O mapa da fé
28/05/2002
- Opinión
O IBGE divulgou, no início de maio, dados preliminares do Censo 2000, coletados
em 0,24% dos domicílios do país (108.989 moradias).
No quesito religião, o catolicismo está em baixa. No censo de 1991, os católicos
representavam 85,7% da população brasileira. O índice decresceu em 11,9%. Agora,
são 73,8%. Ainda são maioria: 125 milhões de brasileiros. Os evangélicos tiveram
um aumento de 70,7%. Representavam 9,05% da população em 1991. Subiram para
15,45%. Em números absolutos, duplicaram de 13 milhões de fiéis para 26 milhões.
Cresceu de 4,8% (1991) da população para 7,3% o percentual dos que se declaram
sem religião - 12,3 milhões de pessoas. Em 1991, eram 6,9 milhões. O crescimento
foi de 52,3%. Diversifica-se entre nós o pluralismo religioso. Em 1991,
declararam-se adeptos de outras religiões 2,4% da população. Agora o percentual
é de 3,6%.
A redução do número de católicos deve-se, a meu ver, à dificuldade de a Igreja
atualizar seus métodos de evangelização, flexibilizando sua estrutura
eclesiástica. Na geopolítica missionária ainda predominam as paróquias. Tal
divisão territorial é pré-moderna. Num país que abriga mais de 80% de sua
população nas cidades, já não é a vizinhança física, geográfica, que aproxima as
pessoas. Pode-se morar há dez anos num prédio e ignorar o nome do vizinho de
porta.
Hoje, a proximidade se dá por áreas de interesse. Pessoas que vivem em pontos
eqüidistantes da cidade são muito mais próximas uma da outra - por razões de
afinidades afetivas, profissionais ou culturais -, que habitantes de um mesmo
bairro. Assim, a pastoral centrada em comunidades e movimentos apostólicos
deveria prevalecer sobre a fixidez paroquial. A paróquia é um eixo que aguarda o
fiel. Ora, a evangelização exige, hoje, que se faça o itinerário inverso: a
comunidade eclesial é que deve ir aos fiéis e aos infiéis.
O crescimento dos evangélicos reflete a flexibilização de suas estruturas
eclesiásticas. Não há o peso da hierarquia; os pastores estão, cultural e
socialmente, mais próximos dos fiéis; a catequese rudimentar dispensa conceitos
teológicos complexos; e, em algumas Igrejas, a conversão é caracterizada por
fechar a boca ao fumo e às bebidas alcoólicas, e abrir o bolso e a bolsa ao
sustento da instituição.
Não proponho tal modelo como exemplo. Mas ele explica alguma coisa. Sobretudo
vale ressaltar o atendimento personalizado. Difícil bater à porta de uma
paróquia católica às três da tarde e ser atendido por um padre. Para chegar a
apertar a campainha, o fiel terá que vencer a barreira de grades que separam o
templo da rua.
Antigos cinemas, os templos evangélicos são verdadeiras bocas canibais,
permanentemente abertas a quem passa à porta. Sei do caso de uma empregada
doméstica que, agredida pelo marido bêbado, saiu da favela às duas da madrugada
e, num templo neopentecostal, encontrou um casal de obreiros disposto a consolá-
la. O casal retornou à casa com ela, cuidou do marido e orou com a família que,
dia seguinte, ingressou na Igreja.
Quantos católicos são instruídos na leitura da Bíblia, como faz o Centro de
Estudos Bíblicos a quem participa de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)?
Quantos têm o hábito de lê-la em família?
Ao indagar "Qual a sua religião", o IBGE recebeu cerca de 35 mil respostas
diferentes que, buriladas, resultaram em 5.000; enfim, reduzidas a 144
classificações. Se católicos, evangélicos e sem religião abarcam a maioria da
população, os espíritas são o quarto grupo, com 2,3 milhões de pessoas. Umbanda
e candomblé tiveram seus percentuais reduzidos de 0,4% (1991) para 0,3%. Cresceu
o número de adeptos de tradições orientais. Os budistas (245 mil) superam os
seguidores do judaísmo (101 mil). Os muçulmanos contam 18,5 mil brasileiros. Os
praticantes de religiões esotéricas são 67,2 mil, e os de tradições indígenas,
como o Santo Daime, somam 10,7 mil.
Um dado interessante do Censo 2000: o Estado do Rio de Janeiro abriga o maior
número dos sem religião: 15,53% ou 2,2 milhões de pessoas. É o Estado menos
católico, ocupando o 27º lugar, com 57,2% da população, o que representa, em
relação ao censo de 1991, um decréscimo de 15,5%.
O episcopado fluminense é tradicionalmente avesso às CEBs e à Teologia da
Libertação, com exceção de umas poucas dioceses, como Volta Redonda e Duque de
Caxias. Nem por isso a posição conservadora fez aumentar o número de fiéis.
Estados onde as CEBs se multiplicaram - como Ceará, Paraíba, Maranhão, Santa
Catarina, Minas e Rio Grande do Sul -, ocupam os dez primeiros lugares no
ranking das populações mais católicas. E, inversamente, figuram na rabeira da
lista dos Estados com menos religiosidade.
São Paulo é o 18º Estado mais católico do país, com 70,8% da população. Uma
redução de 13,4% em relação ao censo anterior. Entre um censo e outro, os
evangélicos ganharam mais espaço no Rio, com 21,1% da população. Em São Paulo,
eles representam 17,3% da população.
Todos esses dados constituem um desafio às denominações religiosas, que não
devem encará-los segundo o peso da quantidade, mas sim da qualidade, pois de que
vale um fiel que não abre o seu coração aos excluídos?
* Frei Betto é escritor, autor de "A mula de Balaão" (Salesiana), entre outros
livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105945
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