A economia chinesa e mundial frente ao coronavírus

05/02/2020
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Mais grave que aquela da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), que apareceu em 2003, a epidemia do coronavírus deve ter consequências maiores para o comércio internacional.

 

A reportagem é de Jean-Raphaël Chaponnière, publicada por Alternatives Économiques, 04-02-2020. A tradução é de André Langer.

 

A SARS apareceu em novembro de 2002 na província de Guangdong, onde, pela primeira vez, o vírus atravessou a barreira entre animais e humanos. As autoridades provinciais esperaram até fevereiro de 2003 para fazer um anúncio oficial em nível nacional, o alerta só foi dado em abril. Enquanto isso, bilhões de mensagens SMS referentes à SARS foram trocadas; o correspondente do Washington Post, John Pomfret, informou que, de 8 a 10 de fevereiro, a mensagem “há uma gripe fatal em Guandong” foi enviada 126 milhões de vezes a Cantão. A SARS chegou a Pequim em 5 de março e em abril o número de casos aumentou de 339 para mil em uma semana. No final do mês, mais de um milhão de pessoas (10% da população) tinham ido para a estação Oeste e fugido da capital.

 

Quando o alerta foi confirmado internacionalmente, a SARS foi apresentada como um supervírus comparável à Grande Peste, que dizimou metade da população europeia no final do século XIV. Felizmente, essas previsões não se realizaram. A epidemia teve três episódios – o de novembro de 2002 a junho de 2003, seguido de dois tremores secundários muito pequenos entre dezembro de 2003 e janeiro de 2004 e entre março e maio de 2004 – e o vírus desapareceu.

 

O balanço final foi de 8 mil casos e 778 mortes em todo o mundo. As primeiras estimativas das consequências econômicas foram alarmantes: e de acordo com as análises realizadas posteriormente, a SARS finalmente causaria perdas significativas (queda de 3 pontos no crescimento) no segundo trimestre de 2003, quando a epidemia estava no auge. Durante todo o ano, seu custo teria representado 1% do PIB. A SARS causou uma quebra na economia, que retomou seu curso e voltou a crescer mais de 10% até 2008.

 

Wuhan, a “Detroit chinesa”

 

No caso do coronavírus, as autoridades provinciais esperaram mais de um mês para reconhecer oficialmente a epidemia, depois anunciaram em 22 de janeiro medidas de isolamento da cidade de Wuhan, que foram implementadas dois dias depois. Enquanto isso, cinco milhões de habitantes deixaram a cidade para o feriado de Ano Novo...

 

Apesar do confinamento de quase 60 milhões de pessoas – uma medida sem precedentes –, a epidemia do coronavírus já é mais grave que a da SARS. Sua velocidade de propagação é mais rápida: com vários milhares de quilômetros de TGV, a China está mais conectada do que em 2003 e as férias ajudando, a epidemia se espalhou por todas as províncias e países vizinhos. De fato, a epidemia eclode em uma China muito diferente da SARS: a China é a segunda potência econômica do mundo, representando 16% do PIB mundial, em vez dos 4% em 2003. A China é mais rica, e seu crescimento, que não possui mais os mesmos motores, é muito menor (6% em 2019). Uma desaceleração que se explica menos pela guerra comercial em curso do que pelas medidas tomadas para combater a dívida, que aumentou acentuadamente desde 2008.

 

Situada no epicentro da epidemia, Wuhan é a capital da província de Hebei (4% do PIB). A “Detroit chinesa” é o lar da Renault, PSA, Nissan, Smart e Valéo e aí são fabricados tantos carros quanto na França. No curto prazo, o impacto da crise será limitado, pois as vendas de automóveis estão em declínio há vários meses. No entanto, a paralisação das subcontratadas desorganizou a indústria no país e fora dele. Já importante polo da indústria automotiva, Wuhan está se tornando um ator-chave no campo da eletrônica (telas, chips); é chamada a desempenhar um papel importante no programa Manufacturing 2025, que visa melhorar a qualidade dos produtos chineses.

 

Os outros dois setores diretamente afetados pelas medidas drásticas do governo são o transporte (4% do PIB) e o comércio varejista (7%). Se não há substituto para o deslocamento das pessoas, o comércio eletrônico representa uma alternativa para a frequentação de lojas e centros comerciais. Seu faturamento representa 36% do comércio varejista, uma porcentagem muito maior do que em muitos países, incluindo a França, onde é de 9%. Uma razão para limitar o impacto da epidemia nas vendas, mesmo se, os produtos adquiridos nos sítios ainda não sendo entregues por drones, sua entrega sofre o impacto das medidas de confinamento.

