A bandeira anticorrupção conveniente à posição dos Estados Unidos na escala global
A bandeira anticorrupção levantada pelos Estados Unidos caracteriza as entranhas da Operação Lava Jato no Brasil.
- Opinión
Jornal GGN – A bandeira anticorrupção levantada pelos Estados Unidos caracteriza as entranhas da Operação Lava Jato no Brasil. Em entrevista ao jornalista Luis Nassif, para a série do GGN – Lava Jato Lado B -, o ex-ministro das Relações Exteriores durante os governos Lula, Celso Amorim, explica o impacto e os interesses da maior potência mundial na adesão dessa estrutura que atinge setores econômicos de diversos países, incluindo o Brasil.
O atentado às Torres Gêmeas foi um dos principais fatores sobre os moldes atuais do sistema de segurança dos Estados Unidos, incluindo a criação de Leis que ampliam seu poder sobre outros países, como abordado no episódio “Como os EUA montaram a estrutura anticorrupção que atingiu a Petrobras”.
Intimidado de forma Global pelo terrorismo, o Estado americano coloca o combate a corrupção como plano de fundo desse sistema que hoje tem influência sobre seu lugar na escala global. “O que o 11 de setembro acrescenta fortemente é a guerra contra terror, que tem uma dimensão ligada à corrupção, de certa maneira, por causa da lavagem de dinheiro”, explica Amorim.
Este modelo anticorrupção, que valida a Lava Jato no Brasil, desmonta setores econômicos nacionais, que podem ser convenientes para os americanos. ”O combate à corrupção, que pode levar inclusive a uma mudança de regime, é um aspecto central da estratégia de segurança nacional norte-americana. Antes era usado também, mas agora é usado de maneira mais sistemática. Combate à corrupção é uma coisa muito forte”, avalia o ex-ministro.
Para Amorim, no que envolve a relação entre EUA e Brasil, a bandeira anticorrupção é adotada de forma estratégica sobre a ameaça que os recursos nacionais podem representar ao protagonismo americano. “A Partir de 2008, 2009, havia uma visão de que o Brasil tinha crescido demais e era preciso cortar as asas. E aí, o que eles usam sempre, é a coisa da corrupção. É o que tem apelo popular, obviamente corrupção contra um presidente operário é uma coisa forte, principalmente para a classe média. (…) Acho que isso faz parte da estratégia norte-americana, mas sim do estado profundo norte-americano contra presidentes, propriamente”.
Confira, abaixo, a íntegra da entrevista que faz parte da série “Lava Jato Lado B – A influência dos EUA e a indústria do compliance.”
Luis Nassif (LN): Qual a mudança do conceito de segurança nacional nos EUA após 11 de setembro.
Celso Amorim (CA): Acho que há uma série de fatos históricos que vai mudando. O fim da Guerra fria faz mudar, a questão do comunismo deixa de ser central, é mais uma questão de geopolítica mais ampla. O que o 11 de setembro acrescenta fortemente é a guerra contra terror, que tem uma dimensão ligada à corrupção, de certa maneira, por causa da lavagem de dinheiro. Um das primeiras ações do Conselho de Segurança da ONU sobre lavagem de dinheiro tem a ver com terrorismo. Acho que a partir daí se expande mais e entra o interesse das empresas norte-americanas. Uma das óbvias vítimas da lava jato foi a engenharia brasileira. Hoje estava lendo que as empresas chilenas superaram o Brasil, o que é uma coisa impressionante, com todo o respeito, o Chile tem o mesmo PIB que o Paraná. Acho que a coisa foi tomando esse caráter, de ajudar a se livrar de governos inconvenientes. Mas isso já é depois do começo da Lava Jato. É colocado o combate à corrupção, que pode levar inclusive a uma mudança de regime, é um aspecto central da estratégia de segurança nacional norte-americana. Antes era usado também, mas agora é usado de maneira mais sistemática. Combate à corrupção é uma coisa muito forte.
LN: Tem um certo momento em que a diplomacia americana achava que o Brasil poderia ser um grande parceiro, um representante no cone sul. E a partir de certo momento, o Itamaraty assumiu dimensão de protagonista. Como foi essa liderança e o relacionamento com o departamento de Estado e a diplomacia norte-americana?
CA: Simplificando um pouco todas as coisas, entre os órgãos americanos existe muita interação, mas há muito conflito e às vezes certa defasagem. O departamento de Estado, no mais alto escalão, com quem lidamos diretamente, eles viam o Brasil com certo respeito, a atitude do Brasil. Até porque eles estavam muito engolfados no Iraque… Eles até admitiam que o Brasil pudesse ter um protagonismo.
Veja bem, a Unasul [União de Nações Sul-Americanas] que agora está sendo ultra atacada pela reação… enfim, não morreu porque legalmente ainda tem dois ou três países membros, mas é acusada de ser bolivariana. Mas na cúpula das Nações Unidas de 2009, o Obama [então presidente dos Estados Unidos] pediu para ter uma reunião com a Unasul, porque ele percebia que era uma maneira de ele ter diálogo também com a Venezuela sem ter que abrir um canal diretamente com a Venezuela e pagar um custo político lá dentro. Você tinha, ao mesmo tempo, o Brasil sendo convidado para reuniões sobre o oriente médio. Na América do Sul, havia um certo respeito.
