O poder e a finança internacional
10/08/2014
- Opinión
A decisão norte-americana de romper com o acordo de Bretton Woods, e de desregular seus mercados financeiros, tomada na década de 70, junto com a Inglaterra, provocou um efeito em cadeia, nos demais mercados do mundo capitalista, desencadeando um intenso processo de liberalização e globalização financeira, e uma enorme concentração da riqueza líquida mundial, nas mãos dos bancos e instituições afins. Este processo de “financierização” da riqueza capitalista se repetiu em todos os níveis e em todos os mercados nacionais, promovendo uma forte convergência dos interesses da finança em todo mundo. Mas esta convergência não homogenizou o poder dos bancos e dos mercados, nem mudou a natureza hierárquica e competitiva do sistema monetário e financeiro internacional.
Os bancos centrais e as grandes instituições financeiras privadas que lideraram este processo e que detém um poder real de coerção sobre a politica econômica dos estados nacionais têm nome e sobrenome anglo-saxão, e tem sua riqueza nominada - em última instância - na moeda emitida pelos seus dois estados nacionais, ou seja, a Libra e o Dólar. O crescimento acelerado e aparentemente anônimo destes bancos e destes mercados financeiros obscurece muitas vezes o fato de que:
- não existe poder financeiro que não esteja referido a alguma moeda nacional, e que não esteja submetido em última instancia ao poder do estado emissor desta moeda;
- não existem moedas, bancos ou mercados globais, o que existe são moedas e bancos nacionais com poder de circulação e arbitragem supranacional;
- estas moedas de referencia regional ou internacional nunca foram apenas uma escolha do mercado, e sempre envolveram uma prolongada luta e competição entre os estados e suas moedas nacionais, pela conquista e dominação de territórios econômicos supranacionais cada vez mais amplos;
- é parte do poder dos bancos, agencias e instituições financeiras associadas as moedas vencedoras, impor aos estados e moedas menos poderosos, as regras e condutas compatíveis com o aumento do seu próprio poder. transferindo os custos de seus ajustes internos para sua periferia monetário-financeira.
Por razões diferentes, vários autores liberais e marxistas costumam sublinhar a grande autonomia contemporânea do capital financeiro e a sua capacidade de submeter os estados nacionais e suas políticas econômicas. Como se existisse um “capital financeiro em geral”, e também existisse uma relação idêntica e homogênea entre este capital e os estados nacionais “em geral”. Quando na verdade se trata de uma relação diferenciada e hierarquizada, como sempre foi através de toda a história do sistema da finança e da economia capitalista. Uma história que começou por volta do século XIV, com o poder dos “príncipes” de impor aos seus súditos o valor dos tributos a serem pagos e o valor da moeda com que deveriam pagá-los, e que também serviam como referencia para todas as demais moedas e títulos utilizados nos mercados que começaram a se expandir nesta época à sombra das conquistas territoriais dos “príncipes” que cunhavam as moedas . Esta relação inicial entre tributos, moedas e trocas, aumentou de intensidade com a expansão das guerras e a necessidade dos príncipes recorrerem ao endividamento junto aos seus comerciantes-banqueiros, num mercado cada vez mais extenso de títulos e moedas onde nasce o primeiro embrião do capital financeiro, na “senhoriagem” das moedas e dos títulos dos poderes ganhadores.
Esta história deu um passo gigantesco e um salto qualitativo, nos séculos XVII e XVIII, com a consolidação do poder dos primeiros estados nacionais europeus, e com a “revolução financeira” provocada pela administração e pela negociação das suas “dívidas de guerra”, que estão na origem do capital financeiro moderno, e do próprio capitalismo europeu. Esta revolução começou na Holanda, no século XVII e se completou na Inglaterra, no século XVIII. Os dois países centralizaram seus sistemas de tributação e criaram bancos públicos responsáveis pela administração conjunta, da dívida soberana, na forma de bônus do estado, e da dívida privada, na forma de letras de cambio, que se transformam na base de um sistema de credito cada vez mais elástico, criativo e diversificado, mas sempre referido, em última instancia, à moeda de conta nacional. E não há duvida que a fusão entre esta nova finança holandesa e inglesa, a partir de 1689, teve um papel decisivo no fortalecimento e na vitória colonial da Inglaterra, e na projeção internacional da moeda inglesa, a Libra, que foi hegemônica em todo o mundo até sua “quase-fusão’ com o Dólar norte-americano, durante o século XX. Numa espécie de sucessão “hereditária”, que partiu da Holanda e da Inglaterra, e se prolongou nos Estados Unidos, mantendo a supremacia monetário-financeria anglo-saxônica, inquestionável durante os quatro séculos de história deste capitalismo moderno.
