Xadrez da conformação da República fundamentalista de Bolsonaro

26/11/2018
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As peças do jogo

 

Não se iluda com a bateção de cabeça na equipe de transição de Bolsonaro. Como um caminhão carregado de abóboras, a cada tranco as abóboras vão se ajeitando e redefinindo a nova conformação.

 

Das mensagens de Twitter, entrevistas, declarações algo caóticas do governo de transição, extraem-se os seguintes elementos sobre os grupos de poder.

 

Núcleo 1 – o grupo religioso

 

A afirmação de Jair Bolsonaro de que o maior problema do Brasil não é a corrupção, mas os vermelhos; as indicações de Ernesto Araújo para Ministro das Relações Exteriores, e de Ricardo Velez Rodrigues para Ministro da Educação, confirmam a influência do núcleo religioso do governo, centrada nos três primeiros-filhos e em Olavo de Carvalho e seus seguidores. Haverá um fundamentalismo religioso que terá em Bolsonaro o grande animador.

 

Núcleo 2 – A entrevista do general Hamilton Mourão à Folha de S. Paulo, reforçando a imagem de âncora do núcleo racional do governo.

 

Núcleo 3 – o controle de Paulo Guedes sobre a área econômica, com algumas posições que entram em conflito com as noções de segurança nacional do general Mourão.

 

Núcleo 4 – Sérgio Moro montando as bases do estado policial, com uma variante mais sútil da guerra ideológica, o chamado direito penal do inimigo.

 

A partir dessas peças, é possível compor melhor o que poderá ser o jogo no governo Bolsonaro.

 

Peça 1 – a República fundamentalista

 

Havia duas expectativas de abreviar o governo Bolsonaro:

 

  1. Loucuras na economia, decorrentes da falta de senso de Bolsonaro, passando a sensação de destruição econômica do país.

  2. A reversão de expectativas dos eleitores, fato que poderia ser acelerado pelas declarações continuadas de Bolsonaro, revelando seu baixíssimo preparo intelectual e sua incapacidade de articulação política ou midiática.

 

As asneiras ideológicas de Bolsonaro, com repercussões econômicas, foram contidas. Ele voltou atrás nas declarações sobre a China, sobre a mudança da embaixada de Israel para Jerusalém, nos ataques ao Mercosul, no alinhamento automático com Donald Trump, etc.

 

Parece ter caído a ficha de sua total incapacidade de se manifestar sobre qualquer tema relevante. E terceirizou esse trabalho para o vice-presidente general Hamilton Mourão.

 

Declarações como a de que “precisamos dar certo, se não eles voltam”, indicam qual foi a argumentação de Mourão. Deixe o trabalho pesado por nossa conta e faça o que você sabe fazer: a guerra moral-ideológica. Com isso libera Bolsonaro para se concentrar no discurso tatibitate que ele domina como poucos.

 

Por isso mesmo, a reversão de expectativas da opinião pública será enfrentada no melhor modelo da guerra fria: o combate sem tréguas ao inimigo vermelho, aquele que não permite que esta terra cumpra seu ideal.

 

Fica cada vez mais nítida a tentativa de implantação de uma república fundamentalista. E há condições objetivas de se montar uma estrutura nacional superior a de qualquer outro partido, explorando os baixos instintos que explodiram em todo o país durante a campanha eleitoral e a expansão fulminante das igrejas evangélicas conservadoras. A eclosão da direita radical tornou-se fenômeno nacional e o agente aglutinador simbólico é o próprio Bolsonaro.

 

O gabinete inicial para a guerra ideológica está fincado no Planalto, nas Relações Exteriores, com o alinhamento com a ultradireita mundial; e na Educação, em torno do tema escola sem partido. A eles se agregarão as secretarias e ministérios comandadas por ruralistas e evangélicos com implicações em questões de terra, meio ambiente e movimentos sociais.

 

É um novo modelo, no qual o papel do Estado será se abster de qualquer ação moderadora, e de liberar as tropas na base.

 

No movimento estudantil, a estratégia delineada consiste em se valer das adesões ao MBL e à Escola Sem Partido para atacar o modelo UNE de organização.

 

No plano educacional, a ideia será fragmentar a supervisão educacional, jogando o controle das escolas para os municípios. E, aí, insuflar os grupos conservadores e as igrejas fundamentalistas a fazer pressão na ponta. Na campanha, foi o maior fator de mobilização da tropa bolsonariana.

