Os riscos da abertura ao capital estrangeiro na oferta de serviços de saúde

06/09/2018
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Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
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Aprovada na gestão do então Ministro da Saúde, Arthur Chioro, a Lei 13.097/2015 que alterou a Lei 8.080/1990, permite a liberalização de movimentos de capitais na área dos serviços em saúde e a sua regulamentação pode trazer efeitos catastróficos ao Sistema Único de Saúde (SUS).

 

Em específico, a lei estabelece que:

 

CAPÍTULO XVII

 

DA ABERTURA AO CAPITAL ESTRANGEIRO NA OFERTA DE SERVIÇOS À SAÚDE

 

Art. 142. A Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, passa a vigorar com as seguintes alterações:

 

Art. 23.  É permitida a participação direta ou indireta, inclusive controle, de empresas ou de capital estrangeiro na assistência à saúde nos seguintes casos:

I – doações de organismos internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e empréstimos;

II – pessoas jurídicas destinadas a instalar, operacionalizar ou explorar: a) hospital geral, inclusive filantrópico, hospital especializado, policlínica, clínica geral e clínica especializada; e b)  ações e pesquisas de planejamento familiar;

III – serviços de saúde mantidos, sem finalidade lucrativa, por empresas, para atendimento de seus empregados e dependentes, sem qualquer ônus para a seguridade social; e

IV – demais casos previstos em legislação específica.” (NR)

 

Art. 53-A.  Na qualidade de ações e serviços de saúde, as atividades de apoio à assistência à saúde são aquelas desenvolvidas pelos laboratórios de genética humana, produção e fornecimento de medicamentos e produtos para saúde, laboratórios de análises clínicas, anatomia patológica e de diagnóstico por imagem e são livres à participação direta ou indireta de empresas ou de capitais estrangeiros.”[1]

 

Tanto à época quanto hoje, existem poucas evidências sobre os possíveis efeitos benéficos entre a abertura e às melhorias da oferta dos serviços de utilidade pública, saúde e defesa. Entretanto, seus efeitos negativos parecem estar mais claros.

 

Em artigo publicado pelo próprio FMI – Neoliberaslim: Oversold? -, a organização assume possíveis efeitos negativos dos modelos liberalizantes sobre riqueza, pobreza e desigualdade. Dentre as constatações, afirma-se que não estão claras as evidências de que políticas neoliberais engendram crescimento sustentável dos países, no entanto os custos da volatilidade econômica e a frequência das crises provocadas por políticas liberalizantes parecem mais evidentes. Sendo que a abertura financeira e as políticas de austeridade têm mostrado forte associação com o aumento da desigualdade econômica dos países adeptos do modelo. Nesse sentido, as políticas liberalizantes de cunho neoliberal aprofundam a desigualdade.

 

 

Isto não quer dizer que o influxo de capitais não tenha pontos positivos. A associação entre abertura financeira e crescimento econômico é complexa, e a avaliação da sua potencialidade deve ser analisada com rigor. A partir dos estudos recentes é possível classificar as associações entre virtuosas e viciosas.

 

Em relação a virtuosidade, destacam-se aquelas em que o investimento estrangeiro direto se coaduna, simultaneamente, à inclusão da transferência de tecnologia ou capital humano, o que resulta em maior crescimento e desenvolvimento da nação. Já para o caso vicioso, mais precisamente aos fluxos de curto prazo, como o investimento de carteira e os fluxos bancários e especialmente especulativos, parece não haver encadeamentos positivos.

 

Este tipo de abertura não impulsiona o crescimento e nem permite que o país compartilhe melhor os riscos com seus parceiros comerciais. Diante disso, os dados sugerem que os ganhos e divisão de riscos dos fluxos de capital dependem do tipo de fluxo considerado e da natureza das instituições e políticas de apoio.

 

Na verdade, a relação entre abertura financeira e crescimento econômico é complexa. Alguns fluxos de capital, como investimento direto – que pode incluir transferência de tecnologia ou recursos humanos – parecem impulsionar o crescimento de longo prazo. Mas o impacto de outros fluxos – como investimento em carteira, transações bancária e títulos quentes, fluxos de debito e especulativos – parecem não impulsionar o crescimento nem permitir que o país compartilhe melhor os riscos com seus parceiros comerciais (Dell’Ariccia e outros, 2008; Ostry, Prati e Spilimbergo, 2009). Isso sugere que os benefícios de crescimento e compartilhamento de riscos dos fluxos de capital dependem de qual tipo de fluxo está sendo considerado; também pode depender da natureza das instituições e políticas de apoio. (Tradução livre).[2].