Resumindo: dentro do sistema interestatal capitalista só existiram até hoje, de fato, duas moedas de referencia global: a Libra e o Dólar – uma vez que o Florim, a moeda holandesa, jamais teve a dimensão de uma moeda de circulação internacional - e as duas tiveram e seguem tendo um papel decisivo na construção e na reprodução do poder global e associado das duas grandes potencias anglo-saxônicas. Mas nenhuma das duas – nem a Libra nem o Dólar - se transformou em moeda de referência da noite para o dia. Pelo contrário, a Libra só se generalizou como uma moeda de referencia dentro e fora da Europa, a partir de 1870, quase dois séculos depois do início da escalada do poder da Inglaterra dentro e fora da Europa. E o Dólar só se transformou numa moeda de referência internacional depois da II Guerra Mundial, mais de um século depois do início da escalada internacional do poder americano.
Durante o período em que estas duas “moedas internacionais” tiveram uma base fictícia de referência metálica, a Libra e o Dólar tiveram de fato, uma restrição financeira intransponível, imposta pela necessidade de equilíbrio do Balanço de Pagamentos do país emissor da moeda de referência. Mas depois do fim do Sistema de Bretton Woods, em 1973, esta restrição desapareceu, com o novo sistema monetário internacional “dólar-flexível” que não tem nenhum tipo de padrão metálico de referencia.
Por isto, se costuma dizer que ocorreu uma “revolução financeira” na década de 1980, mas esta revolução provocou de fato um retorno às origens da relação entre o poder, a moeda e o crédito. Os EUA voltaram a definir, de forma soberana e isolada - com base apenas no seu poder - o valor da sua moeda e dos seus títulos da dívida pública que se transformaram numa referencia de circulação e liquidez internacional quase automática. E a mais recente “financeirização do capitalismo” cumpriu um papel decisivo na gigantesca acumulação de poder do estado norte-americano, das duas últimas décadas do século XX. Concluindo: enquanto se mantiver a centralidade internacional da moeda norte-americana, e dos mercados financeiros dos EUA e da Inglaterra, as finanças dos dois países seguirão operando como instrumentos fundamentais da reprodução e expansão do poder global e da hegemonia econômica das duas potencias anglo-saxônicos.
Os bancos centrais e as grandes instituições financeiras privadas que lideraram este processo e que detém um poder real de coerção sobre a politica econômica dos estados nacionais têm nome e sobrenome anglo-saxão, e tem sua riqueza nominada - em última instância - na moeda emitida pelos seus dois estados nacionais, ou seja, a Libra e o Dólar. O crescimento acelerado e aparentemente anônimo destes bancos e destes mercados financeiros obscurece muitas vezes o fato de que:
- não existe poder financeiro que não esteja referido a alguma moeda nacional, e que não esteja submetido em última instancia ao poder do estado emissor desta moeda;
- não existem moedas, bancos ou mercados globais, o que existe são moedas e bancos nacionais com poder de circulação e arbitragem supranacional;
- estas moedas de referencia regional ou internacional nunca foram apenas uma escolha do mercado, e sempre envolveram uma prolongada luta e competição entre os estados e suas moedas nacionais, pela conquista e dominação de territórios econômicos supranacionais cada vez mais amplos;
- é parte do poder dos bancos, agencias e instituições financeiras associadas as moedas vencedoras, impor aos estados e moedas menos poderosos, as regras e condutas compatíveis com o aumento do seu próprio poder. transferindo os custos de seus ajustes internos para sua periferia monetário-financeira.
