A política externa do governo

Lula e a ALCA

24/07/2003
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Em 20 de junho passado, durante sua curta visita aos EUA, o presidente Lula assinou um comunicado junto ao imperial presidente dos EUA, George Bush Jr., assumindo o compromisso de "cooperar para a conclusão bem sucedida" da implantação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) dentro do prazo previsto (janeiro de 2005). Uma semana antes, a 13 de junho, 14 ministros latino-americanos, reunidos em Maryland, em um encontro organizado pelo representante de comércio dos EUA, Robert Zoellick, se comprometeram informalmente em destravar as negociações da ALCA. A ALCA, cujo processo se iniciou em 1994, tenta criar uma zona de livre comércio desde Alaska até a Terra do Fogo, com a participação de 34 países, com um potencial de 800 milhões de consumidores. Até agora, há grandes temas sem solução, como a agricultura, devido à política de subsídios agrícolas praticada pelos EUA. O Brasil, que compartilha a presidência do processo negociador com os EUA, avançara precisamente a idéia de uma ALCA reduzida, embora Segundo os EUA, no entanto, antes de novembro haverá outras reuniões "informais", que serão postas agora diante do fato consumado do acordo Lula-Bush, depois de os EUA terem praticamente abandonado a perspectiva de iniciar a ALCA em 2005. Seu propósito era alcançar um tratado em finais de 2005, para que durante 2006 os 34 parlamentos dos 34 países aprovassem o documento para estabelecer a zona de livre comércio. Desde que nascera a idéia da ALCA, o principal obstáculo foi a negativa dos EUA de incluir nas negociações os subsídios agrícolas e a abertura de seu mercado aos produtos da região: "Não podemos abrir nosso mercado agropecuário enquanto os EUA mantiverem esse nível de subsídios", disse o vice-presidente peruano, Raúl Diez Canseco, antes de ir a Maryland. Os países latino-americanos insistiram na inclusão do tema agrícola na ALCA, não só dos bens e serviços, como pretendia Washington. Por ocasião do "II Encontro Nacional contra a ALCA", realizado em La Paz de 6 a 7 de junho, com mais de 3.000 pessoas, o vice- ministro boliviano de Indústria e Comércio comentou: "Protestam contra a ALCA sem sequer saber o que é". Um camponês respondeu: "É muito possível que muitos de nós não saibamos no detalhe tudo sobre a ALCA, mas temos bom olfato e sabemos que cheira mal, muito mal". O secretário de Estado do governo de Bush, Colin Powell, disse, literalmente: "Nosso objetivo com a ALCA é o de garantir para as multinacionais norte-americanas o controle de todo o território desde o Pólo Ártico até a Antártica, com livre acesso e sem obstáculos para nossos produtos, serviços, tecnologia e capitais, em todo o hemisfério". Esse "domínio territorial" abarca a totalidade dos bens econômicos da região, como recursos hídricos e mineralógicos, gás, biodiversidade etc.: um projeto neocolonial. A ALCA não é um projeto de integração, mas de anexação e subordinação ao capital financeiro transnacional. Sem nenh A ALCA é um tratado de desregulamentação e flexibilização comercial e financeira entre a maior potência econômica, financeira, cultural, midiática, científica, tecnológica e militar, os EUA, e seus vizinhos, para enfrentar a concorrência européia e asiática, visando: 1) Consolidar sua hegemonia político-militar, trasladando os mecanismos de controle atingidos durante a guerra fria para uma suposta "guerra contra o narco-terrorismo ; 2) Controlar as crises e explosões econômico- sociais do continente e evitar migrações "descontroladas" de hispano-americanos para os EUA; 3) Garantir o acesso preferencial dos investidores norte-americanos aos recursos estratégicos do hemisfério, especialmente na região andino-amazônica (petróleo, gás, minerais e madeiras), e também aos recursos básicos (biodiversidade genética, água, oxigênio) transformados em mercadoria; 4) Monopolizar os mega-projetos estratégicos de integração do continente, como a grande rede intermodal de transporte, o sistema de telecomunicações por Para a região andino-amazônica, a ALCA pretende desenvolver os seguintes objetivos específicos: a) O canal alternativo ao de Panamá no Chocó colombiano (Atrato-Truandó); b) A rede fluvial sul- americana (SARS-IFSA), que uniria o rio Orinoco com os rios Negro, Amazonas, Madeira, Mamoré-Guaporé, Paraguai, Tietê, Paraná e o Rio da Prata, permitindo o transporte fluvial desde Venezuela até Buenos Aires; c) A comunicação a partir do delta do Amazonas com o Oceano Pacífico, através do rio Putumayo, atravessando os Andes pelo seu ponto mais estreito e baixo para chegar por auto- estradas ao porto de Tumaco (Nariño) na Colômbia, e até San Lorenzo (Esmeraldas) no