Multilateralismo em movimento, face à pandemia de Covid-19

A pandemia demonstrou as consequências do subinvestimento crônico em saúde pública.

29/12/2020
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Multilateralismo
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Diante da evolução sem tréguas da Covid-19 no segundo semestre de 2020, a 75ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) decidiu, por meio da Resolução A/RES/75/4[3], convocar uma Sessão Especial em resposta à pandemia, que se realizará nos dias 3 e 4 de dezembro, de 2020, no nível de chefes de Estado ou de Governo.

 

A Carta das Nações Unidas estabelece que a Assembleia Geral reunir-se-á em sessões ordinárias, anuais, ou em sessões especiais exigidas pelas circunstâncias de momento. Desde a criação das Nações Unidas, em 1945, realizaram-se apenas 30 sessões especiais, a primeira, em abril de 1947, convocada para tratar da questão da Palestina, também objeto da segunda, realizada em abril de 1948. Os temas das sessões especiais cobrem amplo espectro e revelam um pouco da história das relações internacionais[4]: Desarmamento, Desenvolvimento, Apartheid, Nova Ordem Econômica Internacional, Abuso de Drogas, Mulher, Habitat II, Comemoração dos 60 anos da liberação dos campos de concentração nazistas, bem como a histórica 26ª Sessão sobre o HIV/AIDS, em 2001 – foram objeto de sessões especiais. Sobre essa última, caberia deixar registrado que, pela primeira vez, um tema de saúde transcendia o espaço da OMS para merecer a atenção de chefes de Estado e de Governo e chanceleres no âmbito da AGNU. O tema da saúde voltaria a ser incluído na agenda da 63ª sessão AGNU, em 2008, e sucessivamente desde então.

 

A sessão especial sobre Covid-19 consistirá em: i) segmento de abertura; ii) debate geral; iii) apresentação e diálogo interativo do diretor geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) com as entidades do sistema Nações Unidas e partes interessadas e a sociedade civil, a respeito dos esforços de coordenação entre as agências na busca de respostas à Covid-19 e aos seus impactos; e iv) segmento de encerramento.

 

Como se recordará, o presidente do Azerbaijão, na qualidade de representante do Movimento dos Não Alinhados, telefonou ao secretário-geral das Nações Unidas, no início de julho, para propor a sessão especial sobre Covid-19. No final de junho, contabilizavam-se no mundo aproximadamente 10 milhões de infectados e mais de 500 mil óbitos. Quando escrevemos estas linhas, o número de infectados se aproxima de 60 milhões e o de óbitos chegam perto de 1,5 milhão. Com a explosão desses números em cinco meses, não se pode dizer que a decisão de realizar uma sessão especial da AGNU sobre Covid-19 tenha sido precipitada.

 

No segmento de abertura, farão intervenção o presidente da AGNU, embaixador Volkan Bozkir, representante permanente da Turquia junto às Nações Unidas; o secretário-geral da Organização, Antônio Guterres, em duplo papel também como presidente do Conselho Diretor de Coordenação dos Chefes Executivos do Sistema Nações Unidas; o Presidente do Conselho Econômico e Social (Ecosoc), embaixador Munir Akram, representante permanente do Paquistão junto às Nações Unidas; o futuro[5] presidente do Conselho de Segurança, embaixador Jerry Matjila, representante permanente da África do Sul junto às Nações Unidas; e o presidente do Movimento de Países Não Alinhados, Ilham Aliyev, presidente do Azerbaijão.

 

Sobre a intervenção deste último na sessão especial – que se poderia supor estar destinada a controlar o avanço da pandemia e tentar minorar o sofrimento que causa o seu impacto em todo mundo – cabe registrar que o mesmo celebrou recentemente, em termos marcadamente cruéis, vitória no último episódio da guerra contra a Armênia. Segundo o Presidente Vladimir Putin[6], da Rússia, que impôs o fim das hostilidades e um acordo de paz naquela região, o número de mortos ascenderia a mais de 5 mil, marca ainda mais impressionante por ter ocorrido em apenas 45 dias.

 

O debate geral, à semelhança daquele que se realiza nas sessões ordinárias, será reservado às intervenções previamente gravadas dos chefes de Estado e de Governo, que terão apenas cinco minutos para anunciarem de que maneira estão contribuindo para reverter os impactos da pandemia nos respectivos países.