Por razões diferentes, vários autores liberais e marxistas costumam sublinhar a grande autonomia contemporânea do capital financeiro e a sua capacidade de submeter os estados nacionais e suas políticas econômicas. Como se existisse um “capital financeiro em geral”, e também existisse uma relação idêntica e homogênea entre este capital e os estados nacionais “em geral”. Quando na verdade se trata de uma relação diferenciada e hierarquizada, como sempre foi através de toda a história do sistema da finança e da economia capitalista. Uma história que começou por volta do século XIV, com o poder dos “príncipes” de impor aos seus súditos o valor dos tributos a serem pagos e o valor da moeda com que deveriam pagá-los, e que também serviam como referencia para todas as demais moedas e títulos utilizados nos mercados que começaram a se expandir nesta época à sombra das conquistas territoriais dos “príncipes” que cunhavam as moedas . Esta relação inicial entre tributos, moedas e trocas, aumentou de intensidade com a expansão das guerras e a necessidade dos príncipes recorrerem ao endividamento junto aos seus comerciantes-banqueiros, num mercado cada vez mais extenso de títulos e moedas onde nasce o primeiro embrião do capital financeiro, na “senhoriagem” das moedas e dos títulos dos poderes ganhadores.
Esta história deu um passo gigantesco e um salto qualitativo, nos séculos XVII e XVIII, com a consolidação do poder dos primeiros estados nacionais europeus, e com a “revolução financeira” provocada pela administração e pela negociação das suas “dívidas de guerra”, que estão na origem do capital financeiro moderno, e do próprio capitalismo europeu. Esta revolução começou na Holanda, no século XVII e se completou na Inglaterra, no século XVIII. Os dois países centralizaram seus sistemas de tributação e criaram bancos públicos responsáveis pela administração conjunta, da dívida soberana, na forma de bônus do estado, e da dívida privada, na forma de letras de cambio, que se transformam na base de um sistema de credito cada vez mais elástico, criativo e diversificado, mas sempre referido, em última instancia, à moeda de conta nacional. E não há duvida que a fusão entre esta nova finança holandesa e inglesa, a partir de 1689, teve um papel decisivo no fortalecimento e na vitória colonial da Inglaterra, e na projeção internacional da moeda inglesa, a Libra, que foi hegemônica em todo o mundo até sua “quase-fusão’ com o Dólar norte-americano, durante o século XX. Numa espécie de sucessão “hereditária”, que partiu da Holanda e da Inglaterra, e se prolongou nos Estados Unidos, mantendo a supremacia monetário-financeria anglo-saxônica, inquestionável durante os quatro séculos de história deste capitalismo moderno.
Resumindo: dentro do sistema interestatal capitalista só existiram até hoje, de fato, duas moedas de referencia global: a Libra e o Dólar – uma vez que o Florim, a moeda holandesa, jamais teve a dimensão de uma moeda de circulação internacional - e as duas tiveram e seguem tendo um papel decisivo na construção e na reprodução do poder global e associado das duas grandes potencias anglo-saxônicas. Mas nenhuma das duas – nem a Libra nem o Dólar - se transformou em moeda de referência da noite para o dia. Pelo contrário, a Libra só se generalizou como uma moeda de referencia dentro e fora da Europa, a partir de 1870, quase dois séculos depois do início da escalada do poder da Inglaterra dentro e fora da Europa. E o Dólar só se transformou numa moeda de referência internacional depois da II Guerra Mundial, mais de um século depois do início da escalada internacional do poder americano.
Durante o período em que estas duas “moedas internacionais” tiveram uma base fictícia de referência metálica, a Libra e o Dólar tiveram de fato, uma restrição financeira intransponível, imposta pela necessidade de equilíbrio do Balanço de Pagamentos do país emissor da moeda de referência. Mas depois do fim do Sistema de Bretton Woods, em 1973, esta restrição desapareceu, com o novo sistema monetário internacional “dólar-flexível” que não tem nenhum tipo de padrão metálico de referencia.
Por isto, se costuma dizer que ocorreu uma “revolução financeira” na década de 1980, mas esta revolução provocou de fato um retorno às origens da relação entre o poder, a moeda e o crédito. Os EUA voltaram a definir, de forma soberana e isolada - com base apenas no seu poder - o valor da sua moeda e dos seus títulos da dívida pública que se transformaram numa referencia de circulação e liquidez internacional quase automática. E a mais recente “financeirização do capitalismo” cumpriu um papel decisivo na gigantesca acumulação de poder do estado norte-americano, das duas últimas décadas do século XX. Concluindo: enquanto se mantiver a centralidade internacional da moeda norte-americana, e dos mercados financeiros dos EUA e da Inglaterra, as finanças dos dois países seguirão operando como instrumentos fundamentais da reprodução e expansão do poder global e da hegemonia econômica das duas potencias anglo-saxônicos.
10/08/2014
https://www.alainet.org/pt/articulo/102360
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