Cooperação China-África e a Rota da Seda Digital

A articulação da Rota da Seda Digital se dá em meio às disputas internacionais envolvendo Estados Unidos e China com relação à instalação da tecnologia 5G.

31/05/2021
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Sendo o segundo continente mais populoso do mundo, com expressivos índices de crescimento na última década, a África ocupa um lugar estratégico para o projeto de ascensão da China no cenário internacional. Talvez o principal exemplo seja a importância do continente para a Nova Rota da Seda (também conhecida como Iniciativa do Cinturão e Rota ou Um Cinturão, Uma Rota). Divulgado em 2013 pelo governo chinês, o projeto tem como objetivo estabelecer ligações entre os principais mercados do Oriente Médio, Ásia Central e África.

 

Alguns países africanos têm um papel fundamental no projeto, como o Egito (por conta do Canal de Suez) e o Djibuti (estrategicamente localizado entre Suez e o estreito de Bab-el-Mandeb, duas das maiores rotas de petróleo do mundo). Há diversos investimentos em infraestrutura no continente, como portos, ferrovias, rodovias, aeroportos, refinarias de petróleo, e até mesmo presença militar (em 2017, a China inaugurou no Djibuti sua primeira base militar fora do território nacional).

 

 

Entre tantos empreendimentos, destaca-se a Rota da Seda Digital, isto é, a instalação de centros de processamento de dados e de cabos de fibra óptica terrestres e submarinos (responsáveis pelo transporte de dados virtuais). Empresas chinesas como a Huawei também vêm firmando parcerias para a adoção de novas tecnologias e sistemas de inteligência por governos locais, especialmente nas áreas de sustentabilidade, energia, comunicação e segurança - o que vendo sendo chamado de “Smart City Initiatives”[1].

 

Continente mais rural do mundo (apenas 40% da população da África Subsaariana vive em cidades), a África tende a sofrer um intenso processo de urbanização nas próximas décadas. Diversos países vêm enxergando o conceito de “cidade inteligente” como uma alternativa para evitar o crescimento urbano desordenado[2]. O uso das tecnologias da informação pela administração pública permite melhorias na gestão do trânsito, da segurança, da saúde e demais serviços. A tecnologia 5G e os centros de processamento de dados, responsáveis pelo armazenamento e integração das informações, são fundamentais para a criação de sistemas de inteligência governamentais[3].

 

 

A Rota da Seda Digital inclui também a construção do Peace Cable, cujo objetivo é transportar dados por cabos submarinos da Europa (sul da França) até o Paquistão, e, a partir deste, por via terrestre até a China. A África é parte central do projeto. Liderado pela Huawei e a Hengtong Optic-Eletric Co., duas das maiores fabricantes de fibra óptica da China, o empreendimento prevê a construção de 15000 km de extensão, sendo 7500 milhas de oceano da França ao Paquistão. A fabricação dos cabos já foi iniciada e o primeiro carregamento para instalação ocorreu no fim do ano passado na França, de acordo com o site do consórcio[4].

 

Em 2019, a China, através de empresas estatais e privadas, se tornou ponto de desembarque, proprietária ou fornecedora de 11,4% dos cabos submarinos do mundo, segundo estudo do Institute of Peace and Conflict Studies e do Leiden Asia Center. A previsão é de que essa proporção cresça para 20% entre 2025 e 2030[5].

 

A articulação da Rota da Seda Digital se dá em meio às disputas internacionais envolvendo Estados Unidos e China com relação à instalação da tecnologia 5G. É importante ressaltar que o 5G envolve não só a transmissão de dados por operadoras de telefonia móvel, mas também o desenvolvimento de sistemas de inteligência, como os projetos de “Smart Cities”. O principal discurso fomentado contra a Huawei é de que esta, embora seja uma empresa privada, poderia fornecer seus dados para o governo chinês. Os Estados Unidos têm pressionado países aliados a não aderirem à instalação do 5G com a empresa chinesa. Nos últimos anos, países como Austrália, Nova Zelândia, Japão e Reino Unido decidiram excluir a Huawei de tratativas sobre o 5G em seus territórios[6].

 

Na África, a ofensiva estadunidense tem encontrado mais dificuldades. Além das relações diplomáticas já muito consolidadas entre a China e os países africanos, a Huawei também oferece importantes contrapartidas – dos financiamentos do governo chinês[7] às parcerias da empresa com governos locais, em projetos que envolvem treinamento, capacitação e oportunidades de emprego[8]. Além disso, o custo de um eventual banimento (com retirada e substituição dos equipamentos da Huawei de todas as redes) seria altíssimo. A Safaricom, principal empresa do ramo no Quênia, chegou a interromper o trabalho com a Huawei em janeiro de 2021, mas voltou atrás dois meses depois[9].

 

Após se consolidar como liderança na cooperação para o enfrentamento à Covid-19 na África, a China vem avançando em suas relações com o continente. Os Estados Unidos terão que fazer bem mais do que simplesmente apostar em uma retórica “anti-China” para disputar espaço na região.

 

- Leonardo Rocha Lupi, graduado em Jornalismo/Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do Núcleo de Geopolítica, Integração Regional e Sistema Mundial (GIS-UFRJ).

leonardo.rocha.lupi@gmail.com

 

 
https://www.alainet.org/pt/articulo/212448?language=es

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