O Mercosul e os processos de integração da América do Sul e da América Latina
20/03/2014
- Opinión
(Integração pela Cidadania ou Desintegração pelas Assimetrias?)
I- Breves Antecedentes
As primeiras tentativas de integração dos países latino-americanos remontam aos primeiros anos de independência.
Naquela época, quase toda a América do Sul obteve a ansiada liberdade em processos semelhantes e, em muito casos, vinculados entre si. A luta de San Martín foi a luta da Argentina, do Chile, do Uruguai, do Peru. A luta de Bolívar foi a luta da Venezuela, da Colômbia, do Equador. E a luta de um era a luta do outro.
Desse modo, o combate pela independência foi um combate que uniu os melhores americanos, numa era em que as fronteiras eram dadas apenas pelos vastos ideais iluministas. Surgiram, dessa forma, tentativas de manter unidas as forças e os povos que haviam se sublevado contra a opressão das metrópoles europeias.
A mais difundida dessas iniciativas foi o Congresso Anfictiônico do Panamá, de 1826, convocado pelo libertador Simon Bolívar, que defendia a criação de uma espécie de federação de estados latino-americanos. Como é de conhecimento geral, a proposta integracionista do prócer nunca se concretizou, em razão de interesses externos e das oligarquias locais, que levaram a América espanhola a fragmentar-se em diversas nações independentes, o que inviabilizou, naquela época, qualquer iniciativa de fusão de caráter político-institucional.
De fato, a independência dos países da América do Sul, que começou como afirmação de identidade própria frente às antigas metrópoles, acabou concretizando-se em múltiplas identidades que se definiam, às vezes em sangrentos conflitos, contra as outras. Ao mesmo tempo, intervieram no processo novas metrópoles que, com frequência, estimularam as divergências e desestimularam a industrialização e o desenvolvimento econômico autônomo.
A América espanhola fragmentou-se irremediavelmente e a América portuguesa, o Brasil, manteve-se íntegra dada à sua singularidade, mas de costas para o resto do continente.
Uma longa noite de quase duzentos anos, na qual predominaram as rivalidades artificiais, os regimes autoritários, a dependência econômica e política, e a falta de consistência nos processos de desenvolvimento econômicos e sociais impediu que nossos países implementassem processos de integração para produzir sinergias comerciais, econômicas e políticas.
Entretanto, já na década de 60 do século XX, influenciados por estudos desenvolvidos no âmbito da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), que afirmavam a necessidade da região ter um processo de desenvolvimento relativamente autônomo e centrado na industrialização, os países sul-americanos instituíram o primeiro modelo consolidado de integração regional, baseado na economia, com a criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC). O Acordo de criação da ALALC previa a constituição de uma área de livre comércio na região, no prazo de 12 anos. O descumprimento dos prazos e as dificuldades referentes à eliminação de tarifas, com base no princípio da cláusula da nação mais favorecida, são alguns dos fatores usualmente relacionados ao fracasso da ALALC.
O descontentamento com os rumos da ALALC conduziu Bolívia, Colômbia, Chile, Equador e Peru a firmarem, em 1969, o Acordo de Cartagena, que instituiu o Pacto Andino. Segundo Hugo Eduardo Meza Pinto e Márcio Bobik Braga, "além da insatisfação pelos resultados da ALALC, a motivação para a formação do Pacto Andino era o vislumbramento da integração regional seguindo os padrões internacionais e tendo na sua composição certa uniformidade econômica entre os países-membros".
Com o malogro da ALALC, os Estados Partes decidiram criar, em 1980, a Associação Latino-americana de Integração - ALADI, que, apesar da denominação sugerir objetivos mais amplos, limita o projeto de integração regional à esfera comercial. Ao contrário da ALALC, o Acordo da ALADI é mais flexível, já que não estabelece prazos rígidos para a formação de uma área de livre comércio, tampouco prevê a eliminação automática de barreiras tarifárias entre seus membros, o que, segundo o pactuado, somente é possível por meio da assinatura dos chamados acordos preferenciais, os famosos ACEs, ou acordos de complementação econômica.
Entretanto, até meados da década de 1980, todas essas tentativas de integração não haviam produzido consequências significativas, nem do ponto de vista econômico-comercial quanto do ponto de vista social e político. A América do Sul e a América Latina continuavam com um nível muito baixo de integração e intensamente voltadas, em suas políticas externas, para as grandes metrópoles, particularmente para os EUA.
Nas últimas décadas houve, contudo, dois grandes fatores que impulsionaram e aceleraram os processos de integração no subcontinente. O primeiro tange à redemocratização dos países da América do Sul, em especial do Cone Sul. Já o segundo diz respeito ao fracasso das políticas neoliberais na região, que levou ao redirecionamento das políticas externas de muitos países.
De fato, os últimos anos da década de 80 marcam o início do período de redemocratização dos países sul-americanos, com o fim dos regimes militares. Esse cenário político inaugura uma nova fase de aproximação entre as nações da região, em particular no denominado Cone Sul.
Com efeito, o retorno da democracia, a partir dos anos 80 do século passado, permitiu que, dois países, Argentina e Brasil, abandonassem a histórica disputa pela hegemonia da bacia do Prata e identificassem vastas áreas de cooperação e interesse mútuo. Como resultado, foram firmados os famosos acordos Alfonsín-Sarney, que deram impulso inicial à integração entre Argentina e Brasil e pavimentaram a criação posterior do MERCOSUL, já com a presença de dois aliados preciosos: Paraguai e Uruguai.