 

Junto aos movimentos sociais, e setores recalcitrantes, haverá uma guerra surda envolvendo os setores partidarizados do Judiciário e do Ministério Público, sufocando os inimigos com montanhas de denúncias. No caso dos movimentos sociais, a polícia se valendo também da coerção física.

 

Peça 2 – as vacinas contra as loucuras

 

Um fator de vulnerabilidade do governo Bolsonaro, como já se disse, é o conjunto de declarações estapafúrdias.

 

Essa vulnerabilidade está sendo trabalhada pelo vice-presidente, general Mourão. Pela entrevista dada à Folha, Mourão se consolida como a voz da razão no grupo Bolsonaro ou, como alguém mencionou, no único adulto no playground. Aparentemente, ele convenceu Bolsonaro a se abster de temas de peso, com o argumento de que a não abertura de frentes de desgaste é essencial para a grande missão de salvar o país da sanha dos vermelhos.

 

Não se trata de uma estratégia de unificação do país. Fosse assim, Mourão entenderia a importância do MST (Movimento dos Sem Terra) e do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) para a paz interna, suprindo o papel do Estado e abrindo oportunidades de trabalho e renda para seus integrantes.

 

O combate incessante aos movimentos sociais e ao pensamento crítico é peça central da estratégia política da nova república fundamentalista. Essa estratégia não prescindirá da manutenção da figura do inimigo interno. O maior fator de fortalecimento de Bolsonaro, quando começar a decepção, será a reação dos grupos depois de expropriados de seus direitos políticos e de organização, fornecendo o álibi para uma radicalização da barbárie.

 

Peça 3 – a preservação da economia

 

Em um dos primeiros Xadrez sobre o governo Bolsonaro, antecipei uma mudança nos discursos neoliberais dos militares – especialmente do militar que se pronunciava mais, o general Hamilton Mourão.

 

Antes de ser poder, limitava-se a repetir bordões da Globonews. Com a expectativa de poder, muda a lógica da analise. Sai dos bordões dos “bem-pensantes” – a mixórdia de slogans econômicos superficiais – para análise efetiva de cada caso. E, aí, impõe-se o ponto central do pensamento militar, que muda toda a lógica da analise de caso: a segurança e o interesse nacional.

 

O pensamento militar fica muito mais à vontade tendo os diversos fatores políticos e econômicos sob controle, ao contrário do pensamento do mercado e, em particular, da escola de Chicago, que abomina qualquer forma de regulação.

 

Além disso, o pensamento de mercado não tem o menor prurido com processos de destruição de valores, ao contrário do pensamento militar que valoriza o chamado patrimônio público.

 

Na entrevista à Folha, Mourão demonstrou pragmatismo não apenas em relação às questões internacionais, mas ao próprio Programa Nuclear Brasileiro. E deixou claro que cada passo será precedido de estudos e analises sob sua responsabilidade, colocando-se como um filtro contra eventuais arroubos de privatização selvagem de Paulo Guedes.

 

Peça 4 – o objetivo maior

 

Não se iludam com eventuais descompassos entre Mourão e Bolsonaro. Ambos estão tomados pelo mesmo destino manifesto, de guerra total aos inimigos, de resistência ampla ao contraditório, especialmente em temas morais e políticos.

 

Pela primeira vez na história, o país experimentará o que significa a verdadeira teocracia, a visão moral-religiosa se impondo sobre o pluralismo e as liberdades individuais.

 

Ao mesmo tempo, há o risco de uma explosão incontrolável da violência, com o conceito de guerra ao inimigo contaminando definitivamente a segurança pública, as Polícias Militares, especialmente depois do incentivo que recebeu dos futuros governador João Dória Jr, de São Paulo, Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, e Romeu Zema, de Minas Gerais.

 

O busílis da questão é que estratégias de guerra, como a que desponta, só comportam dois desfechos: ou a radicalização final; ou o esgarçamento, pelo cansaço da nação.

 

Ainda é cedo para saber qual prevalecerá. De qualquer modo, a extensão e profundidade do pensamento conservador no país impede visões mais otimistas.

 

24/11/2018

https://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-da-conformacao-da-republica-fundamentalista-de-bolsonaro-por-luis-nassif

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/196742?language=es
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