 

Qual é o impacto no consumo?

 

Entre 2003 e 2020, o aumento no consumo das famílias foi espetacular. No entanto, apesar do objetivo de reequilíbrio perseguido pelo Estado durante quinze anos, não apenas a parte do consumo no PIB não aumentou, mas foi reduzida de 42% para 39% em 2018. Por outro lado, a contribuição do consumo para o crescimento aumentou. Em 2003, dois anos depois de ingressar na OMC, as exportações estavam crescendo e, com o investimento, tiveram um crescimento de dois dígitos. Este não é mais o caso hoje. Desde 2017, a crise de crédito, adicionada às hostilidades sino-americanas, reduziu o crescimento para 6% no terceiro trimestre de 2019, a menor taxa nos últimos 27 anos. Esse crescimento não se baseia mais nas exportações, baseia-se menos nos investimentos e mais no consumo.

 

Nessas condições, assumindo que o coronavírus tenha o mesmo impacto que a SARS, suas consequências no crescimento podem ser quase duas vezes maiores. As primeiras estimativas apontam para uma queda no crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2020 de 2%, ano que marca o final do plano decenal que prevê a duplicação da renda per capita. O governo não hesitará em impulsionar a economia, estimulando-a a atingir esse objetivo.

 

Se, por outro lado, a crise for mais grave do que a da SARS, poderá modificar o comportamento das famílias, fazendo com que aumentem suas economias de precaução para garantir melhor sua saúde. Se confirmada, essa mudança reduzirá o crescimento da economia chinesa. O Estado poderia reagir aumentando a participação da saúde nos gastos orçamentários.

 

O turismo, um vetor de contágio econômico

 

Na época da SARS, o PIB chinês era o sexto do mundo, atrás do PIB francês, e as importações chinesas representavam 5% do total mundial. A China é agora o maior exportador e o maior importador do mundo: absorve um quarto das exportações mundiais. A China é mais pesada e está mais integrada à economia mundial através do comércio de serviços e bens.

 

O turismo é a principal cadeia de transmissão da epidemia para o exterior. Em 2003, 20 milhões de chineses passaram férias no exterior; entretanto, no ano passaram eles já eram 150 milhões. Foi na Tailândia, o destino preferido, que o primeiro caso de coronavírus fora da China apareceu no dia 13 de janeiro – houve outros 13 casos desde então. O vírus se espalhou para o sudeste da Ásia, os Estados Unidos e a Europa.

 

É também através do turismo que se espalham as primeiras consequências econômicas da crise chinesa. Em 2019, onze milhões de turistas – um quinto de todas as entradas – visitaram o reino tailandês. No Vietnã, eles eram 6 milhões sobre um total de 18 milhões de turistas. No Japão, que sediará os Jogos Olímpicos em julho, 30% dos turistas estrangeiros são chineses – 7,4 milhões. A decisão do governo chinês de proibir a saída de grupos é, portanto, um golpe duro para a Tailândia, onde o turismo é a fonte de renda de 6 milhões de pessoas. Espera-se também que a indústria do turismo francês experimente fluxos de turistas em declínio, assim como a indústria do luxo.

 

A extensão das férias para além de 02 de fevereiro e as dificuldades de transporte dos mingong (260 milhões de trabalhadores migrantes, em sua grande maioria oriundos das províncias do centro e do oeste) forçarão a diminuição da produção industrial. Uma situação que afeta a indústria global: de acordo com a Bloomberg, Wuhan está em 13º lugar nas cidades chinesas classificadas de acordo com seu papel nas cadeias produtivas globais. A China é um elo essencial na indústria eletrônica, mas também na indústria farmacêutica, com 80% das substâncias ativas “made in China”. Essa crise levará a uma reavaliação do risco chinês por empresas estrangeiras, o que aumentará seus esforços para buscar alternativas iniciadas desde o conflito sino-americano.

 

Isolada, a China desacelerará, o que afetará não apenas a indústria global, a automobilística ou a eletrônica, mas toda a economia global que já está desacelerando há vários meses.

 

05 Fevereiro 2020

http://www.ihu.unisinos.br/596106-a-economia-chinesa-e-mundial-frente-ao-coronavirus

 

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/204591?language=es

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