O ponto culminante dessa aproximação foi a assinatura, em 26 de março de 1991, do Tratado de Assunção para a Constituição de um Mercado Comum do Sul, o Mercosul. Este bloco se constitui na base de outros processos de integração, como o da UNASUL e da Celac.
A redemocratização foi importante para dar um primeiro impulso real à integração regional, mas o fator que me parece mais relevante relaciona-se ao fracasso das políticas neoliberais na região, que se tornou evidente ao final da década de 1990. Com efeito, o fracasso do neoliberalismo, ou melhor, do paleoliberalismo, teve como consequência o rechaço da proposta da ALCA, que representava o fim de qualquer processo de integração regional, e o direcionamento das políticas externas de países importantes do subcontinente para a aproximação com seus vizinhos.
Nessa nova conjuntura econômica e política do pós-neoliberalismo, a integração regional passou a ser uma efetiva prioridade de política externa para muitos países. Essa diretriz prioritária substituiu, em alguns casos, a antiga centralidade que as relações bilaterais com os EUA e com os demais países mais desenvolvidos tinham como fator balizador da política externa dos tempos do predomínio do paradigma neoliberal.
Esse foi, sem dúvida, o caso do Brasil, que, a partir do governo Lula, passou a priorizar intensamente, em sua nova política externa, a integração regional e a cooperação Sul-Sul.
II- O MERCOSUL COMO MODELO DE INTEGRAÇÃO PARA A NOSSA REGIÃO: POTENCIALIDADES E DESAFIOS de UM PROJETO REALMENTE INTEGRACIONISTA
Como vimos, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) teve sua origem nos acordos Alfonsín-Sarney.
Tais acordos tinham uma estratégia implícita. Tratava-se de dar aos Estados Partes condições de enfrentar juntos os problemas criados pela crise da dívida, do aumento da vulnerabilidade externa e da recessão com inflação. Os países pretendiam fortalecer sua posição ante um cenário internacional mais competitivo e hostil, mediante a ativação de complementaridades econômicas. Ao mesmo tempo, procuravam estabelecer políticas de desenvolvimento harmônicas com ênfase nas variáveis endógenas do crescimento econômico. Por esta razão, buscava-se, sobretudo, a integração industrial dos setores líderes, especialmente o de bens de capital.
Entretanto, essa estratégia inicial de integração à economia internacional, radicalmente distinta da recomendada pelo Consenso de Washington, foi parcialmente abandonada na época da celebração do Tratado de Assunção, que criou formalmente o Mercosul.
Com efeito, a hegemonia ideológica do paradigma neoconservador na América do Sul teve como consequência principal, no âmbito do Mercosul, a ênfase excessiva na liberalização comercial, com prejuízos para outras dimensões do processo de integração.
Por conseguinte, aspectos vitais para uma integração verdadeiramente exitosa, como a coordenação de políticas macroeconômicas, a implementação de políticas de desenvolvimento e industriais simétricas e a redução da vulnerabilidade externa das economias, foram colocados em segundo plano em favor das aberturas econômicas quase incondicionais e das “políticas amistosas para os mercados”.
Também a dimensão social do processo de integração, que inclui a livre circulação dos trabalhadores e a harmonização da legislação trabalhista, entre outros aspectos, não teve a atenção merecida.
Aldo Ferrer, pensador arguto Mercosul, identifica quatro “pecados originais” que prejudicaram o processo de integração em seu início: a vulnerabilidade externa das economias, o mal-estar social na região, o abandono das estratégias nacionais de desenvolvimento e a crise ideológica frente à globalização.
A vulnerabilidade externa tendia e tende a dificultar que os governos adotem políticas autônomas em relação aos interesses criados pela globalização financeira. Aliada ao predomínio da “visão fundamentalista da globalização”, segundo a qual as únicas políticas possíveis são as paleoliberais, tal vulnerabilidade tornava perenes e praticamente intocáveis os ajustes econômicos pró-cíclicos, com as consequências negativas que todos conhecemos.
Por sua parte, o mal-estar social ocasionado pelo aumento da concentração dos rendimentos, do desemprego e do subemprego, bem como também pelo agravamento da marginalização de amplos setores da população, tendia a gerar tensões sociopolíticas que dificultam uma integração mais estreita.
De outro lado, o abandono parcial das estratégias nacionais de desenvolvimento impedia a coordenação das políticas macroeconômicas que poderiam ter evitado as grandes oscilações do câmbio, as quais provocaram notável instabilidade no fluxo comercial no Mercosul.
Ora, para que o processo de integração possa avançar e distribuir equitativamente os seus frutos, fazendo crescer as economias de todos os Estados Partes, é preciso que haja políticas nacionais de desenvolvimento industrial e científico-tecnológico estrategicamente convergentes. Essas políticas devem se constituir nos pilares da divisão do trabalho no bloco sobre bases intraindustriais, as quais permitiriam o crescimento harmônico simultâneo dos países do Mercosul.
Senão houver esse tipo de política, o crescimento é errático e seus benefícios tendem a distribuir-se sem equidade, estabelecendo-se uma relação centro-periferia no interior do bloco, que mina profundamente o processo de integração.
Em relação à crise ideológica, ela provocou, em alguns casos, alinhamentos ideológicos e acríticos com interesses externos e a opção preferencial pelo “realismo periférico”, isto é, pela inserção subalterna no cenário mundial como única forma de aceder à “modernidade”. A Argentina de Menem, que estabeleceu “relaciones carnales” com os EUA, foi o exemplo mais bem-acabado dessa opção pela subalternidade geopolítica.