 

Ou seja, se feita de forma atropelada e não rigorosa, além de aumentar a probabilidade de crises, a abertura total e irrestrita dos fluxos de capitais tem considerável efeito negativo. Por isso, a definição dos fluxos precisa incorporar ao rol das operações aventadas os possíveis impactos sociais.

 

Na França e Reino Único, por exemplo, existe um claro controle do movimento de capitais (controls on capital transactions) e do investimento direito (controls on direct investment) em setores estratégicos para cada nação. Para a França, independente do setor, existem critérios de controle dos capitais segundo mecanismos de controle do Ministério de Economia e Finança do país.

 

Investimentos diretos de empresas que não constam na lista pública são definidos como investidores estrangeiros com participação de um terço do capital. Entretanto, não há controles sobre investimentos em uma empresa cujo capital é superior a 50% de propriedade estrangeira. No caso de empresas cujas ações estão listadas na bolsa de valores, o limite também é de 50% do capital; isso se aplica a cada participação estrangeira individual, mas não ao total da participação estrangeira. Para determinar se uma empresa está sob controle estrangeiro, o Ministério da Economia e Finanças (MINEFI) pode levar em consideração qualquer relação especial resultante de opções de compra de ações, empréstimos, patentes, licenças ou contratos comerciais. (ROY, Mohua; MISRA, Rekha; MISRA, Sangita, 2006, p. 50) (Tradução livre).[3]

 

Se tratando do setor saúde e ou outros serviços públicos, os controles são muito mais rigorosos, necessitando de autorização prévia das autoridades para haver investimentos estrangeiros.

 

Inward direct investment: An authorisation is required for investments in areas pertaining to public order, public health, and defence” (ROY, Mohua; MISRA, Rekha; MISRA, Sangita, 2006, p. 50)

 

No Reino Unido, se o entendimento for de risco para os interesses do país, o Secretário de Estado do Comércio e Indústria pode proibir, unilateralmente, qualquer investimento que possa ameaçar o Estado de Bem-Estar social do país.

 

O Secretário de Estado do Comércio e da Indústria pode proibir uma proposta de transferência de controlo de uma importante empresa transformadora do Reino Unido para um não residente quando a transferência de uma parte substancial é considerada contrária aos interesses do Reino Unido em termos de ordem pública, pública segurança ou saúde pública. Se for considerado que o interesse nacional não pode ser apropriadamente protegido de qualquer outra forma, a propriedade em tal proposta ou transferência concluída pode ser adquirida compulsoriamente mediante compensação. Tanto a proibição quanto as ordens de aquisição estão sujeitas à aprovação parlamentar. Esses poderes não foram usados até hoje. (ROY, Mohua; MISRA, Rekha; MISRA, Sangita, 2006, p. 62).(Tradução livre).

 

Como não há certeza sobre a virtuosidade da abertura financeira (movimento de capital) e as melhorias dos serviços, vários países limitam ao máximo este processo. O Japão, por exemplo, determina um percentual máximo de 20% na liberalização do capital em serviços de utilidade pública do seu país.

 

No Brasil, em função da nova legislação sobre o tema, atualmente, se discute a abertura irrestrita do capital nos diversos segmentos do Sistema Único de Saúde e sua parte complementar, o chamado sistema suplementar. Estão entre eles os planos de saúde, laboratórios, produção e fornecimento de produtos e medicamentos de saúde, estabelecimentos filantrópicos, serviços clínicos, diagnósticos entre outros.

 

Diante do recente cenário de regressão social, o perigo reside no modelo a ser adotado no país. Existe uma tendência da pior escolha possível, o que aprofundará, ainda mais, o desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS).

 

Notas

 

[1] BRASIL. Lei 13.097, de 19 de janeiro de 2015. Dentre outras disposições, regulamenta a abertura ao capital estrangeiro na oferta de serviços à saúde. Legislação Federal.

 

[2] OSTRY, Jonathan; LOUGANI, Prakash; FURCERI, Devide. Neoliberalism: oversold? InternationalMonetaryFund/Finance&Development: Washignton, n 2, vol. 53, jun 2016.

 

[3] ROY, Mohua; MISRA, Rekha; MISRA, Sangita. A Review of Cross-Country Experience in Capital Account Liberalisation. Reserve Bank of India Occasional Papers Vol. 27, No. 1 and 2, Summer and Monsoon 2006.

 

- Rafael da Silva Barbosa é economista e doutorando em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp. É colunista do Brasil Debate

 

06/09/2018

http://brasildebate.com.br/os-riscos-da-abertura-ao-capital-estrangeiro-na-oferta-de-servicos-de-saude/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/195172?language=es
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