Eu acho que [isso] é intolerável para os EUA – e aí há um estado profundo, que é guardião dessa ideia, eu acho – é intolerável que haja outra grande potência nas Américas. Isso é totalmente intolerável. Pode ter potência média, mas uma grande potência… É impossível para os EUA aceitar outra potência no hemisfério. Nós temos o pré-sal aqui, e tem uma política externa que tem várias consequências. Uma integração na América do Sul. Eu sempre cito uma capa da Economist que diz assim: não é mais o quintal de ninguém. Isso para o pensamento estratégico americano é impossível. Tem o pré-sal e tem os Brics. Além do interesse das multinacionais que é forte, mas além disso, acho que é questão de reserva estratégica.
Como fui ministro da Defesa, eu lembro que a Marinha tinha um lema que era pensar na guerra, porque você tem que pensar na hipótese. Não é porque você é bonzinho que ninguém vai brigar com você. Na segunda guerra mundial nós entramos assim.
Então você tem aqui grandes reservas de petróleo. Além do interesse econômico, você abre um canal de estratégias com os Brics, com China e Russia, que até hoje são os problemas centrais dos EUA. Acho que isso mexeu com o estado profundo.
Então tem a contradição de Obama, ao mesmo tempo convida Unasul para ser parceira e a partir de 2008, 2009, uma visão de que o Brasil tinha crescido demais e era preciso cortar as asas. E aí, o que eles usam sempre é a coisa da corrupção. É o que tem apelo popular, obviamente corrupção contra um presidente operário é uma coisa forte, principalmente para a classe média. É isso faz parte da estratégia norte-americana, mas sim do estado profundo norte-americano contra presidentes, propriamente.
LN: Sobre a espionagem da NSA, como você analisa o Brasil naquele momento?
CA: Acompanhei aquilo como ministro da Defesa, até o final do mandato de Dilma. Acho que o Brasil teve uma reação inicial boa. Isso refletiu em vários setores. Havia convite de um comandante militar que foi cancelado. Houve certa coordenação com outros países para resolução da ONU, que foi importante, mas no final o Obama nunca pediu desculpas. Pediu desculpas à Markel, mas à Dilma nunca pediu. Em termos de defesa, tínhamos criado um centro de defesa cibernética. Era oportunidade para ter novos recursos. Acho que teve uma certa consciência.
LN: Quando a Petrobras entra na mira do Departamento de Justiça, não havia espaço para ter um trabalho diplomático para poupá-la?
CA: Mas não entra na mira já no governo Temer? Ah, talvez houvesse. Confesso que eu não conhecia as exceções. Mas eles têm uma extraterritorialidade que permite tudo. EUA são uma potência essencialmente unilateralista. Por exemplo: eles aceitam decisões da Corte Interamericana de Justiça apenas se acham conveniente.
Não sei se faria muito diferença, não, porque se fizeram, eles fizeram com a conivência da Justiça brasileira. Os próprios procuradores e juízes davam as informações para eles. Aí é difícil. Se fosse conflito entre países… mas acho que é característica do que chamam de guerra híbrida é uma espécie de quinta coluna. As pessoas não perceberam que com essa batalha contra a corrupção, destruíram um setor do Brasil… É claro que tem que combater corrupção, mas da forma correta. Destruíram o setor de engenharia, BNDES, tudo isso criminalizado.
Eu imagino que se fosse embaixador no exterior e começasse uma conversa do governo com uma empresa brasileira, eu ia ficar longe. Eles ficam com medo.
LN: Pré-sal, empresas brasileiras fechando acordo nos EUA, interventor americano. Como explica?
Foram acordos feitos diretamente pela procuradoria ou pelos próprios juízes com eles. É totalmente absurda. O mais importante para eles é controle e a informação da Petrobras, e por isso devolveram uma parte da multa, porque o objetivo era compartilhar as informações.
LN: Em que momento se perdeu o conceito de interesse nacional?
CA: Acho que há oscilações. No governo militar, a gente pode não gostar disso, mas Geisel tinha noção de interesse nacional.
LN: As forças armadas tinham essa visão de interesse/projeto nacional. Em que momento se perdeu isso?
CA: Esse conceito das Forças Armadas como guardião do interesse nacional se desgastou. E acho que depois da redemocratização, eles começaram a ficar mais nas questões da corporação. (…) Eles têm uma visão positiva e estratégica, mas não sei. Talvez haja a visão atual de que a disputa entre China e EUA é inevitável, e que o Brasil tenha de ficar do lado dos EUA. Não sei. (…) Eles criaram a Embraer e agora deixam vender assim de forma absurda. (…) Os militares são essencialmente de classe média e se impressionam com corrupção, sempre tiveram resistência ao PT e um pé atrás com a classe operária. (…) Acho que aproveitam essa história de anticomunismo, associado à luta contra o PT e a corrupção.
11/02/2020
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