Evidentemente, os Estados Partes do Mercosul têm de ter uma visão comum do cenário global que dê embasamento teórico-político a um único projeto comunitário de inserção internacional.
Na realidade, o Mercosul deve ser, fundamentalmente, tal como já estava desenhado nos acordos bilaterais Brasil/Argentina, um projeto político com estratégia comum de inserção internacional dos Estados Partes.
Pois bem, como resultado desses “pecados originais”, o Mercosul perdeu, durante muito tempo, iniciativa política no cenário mundial e seu sentido estratégico inicial, tendo se mantido, as vezes precariamente, apenas pelos interesses específicos vinculados ao notável incremento do comércio intrabloco.
Portanto, o fortalecimento e a consolidação do Mercosul pressupõem enfrentamento permanente desses problemas e inconsistências e crescente recuperação do seu sentido estratégico inicial.
Com a nova política externa implantada a partir do governo Lula, o Brasil passou a empenhar-se no fortalecimento e no aprofundamento do Mercosul.
Com efeito, o MERCOSUL conheceu, nos últimos anos, avanços muito significativos, tais como a criação do FOCEM, instrumento fundamental de combate às assimetrias, e a incorporação de vários países andinos como membros associados e a Venezuela como membro pleno, que agregou peso econômico e político ao bloco e pavimentou a criação da UNASUL, assim como a implementação do seu Parlamento, principal conquista do bloco.
Digo que o Parlamento é a principal conquista do bloco porque, para que o Mercosul se consolide definitivamente, é imprescindível que o bloco enfrente e corrija o que talvez seja o seu “pecado original” mais sério: o déficit democrático.
Em relação a este ponto crucial, é fácil constatar que o processo de integração vinha sendo conduzido, até período relativamente recente, quase que exclusivamente pelos poderes executivos dos quatro países signatários do Tratado de Assunção, com participação bastante restrita das sociedades civis e dos poderes legislativos.
Assim sendo, concomitantemente à perda de sentido estratégico do processo de integração, acumulou-se um considerável déficit democrático no Mercado Comum do Sul, que ainda precisa ser resgatado.
A combinação desse déficit democrático com a perda de sentido estratégico do Mercosul criou, por sua vez, um notável círculo vicioso: a ausência de discussão mais profunda dos destinos do bloco aprofundou a inconsistência estratégica e a ênfase conservadora nos aspectos puramente comerciais da integração, que, por sua vez, ampliaram e cristalizaram o déficit democrático do Mercado Comum do Sul.
Tal situação é, obviamente, incompatível com a consolidação do bloco, já que processos consistentes de integração de países em verdadeiros mercados comuns não podem existir em espaços políticos vazios de cidadania.
Este é o ponto principal. Somente a integração construída, por assim dizer, “de baixo para cima” e fundamentada nos interesses dos cidadãos de todos os Estados Partes poderá superar as assimetrias e as forças centrífugas que sempre ameaçaram o Mercosul e a integração latino-americana de forma geral. Uma integração assentada somente em interesses comerciais e financeiros será sempre frágil e incompleta, pois estará sempre submetida às conjunturas econômicas e será regulada pelos mercados, e não pelos cidadãos.
Esse tipo de integração resulta somente em áreas de livre comércio e não contempla as dimensões da união aduaneira, da livre circulação de trabalhadores e da construção de instituições suprarregionais. Na realidade, essa pseudointegração não constrói uma cidadania comum, mas pode, por outro lado, construir muros, como o que separa o México dos EUA, países que fazem parte da área de livre comércio do NAFTA. Além disso, as áreas de livre comércio acabam se superpondo. Com isso, as áreas de livre comércio entre países de nível baixo ou mediano de desenvolvimento acabam se diluindo nas áreas de livre comércio formadas com países mais avançados.
O desafio essencial do Mercosul e da integração latino-americana de uma forma geral é, pois, o de transformar o processo de integração num processo de construção de direitos e cidadania comuns, para além da mera integração dos mercados.
A ruptura do mencionado círculo vicioso passa, portanto, por um novo papel do Parlamento, instância máxima de representação da cidadania de todos os Estados Partes no Mercosul.
O Parlamento do bloco tem como desafio principal aprofundar o compromisso democrático do Mercosul, ameaçado pelo autoritarismo histórico da região e pelo longo período de acúmulo desse déficit democrático do bloco.
Ao contrário de outros parlamentos regionais, como o Parlatino e o Parlamento Andino, que são meras instâncias de reuniões e debates, o Parlamento do Mercosul já tem algumas funções legislativas e um crucial papel a cumprir.
Cabe ao Parlamento do Mercosul, além de representar a voz dos cidadãos no processo de integração, empenhar-se na harmonização das legislações dos Estados Partes.
Meio ambiente, educação, questões aduaneiras, livre circulação de trabalhadores, agilização da solução de controvérsias, coordenação de políticas macroeconômicas, integração das cadeias produtivas, etc., são todos temas que precisam do empenho deste parlamento para encontrar a necessária ressonância na cidadania do Mercosul.
Um tema, em especial, merece dedicação maior: a correção das assimetrias, em todos os níveis. Como afirmei em meu discurso quando assumi a presidência do Parlasul: “o Mercosul pode incluir países pequenos, mas, se quiser ter êxito, jamais poderá ter sócios minoritários. Todo o Estado tem de ter seus interesses contemplados e se beneficiar da integração. Todos, sem exceção, devem ser grandes dentro do Mercosul.”.
