Elementos sobre a conjuntura brasileira

Bolsonaro abriu uma cruzada pelo voto impresso e contra as urnas eletrônicas, em uma manobra para tirar o foco das denúncias da CPI e da deterioração das condições de vida da população pela situação econômica.

27/09/2021
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I. Fatores para a mudança na conjuntura

 

1. A tragédia da pandemia de coronavírus, com uma média de 600 mortos por dia, ainda atravessa a conjuntura, com impacto na vida das pessoas, na intensidade da atividade econômica, nas discussões no Congresso, no Judiciário e na atuação das forças populares, mas avança a flexibilização do isolamento social com o avanço da vacinação e a queda dos casos de contaminados e mortos.



2. A retomada dos direitos políticos do Lula, que recolocou a esquerda no jogo eleitoral com a perspectiva de retomar o governo federal, alterou a conjuntura e tem impacto na correlação de forças. Lula passou a exercer seu papel de maior liderança da oposição ao governo Bolsonaro, deu maior unidade ao campo progressista, atraiu setores do centro e abriu um canal de diálogo direto com o povo brasileiro.


3. O desgaste e perda de apoio na sociedade permanente do Bolsonaro. O marco é a instalação da CPI da pandemia de Covid-19 no Senado, que tem imposto um desgaste permanente com a exposição da postura irresponsável na pandemia em com a estratégia da imunidade de rebanho e a demora para a compra das vacinas. Mais um elemento é a deterioração das condições de vida da população, com o desemprego, subemprego, queda da renda e aumento da inflação de produtos básicos de consumo, como alimentos, gás de cozinha, gasolina e conta de luz.



4. As manifestações de rua por “Fora Bolsonaro” consolidaram a mudança na conjuntura, colocando as forças populares com protagonismo na cena política. A participação é majoritária dos setores médios, da juventude estudantil e das direções das organizações da classe trabalhadora.



II. Reaçoes do Bolsonaro

1. Foram realizadas duas reformas ministeriais para dar mais espaço para o chamado “centrão”, a direita fisiológica, para conferir maior estabilidade ao governo na Câmara dos Deputados e bloquear a abertura de um pedido de impeachment e avançar com projetos de interesse.



2. Bolsonaro abriu uma cruzada pelo voto impresso e contra as urnas eletrônicas, em uma manobra para tirar o foco das denúncias da CPI e da deterioração das condições de vida da população pela situação econômica.  Ao questionar o sistema eleitoral e colocar em xeque o sufrágio universal, incidiu sobre as Forças Armadas, que têm muito apelo nesse tema. Colocou as artilharias contra o STF e o TSE. Com o clima de ameaça permanente, acabou criando um certo "equilíbrio" de forças, mas se colocando numa posição de ataque, nos moldes da operação atípica dos governos de extrema-direita pelo mundo. Nesse sentido, passamos pelo  aprofundamento da crise institucional, especialmente com as manifestações das Forças Armadas (seja do ministro da Defesa como das forças), o desfile militar no dia da votação do voto impresso na Câmara e a confrontação aberta com o STF, com o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes.

 

III. Os atos de rua



1. Manifestação em defesa do Bolsonaro no 7 de setembro: demonstração de apoio a um governo em uma situação de desgaste permanente. Os discursos do presidente contra a democracia e o STF geraram uma reação da sociedade. A carta redigida pelo Temer desarmou a “bomba relógio” e inaugurou um período de maior estabilidade política institucional. Abre-se a possibilidade de que foi feito um acordo político, uma espécie de armistício, que não se conhece os termos.


2. Manifestação das forças populares no 7 de setembro:  demonstração de coragem e firmeza diante do medo criado pelo clima de terror dos protestos bolsonaristas, apontando a disposição para enfrentar um horizonte para a conjuntura de polarização e conflito nas ruas. As manifestações demarcaram a polarização das forças populares com a corrente neofascista, que se insurge contra a democracia.



