O resgate do contrato natural com a Terra
08/06/2014
- Opinión
Até o presente momento, o sonho do homem ocidental e branco, universalizado pela globalização, é dominar a Terra e submeter todos os demais seres em função de auferir benefícios de forma ilimitada. Esse sonho, depois de quatro séculos, se transformou num pesadelo. Como nunca antes, o apocalipse pode ser realizado por nós mesmos, escreveu antes de morrer, o grande historiador Arnold Toynbee.
Por isso, impõe-se uma reconstrução de nossa humanidade e de nossa civilização com outro tipo de relação para com a Terra para que seja sustentável. Vale dizer: para que consiga manter as condições de manutenção e de reprodução que sustentam a vida no planeta. Isso só ocorrerá, se refizermos o pacto natural com a Terra e se considerarmos que todos os seres vivos, portadores do mesmo código genético de base, formam a grande comunidade de vida. Todos eles têm valor intrínseco e por isso sujeitos de direitos.
Todo contrato é feito a partir da reciprocidade, da troca e do reconhecimento de direitos de cada uma das partes. Da Terra recebemos tudo: a vida e os meios de vida. Em retribuição, em nome do contrato natural, temos um dever de gratidão e de retribuição e de cuidado para que ela mantenha sempre a vitalidade para fazer o que sempre fez para todos nós. Mas nós, há muito, rompemos esse contrato.
Para refazer esse contrato natural devemos ser como o filho pródigo da parábola de Jesus. Voltar para a Terra, a Casa Comum, e pedir perdão. Esse perdão se traduz numa mudança de comportamento no sentido do respeito e do cuidado que ela merece. A Terra é nossa Mãe, a Pacha Mama dos andinos e a Gaia dos modernos. Se não restabelecermos esse laço, dificilmente sobreviveremos. Ela pode não nos querer mais sobre a face trerrestre. Por isso que a sustentabilidade aqui é essencial. Ou ela se prevalecerá ou conheceremos uma tragédia para o sistema-vida e para a espécie humana.
Apesar de todas as rupturas do contrato natural, a Mãe Terra nos envia ainda sinais positivos. Apesar do aquecimento global, da erosão da biodiversidade, o sol continua nascendo, o sabiá cantando de manhã, as flores sorrindo aos passantes, os colibris esvoaçando por sobre os botões dos lírios, as crianças continuam nascendo e a nos confirmar de que Deus ainda acredita na humanidade e que ela terá futuro.
Refazer o contrato natural implica resgatar aquela visão e aqueles valores representados pelo discurso do cacique Seattle, da etnia dos Duwamish, proferido diante de Isaac Stevens, governador do território de Washington em 1856:
“De uma coisa sabemos: a Terra não pertence ao homem. É o homem que pertence à Terra. Todas as coisas estão interligadas entre si. O que fere a Terra, fere também os filhos e filhas da Mãe Terra. Não foi o homem que teceu teia da vida; ele é meramente um fio da mesma. Tudo que fizer à teia, a si mesmo fará...Comprenderíamos as intenções do homem branco, se conhecêssemos os seus sonhos, se soubéssemos quais as esperanças que transmite a seus filhos e filhas nas longas noites de inverno e quais as visões de futuro que oferece às suas mentes para que se possam formular desejos para o dia de amanhã.”
No dia 22 de abril de 2009, após longas e difíceis negociações, a Assembléia da ONU acolheu a idéia, por votação unânime, de que a Terra é Mãe. Esta declaração é carregada de significado. Terra como solo e chão pode ser mexida, utilizada, comprada e vendida. Terra como Mãe não pode ser vendida nem comprada mas amada, respeitada e cuidada como o fazemos com nossas mães. Este comportamento reafirmará o contrato natural que confererirá sustentabilidade ao nosso planeta, pois restabelece a relação de mutualidade.
O Presidente da Bolívia, o indígena aymara, Evo Morales Ayma, vem repetindo que o século XXI será o século dos direitos da Mãe Terra, da natureza e de todos os seres vivos. Em seu pronunciamento na ONU no dia 22 de abril de 2009, no qual estive pessoalmente presente, cabendo-me o discurso de fundamentação teórica da Terra como Mãe, elencou ele alguns destes direitos da Mãe Terra:
- o direito de sua regeneração e de sua da biocapacidade;
- o direito à vida, garantido a todos os seres vivos, especialmente aqueles ameaçados de extinção;
- o direito de uma vida pura, porque a Mãe Terra tem o direito de viver livre de contaminações e poluições de toda ordem;
- o direito do bem viver, propiciado a todos os cidadãos;
- o direito à harmonia e ao equilíbrio com todas as coisas da Mãe Terra;
- o direito de conexão com a Mãe Terra e com o Todo do qual somos parte;
Esta visão permite renovar o contrato natural para com a Terra que, articulado com o contrato social entre os cidadãos, acabará por reforçar a sustentabilidade planetária.
Para os povos originários tal atitude era natural. Nós, na medida em que perdemos a conexão com a natureza, perdemos também a consciência de nossa relação de reconhecimento e gratidão para com ela. Dai a importância de revisitá-los e aprender deles o respeito e a veneração que a Terra merece.
- Leonardo Boff, teólogo, escritor
https://www.alainet.org/pt/articulo/86234?language=es
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