Mas é preciso enfatizar apesar de suas incompletudes, insuficiências e problemas, o Mercosul é um êxito.
Esse êxito se sobrepõe até mesmo ao marcado “mercoceticismo” que há nas forças conservadoras da região.
Com efeito, o Mercosul lembra o caso do escritor Mark Twain, que teve a ingrata tarefa de desmentir notícias de sua morte. Twain estava em Londres quando surgiram boatos sobre seu falecimento. Com sua habitual ironia, afirmou: “Os rumores sobre a minha morte foram grosseiramente exagerados”.
Com o Mercosul se passa algo semelhante. Desde o nascimento, vaticinam seu iminente falecimento. Na época da assinatura do Tratado de Assunção, não faltaram ironias sobre a união “dos rotos com os esfarrapados” e críticas ácidas em relação à suposta inviabilidade de um bloco fadado a ser absorvido em processos de integração mais amplos com países desenvolvidos.
Ao longo dos anos, também não faltaram aqueles que defenderam que o Mercosul renunciasse a sua união aduaneira e se transformasse numa área de livre comércio, de modo a permitir integração supostamente mais dinâmica com o “comércio globalizado”. Consideravam o Mercosul um arcaísmo “terceiro-mundista” e sonhavam com a miragem neoliberal da ALCA.
Com a crise mundial, voltaram a condenar o Mercosul e a sugerir o fim da sua união aduaneira, de modo a que os Estados Partes possam negociar independentemente acordos bilaterais de livre comércio com países desenvolvidos, particularmente com os EUA e a UE.
Recentemente, o lançamento da Aliança do Pacífico, bloco que reúne Peru, Colômbia, Chile, México e Costa Rica, aguçou as críticas contra o Mercosul. A Aliança foi apresentada pelos setores conservadores da mídia como o bloco do futuro, das economias mais “dinâmicas” e “integradas ao comércio mundial”. Em contraste, o Mercosul foi novamente caracterizado como um bloco moribundo, uma espécie de aliança autárquica, que condena os seus Estados Partes ao atraso e à baixa integração com as “cadeias produtivas globalizadas”.
Bom, em primeiro lugar, é preciso afirmar que a Aliança nada mais é que uma jogada de marketing geopolítico que não altera a realidade econômica da América do Sul. O Brasil e o Mercosul já têm livre comércio com todos os países da América do Sul, inclusive os que fazem parte da Aliança. As únicas exceções são a Guiana e o Suriname. Com o México, o Brasil tem também dois importantes acordos de preferência comerciais. Além disso, os países da Aliança do Pacífico, por força de acordos firmados no âmbito da ALADI, têm, há bastante tempo, livre comércio entre si. Em outras palavras, a Aliança “chove no molhado”.
Em segundo lugar, o Mercosul é um claro sucesso comercial e econômico. Desde a sua criação, em 1991, as exportações intrazona aumentaram 13 vezes. Já as exportações brasileiras para o bloco aumentaram 12 vezes. Nos últimos 9 anos, nosso superávit acumulado com o bloco ascendeu a US$ 45,5 bilhões. Apenas no passado, já considerando a Venezuela, o Brasil obteve um superávit de US$ 7,6 bilhões com o bloco. Além disso, cerca de 90% das nossas exportações para o Mercosul são de produtos manufaturados. Para União Europeia, China e Estados Unidos são de 36%, 5% e 50%. Na realidade, o Mercosul é o principal destino das exportações da nossa indústria.
Em relação à crítica de que o Mercosul impede uma maior participação dos Estados Partes no comércio mundial, é necessário levar em consideração que, entre 2003 e 2011, as exportações extrazona do bloco foram multiplicadas por 4. Em contraste, as exportações mundiais foram multiplicadas por um fator de apenas 2,8. Em outras palavras, as exportações do Mercosul cresceram bem mais que o aumento do comércio internacional. Coisa semelhante aconteceu com os investimentos. Hoje em dia, muitas empresas brasileiras têm investimentos e projetos de vulto no Mercosul e em toda a América do Sul. O Mercosul só não aumenta mais sua participação no comércio mundial porque muitos países desenvolvidos não aceitam, nas negociações, a liberação do comércio agrícola e, por outro lado, propugnam intransigentemente por uma maior abertura do comércio de manufaturados. O Mercosul e o Brasil, ao contrário da Aliança, preferem um bom acordo a qualquer acordo.
Ademais, o Mercosul, que se espelha no exemplo da UE, vem dando, como assinalamos, passos largos na criação de instituições supranacionais, como o Parlamento do MERCOSUL, destinado a criar e dar voz à cidadania comum. Áreas de livre comércio, lembre-se, não constroem cidadanias, constroem muros.
A bem da verdade, o Mercosul é o grande projeto de verdadeira integração da América do Sul e da América Latina, pois ele inclui a dimensão da união aduaneira, da circulação de pessoas e das instituições supranacionais. Ele tem, portanto, o potencial de construção de uma cidadania comum.
III- OUTROS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO
Evidentemente, o Mercosul não é o único processo de integração dos países da América do Sul e da América Latina, muito embora seja, do nosso ponto de vista, o mais completo e o que apresenta maior potencial de construção de uma cidadania comum.
Há outros processos, inclusive mais antigos que o Mercosul. Alguns são complementares ao Mercosul e se reforçam mutuamente. Outros são concorrentes e apresentam um desenho político distinto, que definitivamente não aponta para uma verdadeira integração.