 

O pano de fundo da 31ª sessão especial consiste na resposta ampla do sistema das Nações Unidas à Covid-19[7]. Como se sabe, essa resposta apoia-se em três pilares: i) sanitária; ii) humanitária; iii) retomada. O primeiro pilar refere-se à ampla coordenação necessária para que os serviços de saúde sejam fortalecidos para atender à demanda criada pela pandemia. O segundo relaciona-se à necessidade imediata de atender aos múltiplos impactos da pandemia sobre segmentos vulneráveis da população mundial, que incluem o aumento da pobreza, da fome, da deterioração generalizada das condições sociais, entre outros. Não é preciso insistir que esse quadro é fértil para outras crises sanitárias, bem como para a viabilidade de projetos de recuperação. O terceiro pilar é o da matriz de onde sairão as transformações para o período pós-Covid e a definição para o novo normal.

 

O primeiro pilar é de responsabilidade da OMS, a que cabe o esforço de coordenar os esforços para a adequação da resposta dos serviços de saúde em escala global. O segundo pilar é objeto do Plano de Resposta Humanitária Global à Covid-19, iniciativa das Nações Unidas, conduzida pelas agências do sistema, em colaboração com autoridades locais e parcerias internacionais. Em complemento à resposta humanitária, as Nações Unidas desenvolveram um quadro global de referência para a imediata resposta socioeconômica à pandemia. O Fundo de Resposta à Covid-19 e para a Recuperação, exemplo de iniciativa que emana daquele segundo pilar, reúne mais de cem escritórios nacionais do sistema das Nações Unidas trabalhando em sintonia com governos para as necessidades específicas dos países envolvidos.

 

Outras iniciativas que resultam desse segundo pilar são o pedido do secretário-geral por um cessar-fogo global, a ideia de financiamento para o desenvolvimento na era da Covid-19, a divulgação de informes sobre diferentes aspectos da pandemia para ajudar na tomada de decisão, e uma plataforma digital para sobrepor-se a desinformação on-line. O terceiro pilar é o que deve sustentar todos os esforços para as soluções de saída que nada mais são do que os princípios e os objetivos acordados na Agenda 2030 e os ODSs, verdadeiros instrumentos de consenso para o desenvolvimento.

 

Ao considerar os três pilares que sustentam a resposta do sistema das Nações Unidas à Covid-19 é interessante observar que os mesmos apontam para soluções multilaterais, onde não há espaço para aventuras nacionais isolacionistas, apoiadas em veleidades de soberania há muito atropeladas pelas circunstâncias históricas da globalização. A realidade que nos toca viver é a globalização dos temas: a saúde é global, o meio ambiente é global, a economia é global, a política é global. Nenhum país pode agir de modo a ignorar a sua pertença à comunidade de nações. Nenhum país pode agir de modo a crer que o planeta terra divide-se em soberanias nacionais.

 

Com respeito à apresentação do diretor geral da OMS e ao diálogo interativo que seguirá com as entidades do sistema das Nações Unidas e com as partes interessadas, caberia esclarecer que essas últimas são integradas por fundações privadas, bem como ONGs e sociedade civil organizada. Nesse contexto, grupo de entidades da sociedade civil encaminhou carta ao presidente da AGNU na qual menciona o papel crucial da sociedade civil no enfretamento da grave crise humanitária causada pela Covid-19 e solicita participação no evento. Pelas regras de procedimento da AGNU, o Ecosoc, em consulta e com a aprovação dos Estados membros, pode convidar representantes de ONGs e da sociedade civil organizada a participar das sessões especiais. A dificuldade reside no tempo alocado para as intervenções naquele segmento. É evidente que terão prioridade as entidades do sistema Nações Unidas, bem como os stakeholders, representados pelas fundações privadas, que trarão certamente informações sobre o avanço dos planos para financiamento das vacinas, bem como para a logística de sua distribuição.

 

A Resolução A/RES/75/4 estabelece que a sociedade civil poderá fazer uso da palavra se houver tempo. Não se sabe se o pleito dos representantes da sociedade civil será aceito pelos Estados membros, nem, caso aceitem, se terão tempo alocado para fazer uso da palavra.