Equador; d) O domínio da zona chamada "das cinco fronteiras" (Colômbia, Equador, Peru, Brasil e Venezuela), onde se encontra um gigantesco lençol de petróleo compartilhado, na atualidade explorado por esses países, e enviado por dutos transandinos aos portos de Tumaco e Esmeralda; e) A "estrada marginal da selva" que desde o Peru chegue até o Suriname; f O sociólogo francês Alain Touraine, por sua vez, declarou que o Mercosul, bloco integrado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, tendo como associados Chile e Bolívia, "terminou", em virtude da "inevitabilidade" da ALCA. No entanto, "o Mercosul se revitalizou", concluíram os jornais depois da viagem do presidente argentino Kirchner ao Brasil, a inícios de junho. Mas só uma semana depois, quando da cúpula de presidentes do Mercosul, em Assunção, comentou-se: "Mais uma vez as ambições não chegaram ao papel. A cúpula do Mercosul fechou com uma declaração de 24 pontos e um anexo, que não reproduzem nem de perto os objetivos insinuados pelos presidentes Kirchner e Lula em seu projeto comum de relançar o bloco regional" (Clarín, 19/6). Os grandes temas passaram para 2006, incluída a "moeda comum". Lavagna, ministro da Fazenda de Kirchner, veio com a política de travar as importações argentinas do Brasil, com base na reclamação da Unión Industrial Argentina. Também afundou a integração do Mercosul via emp A crise internacional não abre nenhuma fenda para o Mercosul: o comissário de comércio da UE, Pascal Lamy, advertiu que não se cogita considerar a eliminação ou redução dos entraves europeus às exportações latino- americanas. A União Européia decidiu adiar o tratamento da reforma dos subsídios à agricultura, por divergências internas e com os EUA; não tem nada que propor, então, ao Mercosul. A proposta de Lamy foi de "avançar em outros pontos, como bens industriais, serviços e investimentos" (O Estado de S. Paulo, 21/6). Com a ALCA, a situação é semelhante. O negociador da Casa Branca, Peter Allgeier, se recusa a aliviar os entraves para o ingresso de produtos latino-americanos nos EUA, mas insiste na criação de normas que protejam as inversões de empresas dos EUA na região. É com essa condição que se vinculam os acordos políticos mais recentes dos governos sul-americanos, expostos a seguir. Pouco antes do acordo Lula-Bush (ou Bush-Lula), a cúpula de presidentes latino-americanos (Grupo Rio), reunida em Cuzco, solicitou a intervenção das Nações Unidas no conflito da Colômbia. O "Consenso de Cuzco" reclama que a ONU chame as FARC a desarmar-se e iniciar negociações de paz, pois, se não o fizerem, "se buscariam outras alternativas". Segundo o presidente Uribe, "a mediação da ONU constitui a última oportunidade para a paz e, se rejeitada pela guerrilha, ela deverá ser 'derrotada militarmente com apoio internacional'". Esta colocação leva a assinatura de Lula, Lucio Gutiérrez, Lagos e o representante de Kirchner, mas foi criticada por Chávez. No mesmo dia, os chanceleres do G-8, reunidos na França, respaldaram em forma incondicional "a ação do presidente Uribe e do governo colombiano em favor do fortalecimento da autoridade do Estado" e sublinharam seu "apoio sem reservas à política de firmeza diante dos grupos armados ilegais". Condolezza Rice, secretária de Segurança Nacional dos EUA, disse Na Argentina, os Estados Maiores das Forças Armadas esperam a confirmação oficial do Congresso Nacional do pedido de "imunidade" para a entrada dos efetivos militares norte-americanos, para os exercícios Aguila III, que se realizarão entre a última semana de outubro e a primeira de novembro, no que foi descrito como "manobras de combate, no maior exercício já realizado na América Latina, incluindo sete países (Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai, Bolívia e os EUA), que durarão 14 dias, com 70 vôos por jornada". Sob o governo De la Rúa, o Poder Executivo já autorizara o ingresso de tropas especiais dos EUA em operações de "um suposto campo de batalha composto por civis, organizações não governamentais e agressores potenciais", segundo denúncia dos deputados Das Neves, Gustavo Cordesa, Alfredo Bravo, Alfredo Villalba, Marcela Nordenave, Ramon Torres Molina e Alicia Castro. As operações precederiam a instalação de bases norte-americanas na Patagônia, no "Plano Escudo Antimísseis" dos EUA em troca Com o acordo Brasil-EUA para a implantação, nos prazos previstos, da ALCA, abre-se a porta para um vasto plano de colonização econômica, política e militar da América Latina pelos EUA, sob a forma de um "Tratado de Livre Ocupação da América Latina". * Osvaldo Coggiola, historiador, é professor da USP.
https://www.alainet.org/pt/articulo/107974

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