A continuação, fazemos breves comentários sobre os principais.
a) Comunidade Andina de Nações (CAN)
A Comunidade Andina de Nações (em espanhol, Comunidad Andina de Naciones, abreviado CAN) é um bloco econômico sul-americano formado, hoje, por Bolívia, Colômbia, Equador e Peru.
Fundado em 26 de maio de 1969, pelo Acordo de Cartagena, o bloco reunia, além dos membros atuais, o Chile. Em 1973, houve a adesão da Venezuela.
O Chile, antigo participante, deixou o bloco em 1976 e a Venezuela fez o mesmo em 2006. O bloco foi chamado de Pacto Andino até 1996. A cidade-sede da secretaria é Lima, no Peru.
A comunidade andina possui 120 milhões de habitantes, em uma área de 4.700,000 quilômetros quadrados, com um produto interno bruto nominal de 280 bilhões de dólares.
Em 8 de Dezembro de 2004, os países membros da Comunidade Andina assinaram a Declaração de Cuzco, que lançou as bases da União de Nações Sul-Americanas, entidade que une a Comunidade Andina ao MERCOSUL, em uma zona de livre comércio continental.
Na realidade, hoje a CAN e seu órgão legislativo, o Parlamento Andino, já não têm mais relevância econômica e política.
Destaque-se que Bolívia e Equador pretendem tornarem-se, em breve, membros plenos do MERCOSUL.
Na América do Sul, o MERCOSUL e a UNASUL são os blocos de maior relevo e consistência estratégica.
b) UNASUL
O Tratado Constitutivo da União das Nações Sul-Americanas, que uniu o MERCOSUL e a CAN, representa a culminação de um longo processo histórico, feito de marchas e contramarchas, da tão sonhada integração da América do Sul e da América Latina, objetivo que consta da nossa Carta Magna.
Embora a UNASUL não tenha uma dimensão comercial econômica própria, como O MERCOSUL, ela tem uma relevante dimensão político-diplomática que já se desdobra na conformação de uma geoestratégia comum (lembre-se de seu Conselho de Defesa).
Para o Brasil, a UNASUL representa a consolidação formal de seu protagonismo na América do Sul, diretriz-chave da sua política externa. Diretriz esta que vem produzindo resultados muito positivos. Saliente-se, a esse respeito, que a ALADI, organização econômica que congrega os países da América do Sul, já absorve cerca de 42 % das nossas exportações de manufaturados.
O Brasil é hoje um ator internacional de primeira grandeza em grande parte porque é um líder regional indiscutível.
Agregue-se que o projeto do MERCOSUL e o da UNASUL não só são compatíveis, como complementares, pois este último agrega política e diplomaticamente países que ainda não fazem parte (ou não querem fazer parte) da tarifa externa comum do MERCOSUL (TEC).
A UNASUL tem como objetivo formal construir, de maneira participativa e consensual, um espaço de articulação no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos. Prioriza o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, a infraestrutura, o financiamento e o meio ambiente, entre outros, com vistas a criar a paz e a segurança, eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do fortalecimento da soberania e independência dos Estados.
Segundo dispõe o texto do Tratado, os seguintes órgãos compõem a estrutura institucional da UNASUL: a) Conselho de Chefes de Estado e de Governo; b) Conselho de Ministros das Relações Exteriores; c) Conselho de Delegados; e d) Secretaria Geral. Está prevista ainda a constituição de Conselhos de nível Ministerial e Grupos de Trabalho. Todas essas instâncias já se encontram em plena atividade.
A UNASUL conta hoje com oito conselhos ministeriais: a) Energia; b) Saúde; c) Defesa; d) Infraestrutura e Planejamento; e) Desenvolvimento Social; f) Problema Mundial das Drogas; g) Educação, Cultura, Ciência, Tecnologia e Inovação; h) Economia e Finanças. A UNASUL conta ainda com dois Grupos de Trabalho: a) Integração Financeira (agora subordinado ao Conselho de Economia e Finanças); e b) Solução de Controvérsias em Matéria de Investimentos, em cujo âmbito estuda-se a possibilidade de criar mecanismo de arbitragem, Centro de Assessoria Legal e código de conduta para membros de tribunais arbitrais.
Entretanto, a principal função da UNASUL é estratégica e política. Trata-se de um bloco que pretende tratar os temas regionais sem a interferência da grande superpotência do planeta, como ocorre, por exemplo, na Organização dos Estados Americanos (OEA).
Exemplo dessa função foi a resposta concatenada do subcontinente no recente episódio envolvendo o avião presidencial da Bolívia.
c) CELAC
A Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) tem origem na “Declaração da Cúpula da Unidade”, adotada pelos Chefes de Estado e de Governo da América Latina e do Caribe durante reunião de Cúpula realizada na Riviera Maya, México, em fevereiro de 2010.
Naquela ocasião, houve consenso em constituir um novo mecanismo de concertação política e integração, que abrigará os trinta e três países da América do Sul, América Central e Caribe.
A CELAC é, na realidade, a herdeira do Grupo do Rio e da CALC (Cúpula da América Latina e Caribe sobre Integração e Desenvolvimento).
Ela assumirá, assim, o patrimônio histórico do Grupo do Rio, no que tange à concertação política, e da CALC (Cúpula da América Latina e Caribe sobre Integração e Desenvolvimento), no que se refere aos assuntos de integração física e econômica.
A convergência da CALC e do Grupo do Rio ocorrerá de forma gradual. Ambos os mecanismos manterão suas agendas e métodos de trabalho paralelos até a conclusão do processo de construção da CELAC.