 

Será ademais interessante acompanhar a apresentação do diretor geral da OMS, Tedros Adhanom, que na retomada[8] da 73ª sessão da Assembleia Mundial da Saúde, fez dura crítica aos que não contribuem para a solução do problema. Em linguagem clara disse: “Podemos estar cansados da Covid-19, mas ela não está cansada de nós (…) ela se alimenta dos que estão mais fracos, mas também de outras fraquezas: desigualdade, divisão, negação, pensamento ilusório e ignorância voluntária”. Para enfatizar que não há solução unilateral, que não tome em consideração a necessidade de união de todos, expressado nas fórmulas all-of-government e all-of-society que, por sua vez, implicam o desdobramento da mais ampla cooperação, solidária e generosa, Tedros continuou a crítica contra a miopia irresponsável de alguns países da seguinte maneira: “A onda de nacionalismo e do isolacionismo mal orientado corroeram o senso de propósito comum”, para em seguida dar os parabéns ao presidente eleito dos EUA, Joe Biden, e à vice, Kamala Harris.

 

A resolução A/RES/75/4 recorda em sua parte preambular as quatro resoluções adotadas pela 74ª sessão da AGNU[9]. Como se recordará, apenas uma daquelas quatro resoluções contemplava todos os aspectos da pandemia: a A/RES/74/306. Ademais de fazer referência a múltiplos acordos concluídos, à Agenda 2030, ao Acordo de Paris sobre mudança climática, que sugerem a concordância de ação conjunta sobre assuntos que não podem ser conduzidos sem a união de todos em benefício do bem comum, aquela resolução é a única que recorda a faculdade que têm os Estados membros de lançar mão de todas as flexibilidades possíveis para garantir aos seus respetivos povos todo o conjunto de produtos de saúde para o tratamento da Covid-19. Essa resolução foi adotada pela 74ª sessão, encerrada em 13 de setembro, praticamente ao apagar de luzes. O texto dessa resolução, é bom recordar, vinha sendo discutido desde o mês de junho. Especular sobre a demora, bem como sobre a necessidade de convocar a sessão especial, não irá contribuir para o que interessa, que é controlar e minorar o sofrimento causado pela pandemia, mas pode servir de lição para o que pode vir pela frente.

 

É claro que a expectativa global pelas decisões que tomarão os chefes de Estado é enorme; podemos permanecer numa postura multilateral quase expectante ou partir para ações mundiais cooperativas e coordenadas quanto à Covid-19 e o período pós-pandemia.

 

Sobre o segundo segmento da 73ª. Assembleia Mundial de Saúde (AMS)

 

O segundo segmento da 73ª Assembleia Mundial de Saúde (AMS)[10],[11], realizado de forma virtual de 9 a 13 de novembro de 2020, iniciou com mensagens de otimismo e de esperança em relação ao quadro sociopolítico global e aos avanços em relação ao controle da pandemia. Ainda assim, esteve muito presente durante toda a sessão uma mensagem de cautela e o alerta de que devem ser mantidas as medidas preventivas recomendadas, pois vários países ainda não as estão adotando em sua plenitude.

 

Ao final da Assembleia, e ao se iniciar a sessão do Comitê Executivo da OMS, em 16 de novembro, presidido pelo ministro da Saúde e Bem-Estar Familiar da Índia, Harsh Vardhan, o diretor da OMS mencionou as resoluções adotadas pela 73ª AMS sobre preparação de emergência, meningite, doenças tropicais negligenciadas, epilepsia e outros distúrbios neurológicos, imunização, câncer do colo do útero, tuberculose, envelhecimento saudável, inovação e propriedade intelectual, cuidados oculares e segurança alimentar, além de declarar 2021 o Ano Internacional do Trabalhador da Saúde. Ou seja, apesar de priorizar, a AMS não se restringiu a abordar a pandemia pela Covid-19, mas procurou também avançar a agenda global da saúde.

 

A OMS também lançou durante este segmento da 73ª AMS três novas iniciativas para fortalecer as capacidades nacionais e a OMS: a Revisão Universal de Saúde e Preparação[12]; o Conselho de Economia da Saúde para Todos[13]; e um novo biobanco para compartilhar patógenos e amostras clínicas[14]. Os conceitos dessas iniciativas estão em desenvolvimento e em breve serão difundidos aos Estados membros, assim como as formas de participação.

 

O DG reafirmou que, ainda que a pandemia tenha sido um retrocesso aos esforços coletivos para atingir as metas de “triplo bilhão”[15] e os ODSs, a OMS continua comprometida em apoiar os Estados membros a retomar o ritmo de trabalhos.

