricultores familiares
e trabalhadores rurais foram os mais prejudicados.
Esse cenário levou o governo brasileiro a buscar mecanismos que
sensibilizem as negociações comerciais internacionais para as
especificidades da agricultura familiar. Numa estratégia de resgate
da importância do segmento, o Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA) promove, em parceria com a Rede Brasileira de Integração dos
Povos (Rebrip) e o Ministério das Relações Exteriores (MRE), o
seminário internacional Agricultura Familiar e Negociações
Internacionais, de 20 e 22 de agosto, no Palácio do Itamaraty, em
Brasília.
"Precisamos criar uma área específica de interesse da agricultura
familiar nos acordos internacionais já consolidados e também nos
que estão em discussão", defendeu o gerente de projetos da
Secretaria de Agricultura Familiar do MDA, Arnoldo de Campos. Ele
explicou que desde a década de 90 a agricultura familiar brasileira
sofre especialmente com a concorrência dos produtos subsidiados, o
que leva à queda dos preços agrícolas. A redução foi de 4,74% entre
1989 e 1999, segundo levantamento do pesquisador da Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), Fernando Homem de Melo.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
mostram que crises como essas expulsaram do campo 2,4 milhões de
agricultores entre 1996 e 2001. A ocorrência de todas essas
mudanças na década de 90 não é mera coincidência. O período marca,
no Brasil, a abertura sem regras aos investimentos estrangeiros e a
redução das tarifas de importação. "A agricultura de base familiar
foi a mais prejudicada com esse processo, uma vez que não foram
disponibilizados recursos para investimentos em outras atividades",
salientou Campos.
O coordenador do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural
(NEAD), Caio França, considera inédita a iniciativa de reunir
governos e sociedade civil em um seminário internacional sobre a
agricultura familiar e as negociações internacionais no continente.
Na sua opinião, os acordos comerciais precisam reconhecer a
heterogeneidade da agricultura. "Sem esse entendimento, a
liberalização comercial não promove melhores condições para a
agricultura familiar", disse.
Potencial de crescimento
Mesmo com tantas adversidades, a agricultura familiar foi o
segmento do campo que mais cresceu entre 1989 e 1999, com um
aumento de produtividade de 3,79% ao ano. O setor é responsável por
quase 40% do Valor Bruto da Produção Agropecuária do País e por
grande parte dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros
diariamente: quase 70% do feijão, 84% da mandioca, 58% da produção
de suínos, 54% da bovinocultura de leite, 49% do milho e 40% de
aves e ovos. A agricultura familiar abastece principalmente o
mercado interno, mas também participa de cadeias exportadoras como
as culturas como frango, suínos e fumo.
A inclusão da agricultura na pauta dos acordos comerciais tem menos
de dez anos. O primeiro pacto sobre o tema ocorreu na última
reunião do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt), em 1995,
que se transformou na Organização Mundial do Comércio (OMC). A OMC
é a instância multilateral (entre países de diversos continentes)
jurídica e institucional de regulação do sistema mundial do
comércio. O Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul), criado em 1991, e
Área de Livre Comércio das Américas, em discussão, são acordos
regionais.
Protecionismo
Os subsídios dados aos agricultores da União Européia e Estados
Unidos são um dos pontos mais combatidos pelos países em
desenvolvimento. Conforme Campos, suas principais conseqüências -
concorrência desleal entre os países, distorção do mercado
internacional e redução dos preços - leva os agricultores
familiares ao empobrecimento. Ele explicou que a política de
subsídios nasceu devido à necessidade de auto-suficiência alimentar
no pós-guerra. Com o excessivo aumento da produção, os governos da
Europa e Estados Unidos desenvolveram políticas de escoamento dos
excedentes por meio de novos subsídios às exportações.
Brasília, 18 de agosto de 2003.
Assessoria de Comunicação MDA/Incra
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