De acordo com o Itamaraty, para o Brasil a CELAC deverá contribuir para a ampliação tanto do diálogo político, quanto dos projetos de cooperação na América Latina e Caribe. O novo mecanismo também facilitará a conformação de uma identidade própria regional e de posições latino-americanas e caribenhas comuns sobre integração e desenvolvimento.
A dimensão política da CELAC partirá da base construída pelo Mecanismo Permanente de Consulta e Concertação Política, estabelecido no Rio de Janeiro em 1986 e conhecido como Grupo do Rio. Concebido como instrumento de articulação política de alto nível, o Grupo do Rio atuou tradicionalmente na consolidação da democracia, tendo como pressuposto o bem sucedido trabalho diplomático dos Grupos de Contadora e de Apoio em favor da paz na América Central. Sua interseção com a CALC é natural, uma vez que, por ser um foro de discussão política, o Grupo do Rio sempre prescindiu de atuação mais aprofundada na área econômica e de formas institucionalizadas de cooperação.
Os fundadores do Grupo do Rio resolveram delimitar seu escopo de atuação a reuniões de caráter informal, destinadas a servir como espaço exclusivamente político, apropriado para consultas, troca de informações e eventuais iniciativas conjuntas, decididas sempre por consenso. Ao longo de mais de duas décadas, foram realizadas vinte Cúpulas, vinte e nove reuniões ministeriais ordinárias e três extraordinárias. Sua temática foi aberta, tratando, em geral, de temas importantes para a região. Em suas mais recentes reuniões, o Grupo do Rio abordou questões como a promoção dos direitos humanos e o impacto das migrações.
O Grupo do Rio fortaleceu-se gradualmente como espaço presidencial privilegiado e como um mecanismo regional representativo da América Latina e do Caribe em relação a outros países e blocos. Os contatos políticos institucionalizados do Grupo do Rio com terceiros promoveram o diálogo inter-regional entre autoridades do mais alto nível, com o intercâmbio de pontos de vista sobre importantes temas da agenda internacional. Atualmente, são dezenove parceiros de diálogo com o Grupo do Rio, que devem ser herdados pela CELAC: União Europeia, Conselho de Cooperação do Golfo, China, Rússia, Canadá, Índia, Japão, Coréia do Sul, ASEAN, Israel, Ucrânia, Liga Árabe, G-77, Grupo GUUAM (Geórgia, Ucrânia, Uzbequistão, Azerbaijão e Moldova), CEI, Austrália, EUA e União Africana.
Na realidade, a constituição da CELAC significa, em última instância, a projeção estratégica da UNASUL na América Central e no Caribe, áreas que até pouco tempo estavam sob a influência quase que exclusiva dos EUA.
d) ALBA
A Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América – Tratado de Comércio dos Povos (Alianza Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América – Tratado de Comercio de los Pueblos) ou simplesmente ALBA (antiga Alternativa Bolivariana para as Américas) é uma plataforma de cooperação internacional baseada na ideia da integração social, política e econômica entre os países da América Latina e do Caribe.
A ALBA foi constituída na cidade de Havana, capital de Cuba, em 14 de dezembro de 2004, como um acordo entre Venezuela e Cuba, tendo as assinaturas dos presidentes de ambos os países na época, Hugo Chávez e Fidel Castro. Este início deu-se pela colaboração de Cuba ao enviar médicos para ajudar no território venezuelano e pela colaboração da Venezuela ao abastecer Cuba com seu petróleo.
Em 29 de abril de 2006, a Bolívia (tendo Evo Morales como seu presidente) somou-se ao grupo a partir do Tratado de Comércio dos Povos, termo que foi acrescentado ao nome oficial do bloco, que resultou na sigla ALBA-TCP. Posteriormente, houve a adesão do Equador, Nicarágua, Honduras (que após o golpe contra Zelaya abandonou o bloco) e outros países.
Atualmente, a ALBA-TCP é composta por oito países, sendo que quatro deles possuem governos de matiz socialista. Além de Venezuela, Cuba, Bolívia, aderiram ao bloco: Nicarágua, Dominica, Equador, Antigua e Barbuda e São Vicente e Granadinas.
Hoje em dia, contudo, a ALBA, assim como a CAN, não tem maior expressividade. Seus principais países, Venezuela, Bolívia e Equador, ou já são membros plenos do MERCOSUL ou pretendem aderir em breve. Ademais, todos eles já fazem parte da UNASUL.
e) SICA
O Sistema de Integração Centro-Americana (SICA) é o atual quadro institucional do processo de integração regional na América Central, que foi criado 13 de dezembro de 1991, com a assinatura do "Protocolo de Tegucigalpa”, firmado por Costa Rica, Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Panamá.
Posteriormente, houve a adesão de Belize. O Brasil participa como observador regional.
O "Protocolo de Tegucigalpa" é o molde que deu forma jurídica à nova América Central, e baseia formalmente a reunião de experiências, princípios, objetivos e aspirações da região. No plano político, o SICA se baseia no processo de pacificação, democratização e desenvolvimento que se verificou na América Central, desde 1986.
O "Protocolo de Tegucigalpa" tem o escopo de uma constituição regional.
O “Sistema de Integração Centro-Americana (SICA)" optou por um desenvolvimento de base econômica, social, cultural, política e ecológica, com proteção e promoção dos direitos humanos. Ele também tem um inovador "Modelo Regional de Segurança Democrática", o que cria as condições ideais para os habitantes da região de beneficiar-se igualmente a partir deste desenvolvimento, tendo como principal objetivo transformar a América Central em uma região de paz, liberdade, democracia e desenvolvimento.