 

Durante a reunião foi destacado que os compromissos com o Acelerador de Ferramentas Covid-19[16] já atingiram mais de 5 bilhões de dólares. Sobre essa iniciativa e seu pilar Covax sobre vacinas[17], embora essenciais para controlar a pandemia, a vacina apenas irá complementar as demais ferramentas e não as substituir. A vacina inicialmente terá uma oferta limitada, e, para reduzir a mortalidade e manter os serviços essenciais, devem ser priorizados os trabalhadores da saúde e serviços essenciais, idosos e outras populações de alto risco.

 

Mesmo que, com a vacina, o vírus passe a ter menos espaço para se disseminar, as comunidades ainda precisarão estar mobilizadas pelos líderes e praticando as medidas não farmacêuticas de uso de máscaras, distanciamento espacial, lavagem de mãos, hábitos higiênicos e evitar aglomerações. A vigilância também deve continuar, com testes, identificação de casos, rastreamento de contatos, isolamento e cuidados clínicos adequados. Ainda temos um longo caminho a percorrer para quebrar as cadeias de transmissão e salvar vidas.

 

A resolução mais importante da 73ª AMS (WHA73.1)[18], aprovada em maio, foi sobre a resposta à Covid-19 e ressaltou a profunda preocupação com a morbidade e mortalidade causadas pela pandemia, os impactos negativos na saúde física e mental e no bem estar social, bem como nas economias e sociedades e a consequente exacerbação das desigualdades dentro e entre países. Sublinha a responsabilidade primária dos governos pela adoção e implementação de respostas à pandemia Covid-19. E, recordando o mandato constitucional da OMS de agir, entre outros, como a autoridade de direção e coordenação do trabalho internacional em saúde, assim como reconhecendo o papel fundamental da Organização na resposta mais ampla das Nações Unidas e a importância do fortalecimento da cooperação multilateral no enfrentamento da pandemia Covid-19 e seus extensos impactos negativos, solicitou várias ações aos Estados membros:

 

  • Colocar em prática uma resposta de todo o governo e de toda a sociedade, inclusive pela implementação de um plano de ação nacional, intersetorial de ações imediatas e de longo prazo;
  • Implementar planos de ação nacionais, com medidas abrangentes, proporcionais, vinculadas temporalmente, sensíveis à idade e gênero, em todos os setores governamentais, garantindo o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais e prestando especial atenção às necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade;
  • Garantir que as restrições à circulação de pessoas e de equipamentos e medicamentos médicos no contexto do Covid-19 sejam temporárias e específicas e que incluam exceções para a circulação de trabalhadores humanitários e de saúde;
  • Tomar medidas para apoiar o acesso à água segura, saneamento e higiene e prevenção e controle de infecções, particularmente em estabelecimentos de saúde;
  • Garantir, no contexto de alcançar a cobertura universal de saúde, o funcionamento contínuo do sistema de saúde no plano nacional e suas prioridades, com uma resposta efetiva à pandemia e outras doenças e epidemias em curso, como as doenças não transmissíveis, saúde mental, saúde materno-infantil e saúde sexual e reprodutiva – aqui, estaríamos falando no enfrentamento da sindemia;
  • Fornecer à população informações confiáveis e abrangentes sobre a Covid-19 e as medidas tomadas pelas autoridades em resposta à pandemia, aplicando-se no combate à desinformação, bem como atividades cibernéticas maliciosas, tudo isso englobado pelo conceito de infodemia;
  • Proporcionar acesso a testes seguros, tratamento e cuidados paliativos para a Covid-19, prestando especial atenção à proteção daqueles com condições de saúde preexistentes, idosos e outras pessoas em risco, como profissionais de saúde, e outros trabalhadores;
  • Fornecer aos profissionais de saúde, trabalhadores da saúde e outros trabalhadores de linha de frente acesso a equipamentos de proteção individual, treinamentos e apoio psicossocial;
  • Fornecer à OMS informações de saúde pública oportunas, precisas e suficientemente detalhadas relacionadas à pandemia Covid-19, conforme exigido pelo Regulamento Sanitário Internacional (2005);
  • Compartilhar conhecimentos, lições aprendidas, experiências, melhores práticas, dados, materiais com a OMS e outros países, conforme apropriado;
  • Fortalecer ações que envolvam a participação das mulheres em todas as etapas dos processos decisórios e integrar uma perspectiva de gênero na resposta e recuperação da Covid-19;
  • Fornecer financiamento sustentável à OMS para garantir que a Organização possa responder plenamente às necessidades de saúde pública na resposta global à Covid-19, não deixando ninguém para trás;