3. Manifestação da “terceira via” (direita não-bolsonarista) no 12 de setembro: demonstração de fraqueza para expressar uma força de massas. Esse campo não tem um programa claramente diferente do Bolsonaro, não tem unidade entre os partidos, lideranças e parlamentares e não tem uma liderança capaz de dar coesão.



IV. Apostas, tendências e possibilidades para os três campos


A. Apostas do Bolsonaro



1. Neutralizar a reação das instituições, especialmente do STF, ao seu governo. Blindar o cargo, a família e os esquemas em que estão envolvidos.



2. Manter a coesão com o centrão para construir uma base no Congresso e desenhar uma aliança político-eleitoral para 2022. Apoiar medidas que beneficiem o centrão, como as medidas de mudanças na legislação, aprovação de projetos.



3. Manter a coesão do seu campo de apoio ampliado, na base dos 30%, para impedir o crescimento da tal terceira via. Esse campo se movimenta, sobretudo, pelas pautas mais ideológicas, mais “bolsonaristas”.



4. Avançar com o programa neoliberal no Congresso, com privatizações e reformas para atender o interesse do grande capital.



5. Medidas para a retomada da atividade econômica, com o processo de reabertura com o controle da pandemia, aumentar o investimento público, criar um novo programa social (Auxílio Brasil).



6. Manter as instituições sob pressão permanente, ameaça e medo com a estratégia de descrédito do regime democrático, sombreamento com as Forças Armadas, para deslegitimar uma derrota eleitoral (no mínimo) ou tentar alguma manobra golpista (estado de defesa, estado de sítio ou algo “a la Trump”), usando o fantasma do Lula.



B. Apostas da “Terceira Via” (a burguesia que se separou de Bolsonaro depois de elege-lo)



1. Desgastar ao máximo o Bolsonaro para impedir que esteja forte para subordinar as forças de direita nao-bolsonaristas e impor sua candidatura em 2022.



2. Impedir o avanço do projeto autoritário do Bolsonaro que ameaça o campo neoliberal no Congresso, nas instituições e nos meios de comunicação.



3. Apoiar o avanço do programa neoliberal para disputar o grande capital com o Bolsonaro, denunciando os limites da política do governo e os problemas causados pela instabilidade institucional.



4. Enfrentar os retrocessos na área dos costumes, da cultura, da ciência e tecnologia para disputar com a esquerda a referência sobre esses setores.



5. Construir a ideia da polarização entre radicais que possa recolocar a terceira via como uma alternativa para pacificar o país, criando insegurança em relação ao programa do Lula.



6. Consolidar a unidade da direita não bolsonarista, discutir um programa e definir um candidato que tenha condições de liderar esse campo e ser competitivo em 2022.


C. Desafios da esquerda



1. Avançar com a luta pelo “Fora Bolsonaro” como uma forma de incidir na luta política para mudar a correlação de forças, que possibilite abrir uma contra-ofensiva, ou para enfraquecê-lo na disputa do próximo ano.



2. Manter a agenda de mobilização de rua, que conseguiu colocar em movimento um segmento dos setores médios, a juventude estudantil e militância das organizações da classe trabalhadora e cuidar para não desgastar o instrumento.



3. Articular amplos setores em defesa da democracia e das eleições de 2022 para garantir que quem vencer seja respeitado, para neutralizar qualquer manobra para deslegitimar ou desrespeitar o resultado das urnas.



4. Enfrentar o avanço do programa neoliberal, denunciando que o governo Bolsonaro e os partidos que defendem uma 3ª via têm o mesmo projeto de retirada de direitos e privatizações para o país.



5. Construir uma grande unidade das forças progressistas e constituir polo político social para sustentar a candidatura do Lula, com uma campanha popular que acumule forças para garantir a posse e governar com um programa de emergência para enfrentar a crise.

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/213935?language=en

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