Para alcançar seus objetivos, propósitos e princípios, o Sistema de Integração Centro-Americana tem os seguintes órgãos: a) a Reunião de Presidentes, que é o órgão supremo do sistema, composto pelos Presidentes e Chefes de Governo Constitucional Os Estados-Membros; b) o Conselho de Ministros, composto dos principais ministros, é responsável pelo monitoramento do sistema de integração; c) o Comitê Executivo, que é um órgão permanente que integra um representante de cada um dos Estados-Membros e que tem entre suas principais funções assegurar a eficaz implementação das decisões tomadas na reunião dos Presidentes; d) a Secretaria-Geral, cujo titular, o Secretário-Geral, é o diretor administrativo do Sistema.
Fazem parte também do Sistema de Integração Centro-Americana: a) o Parlamento da América Central (Parlacen), que analisa e faz recomendações sobre os direitos políticos, econômicos, sociais e culturais de interesse comum; b) a Corte Centro-Americana de Justiça, que garante o cumprimento da lei na interpretação e aplicação do Protocolo de Tegucigalpa e seus instrumentos complementares ou derivados; c) o Comitê Consultivo, que é composto do setor empresarial, dos trabalhadores, da academia e de outras principais forças motrizes que representam da sociedade civil.
Conforme a Secretaria do SICA, o processo de integração regional tem tido progressos significativos em direção à criação de uma união aduaneira centro-americana, a qual substituirá paulatinamente os territórios aduaneiros dos Estados-Membros.
Entretanto, dada à fragilidade e à dependência das economias da América Central, particularmente no que tange à economia dos EUA, o SICA, por si só, dificilmente terá grande relevância. No nosso entendimento, sua relevância poderia ser ampliada com a integração do sistema à CELAC, à UNASUL e ao MERCOSUL.
f) CARICOM
A Comunidade do Caribe (CARICOM), originalmente Comunidade do Caribe e Mercado Comum, foi criada pelo Tratado de Chaguaramas, que entrou em vigor em 1 de Agosto de 1973. Os quatro primeiros signatários foram Barbados, Jamaica, Guiana e Trinidad & Tobago.
A CARICOM substituiu a Associação de Livre Comércio do Caribe (CARIFTA), que tinha sido organizada para proporcionar uma ligação econômica contínua entre os países de língua inglesa.
A Comunidade do Caribe (CARICOM) congrega, hoje, 15 países do Caribe e adjacências. Os propósitos principais da CARICOM são promover a integração econômica e cooperação entre os seus membros, para garantir que os benefícios da integração são equitativamente partilhados, e a coordenação da política externa.
Suas principais atividades envolvem a coordenação das políticas econômicas e o planejamento do desenvolvimento; a elaboração e a instituição de projetos especiais para os países menos desenvolvidos e o tratamento aos litígios comerciais regionais. A sede da Secretaria está baseada em Georgetown, Guiana.
Em 2001, os chefes de governo assinaram um Tratado de Revisão de Chaguaramas. Parte do tratado revisto inclui a criação e implementação do Tribunal de Justiça do Caribe. Desde 2013, a CARICOM, está vinculada à Comissão Europeia, através de um Acordo de Parceria Econômica, assinado em 2008. O tratado concede a todos os membros da União Europeia e CARICOM direitos iguais em termos de comércio e investimento.
Entretanto, os progressos internos da CARICOM têm sido bastante tímidos, dadas as limitações dessas economias regionais.
IV-CONCLUSÕES
i. Como assinalamos, os processos de integração da América do Sul e da América Latina foram historicamente insuficientes e inconclusos. Prevaleceram, em nossa história, as forças que determinaram o afastamento entre as nações latinas e as relações de dependência com as diversas metrópoles.
ii. Tal situação só começou a mudar de forma efetiva com retorno da democracia à região e, principalmente, com o relativo colapso do paradigma neoliberal no subcontinente. Tal colapso levou ao questionamento das políticas externas centradas nas relações bilaterais com a única superpotência e ao direcionamento da geopolítica regional para a integração e a criação de sinergias entre os países.
iii. Ademais, as mudanças ocorridas na geoeconomia mundial, que levaram à ascensão de novas potências mundiais, como a China, e ao aumento dos preços de muitas commodities, criaram um quadro internacional favorável à diversificação das relações comerciais e políticas.
iv. Nesse novo contexto regional e mundial, foram criadas condições objetivas, econômicas e políticas, para o aprofundamento e a consolidação dos antes precários processos de integração.
v. No caso específico do Brasil e do MERCOSUL, fez-se um esforço considerável, nos últimos 10 anos, para fazer avançar a integração. Foram criadas instituições importantes, como o Focem, fundo destinado ao combate às assimetrias regionais, e o Parlamento do Mercosul, ente político que se propõe embasar o processo de integração nos interesses da cidadania.
vi. Assim, esse esforço destinou-se, em alguma medida, ao combate às insuficiências do bloco, que antes estava demasiadamente concentrado na abertura comercial e econômica, ao sabor dos interesses hegemônicos dos mercados.
vii. Constata-se, por outro lado, que há países, como o Chile, a Colômbia e o México, por exemplo, que, embora tenham aprofundado seus laços com as nações do subcontinente, continuam apostando na integração à “globalização” e às economias mais avançadas, como forma de aceder ao desenvolvimento e à “modernidade”.