 

A resolução também pede às organizações internacionais e outras partes interessadas que apoiem os países na implementação de planos de ação nacionais multissetoriais, no fortalecimento de seus sistemas de saúde para responder à pandemia e na manutenção da prestação segura de todas as outras funções e serviços essenciais de saúde pública. Também solicita que as organizações trabalhem de forma colaborativa em todos os níveis para desenvolver, testar e escalar produção segura, eficaz, de qualidade, diagnósticos acessíveis, terapêuticas, medicamentos e vacinas para a resposta à Covid-19, incluindo, mecanismos existentes para a colaboração voluntária e o licenciamento de patentes, a fim de facilitar o acesso oportuno, equitativo e acessível, consistente com as disposições de tratados internacionais relevantes, incluindo as disposições do Acordo sobre Aspectos Relacionados ao Comércio de Direitos de Propriedade Intelectual (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights – Trips Agreement) e as flexibilidades contidas na Declaração de Doha sobre o Convênio Trips e a Saúde Pública (Flexibilities within the Doha Declaration on the Trips Agreement and Public Health).

 

Ao diretor-geral da OMS, a resolução pede que ele continue trabalhando com o secretário-geral das Nações Unidas e organizações multilaterais relevantes, incluindo as agências signatárias do Plano de ação global para vidas saudáveis e bem-estar para todos[19], em uma resposta abrangente e coordenada em todo o sistema das Nações Unidas para apoiar os Estados membros em suas respostas à pandemia Covid-19 em total cooperação com os governos. Em especial, solicita que continue a trabalhar em estreita colaboração com a Organização Mundial para a Saúde Animal (OIE), a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e os países, como parte da Saúde Única, visando identificar a fonte zoonótica do vírus e a rota de introdução à população humana.

 

A resolução também solicita que, no momento mais propicio e em consulta com os Estados membros, o DG continue a avaliação imparcial, independente e abrangente da resposta internacional coordenada pela OMS à Covid-19 – incluindo: (i) a eficácia dos mecanismos à disposição da OMS; (ii) o funcionamento do Regulamento Sanitário Internacional (2005) e o status de implementação das recomendações pertinentes dos Comitês de Revisão anteriores do IHR; (iii) a contribuição da OMS para os esforços em toda a Organização das Nações Unidas; e (iv) as ações da OMS e seus cronogramas relativos à pandemia – e fazer recomendações para melhorar a capacidade de prevenção, preparação e resposta pandêmica global, inclusive por meio do fortalecimento, conforme apropriado, do Programa de Emergências em Saúde da OMS.

 

A OMS anunciou a criação de um Conselho de Economia da Saúde para Todos[20], formado por economistas e especialistas em saúde, para colocar a Saúde para Todos no centro de como pensamos sobre a criação de valor e o crescimento econômico. O novo Conselho será presidido pela professora Mariana Mazzucato, da University College London, entendendo o investimento em saúde local e global como investimentos no futuro, não como um custo de curto prazo, o que poderia redundar em economias mais saudáveis, inclusivas e sustentáveis.

 

Referindo-se à iniciativa, Adhanom afirmou que a pandemia demonstrou as consequências do subinvestimento crônico em saúde pública e que não bastam mais investimentos, mas também repensar como a saúde é valorizada. Mazzucato insistiu em que “estamos vivendo múltiplas crises: econômica, climática e de saúde relacionadas. Se continuarmos consertando cada parte do sistema isoladamente, estaremos sempre um passo atrás. Mais importante será construir uma agenda econômica proativa de Saúde para Todos, moldando as economias para que realmente propiciem bem-estar e inclusão no centro de como se cria valor e como o medimos e distribuímos“.

 

A pandemia continua seu curso de difícil interpretação. A 75ª AGNU e a 73ª AMS mostraram alguns caminhos e os discursos foram de construir uma cooperação capaz de enfrentá-la com mais efetividade. O tempo dirá se se trata de mais um conjunto de declarações retóricas ou se as duras consequências em sofrimento, mortes e pobreza que a pandemia trouxe à sociedade global deixam lições transformadoras para a ação das políticas públicas.

 

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Nosso colega da Fiocruz João Aprígio Guerra de Almeida, coordenador da Rede Global de Bancos de Leite Humano (rBLH) do Brasil, recebeu da OMS, durante a Assembleia, o Prêmio Memorial Dr. Lee Jong-wook Memorial Prize for Public Health por seu trabalho de promoção do aleitamento materno no mundo. É com esta nota de puro júbilo e orgulho de ser Fiocruz que fechamos este artigo.

