O Brasil não vive recessão, mas uma estagnação
09/09/2014
- Opinión
Contaminada pela polarização eleitoral, a discussão sobre as quedas sucessivas do PIB, de 0,2% no primeiro trimestre e de 0,6% no segundo, proporciona uma oportunidade para desfazer o equívoco de considerar o desaquecimento da economia brasileira uma exceção em um mundo em franca retomada. Não é bem assim, como mostrou o diretor de assuntos internacionais do Banco Central, Luiz Awazu Pereira da Silva, em exposição na Federação das Indústrias de São Paulo, em 22 de agosto.
Na comparação das projeções de crescimento do PIB apuradas em abril e em julho deste ano, a variação mundial esperada caiu de 3,6% para 3,4%. Nos países avançados, o recuo foi de 2,2% para 1,8%. Nos Estados Unidos, a estimativa oscilou de 2,8% para 1,7% e na área do Euro, recuou de 1,2% para 1,1%. Apenas a expectativa para o Japão aumentou ligeiramente, de 1,4% para 1,6%.
O avanço esperado do PIB dos países emergentes diminuiu de 4,9% em abril para 4,6% em julho. Houve redução discreta das projeções para a China, de 7,5% para 7,4%, e estabilidade das estimativas para a Índia, em 5,4% . Caíram as previsões para Rússia (1,3% para 0,2%), África do Sul (2,3% para 1,7%), Brasil (1,8% para 1,3%) e México (3% para 2,4%).
“Não houve a ‘tempestade perfeita’ nos emergentes”, disse Awazu. E o Brasil “tem fundamentos macrofinanceiros sólidos e instituições capazes de assegurar estabilidade macroeconômica e financeira, capacidade de resposta a choques e desafios e demonstrada resiliência à crise, com um modelo de desenvolvimento sustentável visando o aumento da inclusão social e financeira”. As expectativas de crescimento em 2015 são também declinantes, praticamente sem exceção.
As quedas seguidas do PIB lideraram a onda de notícias negativas sobre o desempenho recente da economia. O déficit primário do setor público de 4,7 bilhões de reais em julho, a redução da produção de veículos em 22,4% em agosto, uma nova queda na confiança dos empresários da indústria e do setor de serviços e as taxas de juros mais altas desde 2011 integraram o quadro de informações ruins. Houve fatos positivos, insuficientes para reverter o pessimismo. O principal deles foi o aumento de 0,7% na produção industrial de julho sobre o mês anterior, segundo o IBGE, depois de cinco quedas sucessivas.
A variação negativa do PIB do Brasil nos dois últimos trimestres é indiscutível. Concluir a partir deste fato que há uma recessão no País, nem tanto. Manuais de finanças definem “recessão técnica” como dois trimestres consecutivos de crescimento negativo. O economista conservador Geoffrey H. Moore, um dos maiores especialistas em ciclos econômicos, identificou “sérios problemas” nessa visão. Um deles é não considerar datas mensais de início e fim das recessões. “Por esse motivo, o National Bureau of Economic Research dos Estados Unidos utiliza medidas mensais de produção, emprego, vendas e renda, todas expressas em termos reais”, escreveu no ensaio Recessões. Moore coordenou a instituição por 30 anos e foi diretor emérito do Center for International Business Cycle Research, da Universidade de Columbia. “Outro problema é a possibilidade de sérios declínios na atividade econômica mesmo sem dois trimestres consecutivos de oscilação negativa”, alertou Moore.
As observações do especialista não reduzem a relevância dos problemas, mas levantam dúvidas sobre o diagnóstico de recessão. “As quedas do PIB brasileiro durante dois trimestres seguidos não foram acompanhadas de desemprego e redução da massa salarial e isso não permite caracterizar uma recessão. O termo correto para definir a situação atual é estagnação”, diz o economista Antonio Corrêa de Lacerda, da PUC de São Paulo. “Estamos em recessão técnica, embora atípica porque o nível de desemprego está baixo. Houve fatores conjunturais, como a Copa do Mundo, mas a economia dava sinais de estagnação, relacionada a várias causas, entre elas a forte desaceleração do setor manufatureiro”, afirma o economista Luiz Fernando de Paula, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Para avaliar corretamente o desempenho da economia, além de considerar as diferenças entre recessão e estagnação e contextualizar mundialmente a dinâmica brasileira, é preciso expurgar interpretações facilitadas pelo predomínio de informações fragmentadas e de curto prazo. Os superávits comerciais de agosto, de 1,2 bilhão de dólares (as projeções indicavam 400 milhões) e dos últimos oito meses, de 249 bilhões de dólares (houve déficit de 3,8 bilhões no mesmo período em 2013), não receberam destaque no noticiário. A ênfase recaiu no fato de o saldo positivo de agosto ser “o pior para o mês desde 2001”. Uma parcela significativa do saldo positivo da balança comercial deveu-se à exportação de plataformas de petróleo para empresas estrangeiras de prospecção atuantes no Brasil. Segundo algumas interpretações, teria ocorrido uma “exportação contábil de plataformas”. A expressão utilizada denota atribuição de pouca importância ao fato econômico relevante de obtenção de receita em moeda conversível mediante a venda de um produto feito internamente, com uso de mão de obra e de insumos locais, em um processo gerador de efeitos positivos encadeados e de uma arrecadação tributária relevante. Sob essa ótica, talvez fosse necessário levar as plataformas aos países das importadoras e transportá-las de volta ao Brasil para considerar legítimas as exportações.
A necessidade de retomar o crescimento econômico é consenso no debate eleitoral, mas há mais de uma estratégia para atingir o objetivo. No debate promovido na quarta-feira 27 pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas, o economista José Roberto Mendonça de Barros, representante de Aécio Neves, enfatizou a necessidade de um “ajuste macroeconômico”, expressão elástica capaz de abrigar de um tarifaço ao corte de salários. Para o economista Rodrigo Sabbatini, da campanha de Dilma, o ajuste econômico necessário é diferente daquele defendido pelo PSDB. "Não dá para fazer a inflação baixar para o centro da meta no curto prazo sem provocar um processo recessivo. Nisso nosso ajuste macroeconômico é diferente". A candidata Marina Silva não enviou representante à Abimaq.
Velhas soluções agravariam a situação, alerta Fernando de Paula. “Estou pessimista com esta ideia de que o simples canto da sereia, a volta do livre mercado, vai resolver tudo no Brasil. Isso já foi tentado no governo FHC e não deu certo, a economia ficou muito vulnerável, se desindustrializou, desnacionalizou, houve apagão. A visão predominante é que a intervenção do Estado impede o Brasil de crescer. Tenho críticas ao governo Dilma, pois fez um intervencionismo a meu juízo atrapalhado e mal coordenado, mas não acho que a alternativa “Deus Mercado” vá ser a panaceia.”
O economista Delfim Netto identifica um sinal animador. “Caiu a ficha. É agora geral o reconhecimento de que a causa fundamental da taxa de crescimento do PIB foi a pouca atenção dada à cuidadosa destruição da capacidade competitiva da indústria manufatureira nacional, consequência do uso da taxa de câmbio como instrumento de controle da inflação em substituição às políticas fiscal e monetária.” Em discurso na quarta-feira 3, Dilma Rousseff admitiu problemas na política industrial e no avanço da economia e prometeu mudanças. É um começo.
10/09/2014
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