viii. Na realidade, as forças políticas conservadoras da região, inclusive as brasileiras, sempre foram muito céticas, em relação às potencialidades dos processos de integração regionais. Conforme a visão dominante, no âmbito dessas forças, a integração regional é apenas um complemento da integração que tem maior potencial: a integração com as economias mais desenvolvidas.
ix. Nesse sentido,essas forças conservadoras sempre apregoaram que o Mercosul e os demais processos de integração regionais deveriam limitar-se à configuração de áreasde livre comércio. A união aduaneira, que implica negociação conjunta de acordos comerciais e a defesa do mercado regional para produtos produzidos no subcontinente, foi, assim, normalmente encarada como um empecilho para a integração mais estreita com a economia mundial. As exceções, entre as forças conservadoras, a essa visão tangem aos setores produtivos que têm receio a uma exposição destrutiva das indústrias muito competitivas das economias avançadas. No caso do Brasil, tais setores são mais numerosos e significativos do que os de outros países da região.
x. Obviamente, sem a união aduaneira, a dimensão da livre circulação de trabalhadores, a construção de entidades supranacionais, inclusive o parlamento, e a criação de uma cidadania comum não fazem o menor sentido. Numa área de livre comércio, não há racionalidade política para essas construções, já que, nesse caso, a racionalidade da integração é dada exclusivamente pelos mercados.
xi. Em contraste, as forças progressistas da região sempre foram mais favoráveis, de um modo geral, à integração regional mais ampla. Não apenas das economias, mas das sociedades e das culturas.
xii. Nesse outro contexto, a integração regional é vista como uma oportunidade para que os países do subcontinente, acumulando forças e sinergias, possam se integrar à economia mundial, de forma bem mais vantajosa. Assim, a integração regional seria um mecanismo para a redução das assimetrias em escala mundial e para a aceleração do desenvolvimento local.
xiii. Isso implica, necessariamente, o combate às assimetrias internas e regionais, uma vez que não faz sentido reduzir as diferenças entre o bloco regional e as grandes economias mundiais, se há manutenção ou aprofundamento das assimetrias internas. A estratégia da construção de verdadeiros blocos regionais, como forma de alavancar o desenvolvimento, significa, portanto, o combate à criação de uma relação centro-periferia no interior do bloco, principalmente com a integração das cadeias produtivas regionais.
xiv. No entanto, esse processo econômico teria de ser complementado por um esforço político de construção de instituições supranacionais e, sobretudo, de criação de uma cidadania comum. Cada cidadão, independentemente de sua nacionalidade, tem de se sentir real beneficiário e condutor último da integração. Desse modo, a lógica da integração poderá transcender os interesses imediatos e mutáveis dos mercados.
xv. Essa função primordial da criação de uma cidadania comum caberia essencialmente aos parlamentos regionais. Por conseguinte, o Parlamento do Mercosul é peça chave para a consolidação desse bloco regional, nos termos desejados pelas forças progressistas da região.
xvi. O dilema da integração regional é claro: ou criamos uma integração embasada na cidadania, que combata as assimetrias e as desigualdades regionais e locais, ou sucumbiremos às pressões para configurar meras áreas de livre comércio, que aprofundarão as assimetrias regionais e locais e que não terão êxito na redução das assimetrias mundiais.
xvii. Ultimamente, ressalte-se, essas pressões vem ressurgindo com força, inclusive no Brasil. Até mesmo setores ligados à indústria nacional, outrora temerosos da concorrência mundial, agora mudaram de discurso e dizem desejar acordos de livre comércio com os EUA e a UE, independentemente dos demais parceiros do Mercosul, como forma de reverter sua crescente exclusão das “cadeias produtivas mundiais”. A Aliança do Pacífico, embora não tenha nenhum significado real em termos comerciais e econômicos, representa nova aposta política e simbólica na pseudointegração pelo livre comércio.
xviii. Caso a recessão mundial passe a afetar mais intensamente a nossa região, a possibilidade de reversão do esforço integrador recente seria concreta e verdadeiramente ameaçadora.
xix. Portanto, precisamos avançar mais rapidamente e dar um salto de qualidade na integração regional, particularmente no Mercosul.
xx. É imprescindível que todas as forças progressistas da região passem atuar de forma mais concatenada e incisiva em todas as instituições regionais relevantes.
xxi. No Mercosul, em particular, é necessário que o bloco parlamentar progressista, já articulado no Parlasur, inicie o debate e faça aprovar projetos e anteprojetos que conduzam à criação de uma legislação harmônica destinada a beneficiar concretamente os cidadãos de todos os Estados Partes.
xxii. Ademais, deve-se aproveitar esse foro privilegiado, além de outros, para denunciar as ameaças ao bloco e mostrar, num debate amplo e democrático com as sociedades de todos os países, os avanços reais obtidos e os progressos que ainda estariam por vir, caso persistamos na mesma estratégia de integração.
xxiii. Em outro âmbito, devem ser redobrados os esforços para expandir regionalmente o Mercosul e para acelerar as negociações com terceiros países e blocos econômicos, sempre de forma conjunta, de forma a demonstrar o dinamismo do bloco.
xxiv. Last but not least, é preciso mencionar, como crucial, a realização, o quanto antes possível, de eleições diretas para o Parlasul no Brasil, na Argentina e no Uruguai, de modo a consolidar definitivamente esse parlamento, ainda dominado por uma lógica de representação nacional em sua atuação.
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