 

- Santiago Alcazar, Luiz Galvão e Paulo Buss – Pesquisadores do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris) da Fiocruz e do Centro Colaborador em Saúde Global e Cooperação Sul-Sul da OMS/Opas

 

 

[1] Special session of the General Assembly in response to the coronavirus disease (Covid-19) pandemic, A/RES/75/4, as adopted on 5 November 2020. Disponível em: https://undocs.org/en/A/RES/75/4

[2] United Nations Comprehensive Response to Covid-19: Saving Lives, Protecting Societies, Recovering Better. Disponível em: https://www.un.org/pga/75/wp-content/uploads/sites/100/2020/10/un_comprehensive_response_to_covid.pdf

[3] Special session of the General Assembly in response to the coronavirus disease (Covid-19) pandemic, A/RES/75/4, as adopted on 5 November 2020. Disponível em: https://undocs.org/en/A/RES/75/4

[4] A lista de todas as sessões especiais da AGNU pode ser acessada em https://www.un.org/en/ga/sessions/special.shtml

[5] A presidência do CS é ocupada por cada um dos membros do Conselho, por um mês, na sequência alfabética em inglês. Nesse caso, o último país a ocupar a presidência do CS em 2020 será a África do Sul.

[6] EUA, França e Rússia são copresidentes do Grupo de Minsk, criado pela Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE), em 1992, com vistas a estabelecer as condições de paz entre Armênia e Azerbaijão.

[7] United Nations Comprehensive Response to Covid-19: Saving Lives, Protecting Societies, Recovering Better. Disponível em: https://www.un.org/pga/75/wp-content/uploads/sites/100/2020/10/un_comprehensive_response_to_covid.pdf

[8] A 73ª sessão da AMS realizou-se nos dias 18 e 19 de maio, em modo de minimis. A sessão foi retomada no dia 9 de novembro, estendendo-se até o dia 16.

[9] RES 74/270, Solidariedade global para combater a Covid-19; RES 74/274, Cooperação internacional para garantir acesso a medicamentos, vacinas e equipamento médico para enfrentar a Covid-19; RES 74/306, Resposta compreensiva e coordenada para a pandemia do coronavírus; e RES 74/307, Resposta unida contra ameaças globais contra a saúde: combatendo a Covid-19.

[10] WHO, 73ª WHA Agenda, Doc. A73/1 Rev.2. Novembro 10, 2020. Disponível em: https://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/WHA73/A73_1Rev2-en.pdf

[11] WHO, 73ª WHA site. Disponível em: https://www.who.int/about/governance/world-health-assembly/seventy-third-world-health-assembly

[12] WHO. Director-General’s opening remarks on the Executive Board meeting 16 November 2020. Disponível em: https://www.who.int/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-on-the-executive-board-meeting-16-november-2020

[13] WHO. Press release. 13 novembro, 2020. Disponível em: https://www.who.int/news/item/13-11-2020-who-establishes-council-on-the-economics-of-health-for-all

[14] WHO. Director-General’s opening remarks on the Executive Board meeting 16 November 2020. Disponível em: https://www.who.int/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-on-the-executive-board-meeting-16-november-2020

[15] WHO. Invest in WHO. Genebra, 5/18. Disponível em: https://www.who.int/about-us/planning-finance-and-accountability/financing-campaign

[16] WHO. The Access to Covid-19 Tools (ACT) Accelerator. Genebra 2020. Disponível em:  https://www.who.int/initiatives/act-accelerator

[17] GAVI. The Covax explained. Genebra. 3/9/20. Disponível em: https://www.gavi.org/vaccineswork/covax-explained

[18] WHO. Resolution WHA73.1 COVID-19 response. Agenda item 3. 11/20. Disponível em: https://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/WHA73/A73_R1-en.pdf

[19] Ver: https://www.who.int/publications/i/item/9789241516433

[20] WHO. Press release. 13 novembro, 2020. Disponível em: https://www.who.int/news/item/13-11-2020-who-establishes-council-on-the-economics-of-health-for-all

 

29/12/2020

https://jornalggn.com.br/a-grande-crise/multilateralismo-em-movimento-face-a-pandemia-de-covid-19-por-santiago-alcazar-luiz-galvao-e-paulo-buss-2/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/210338?language=en
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