Candidatos falam mais de Lula do que sobre o combate ao desemprego
- Opinión
A pessoa se candidata ao cargo público mais importante do país e, quando confrontada em entrevistas, sabatinas e debates, não consegue dar uma resposta satisfatória ou compreensível sobre como pretende reduzir o desemprego, que atinge 12,9 milhões de pessoas, segundo o IBGE. Ou como deseja trazer de volta os 4,82 milhões que simplesmente desistiram de procurar emprego porque sabem que não vão encontrá-lo.
Parte dos candidatos à Presidência da República não tem se esforçado em explicar à população como pretende resolver o problema. Outra parte não faz ideia. Quem ouve os lugares-comuns proferidos a respeito do tema, sem ações efetivas e concretas de curto prazo, sem salvaguardas para que a geração de postos de trabalho se dê com proteção à dignidade e desconsiderando mais um Congresso Nacional terrível que irá surgir pelas nossas mãos, vai dormir mais triste e preocupado.
Ao contrário do que prega o preconceito do senso comum, de que a massa da população é irracional e não sabe votar, o eleitor é bastante pragmático em seus cálculos políticos. Por exemplo, em diversas ocasiões acabou por escolher aquele que o convenceu de que era capaz de garantir empregos e um mínimo de condições para os trabalhadores e suas famílias.
Com a economia indo bem e o país crescendo, a população reelegeu Lula, em 2006, mesmo após as denúncias de corrupção envolverem seu partido. A história é diferente do escândalo da Lava Jato, muitas vezes maior que o do Mensalão. Mas se o país estivesse crescendo e empregos e poder de compra sendo preservados, dificilmente Dilma Rousseff teria um mandato politicamente frágil e um governo impopular a ponto de sofrer impeachment.
Afirmei, há um ano, que o combate à corrupção não seria o principal elemento procurado pelo eleitor em outubro. Hoje, o primeiro lugar nas intenções de voto, ganhando de todos os outros competidores em um hipotético e improvável segundo turno, cumpre pena, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. E o segundo colocado, mais prosaico, recebia auxílio-moradia mesmo tendo imóvel próprio em Brasília, e foi acusado de empregar funcionária-fantasma em seu gabinete.
Se o povo sentisse a melhora na economia, o presidente Michel Temer seria o grande eleitor. Com o país ainda atolado na lama, ele se tornou aquele-cujo-nome-não-deve-ser-nunca-pronunciado. Por outro lado, Lula, mesmo preso, segue sendo não apenas o ''grande eleitor'', mas também detendo o poder de reorganizar o tabuleiro eleitoral – o que explica que ele esteja no foco das atenções.
Em um cenário extremamente polarizado como este, corre-se o risco de um segundo turno entre o antipetismo e o petismo aliado ao anti-antipetismo. O problema é que, até lá, esvaziamos toda a possibilidade de debate sobre as soluções para os problemas nacionais.
Por exemplo, a situação da economia aprofundou a crise de segurança no país. Não que a violência não seja endêmica por aqui há tempos, com um número de assassinatos maior que em zonas de guerra.
Mas o Brasil atingiu 63.880 mortes violentas intencionais, em 2017, de acordo com levantamento divulgado, em agosto, pelo Fórum Brasileiro e Segurança Pública. Isso representou um crescimento de 2,9% em relação ao ano anterior. Foram 55.900 homicídios dolosos (alta de 2,1%), 2.460 latrocínios (queda de 8,2%) e 955 lesões corporais seguidas de morte (alta de 12,3%). Ao todo, 5.144 mortos em intervenções policiais (alta de 20%) e 367 policiais mortos (queda de 4,9%) – um policial morto e 14 mortos por policiais todos os dias.
O aumento da pobreza e do desemprego, a falta de recursos para garantir serviços públicos e a incompetência na gestão da segurança pública contribuiu com a explosão do medo da violência – problema muito maior que a violência em si. Nesse contexto, o desejo por ''ordem'' ganha força. O estudo ''Medo da Violência e Autoritarismo no Brasil'', produzido pelo mesmo Fórum Brasileiro, com levantamento do Datafolha, mostrou no ano passado que, em uma escala de zero a dez, a sociedade brasileira marca 8,1 na propensão a endossar posições autoritárias. Ou seja, diante do medo trazido pelo caos, muitos aceitam abrir mão de sua liberdade.
Donald Trump não ganhou as eleições presidenciais nos Estados Unidos por conta de seu discurso de campanha ultraconservador. Isso contribuiu, porém o voto de eleitores de Estados que desempataram a corrida eleitoral não veio por discursos machistas, racistas, xenófobos e preconceituosos quanto à população LGBTT. Mas, sim, pela promessa ao trabalhador médio de recuperar os empregos perdidos com a globalização. Para muitos, o restante foi relevado. Não porque concordassem com as bizarrices de Trump, mas por causa desse cálculo racional.
Os temas comportamentais e morais, apesar de fazerem sucesso nas redes sociais hoje, não devem serão o fiel da balança do voto. As milícias digitais responsáveis por polêmicas, nos últimos anos, em torno de manifestações artísticas sob a justificativa de resgatar a ''moralidade'' ou os ''bons costumes'' sabiam disso. Mas o objetivo delas é que, vendendo-se como consciência crítica e guardiões de valores, tentaram aumentar sua influência e poder sobre a população para outros fins – como aglutinar seguidores visando à influência na eleição.
Se tivéssemos um debate real à Presidência e não aqueles simulacros de discussão, a situação poderia ser um pouco melhor. Uma sequência de debates, em cadeia de rádio e televisão, um por semana, durante três ou quatro meses, divididos por temas, tratando de forma profundada assuntos de interesse popular, com mediadores que, de fato, questionassem os candidatos quando esses se esquivassem da resposta ou mentissem descaradamente, garantiria mais subsídio à população.
Isso ajudaria a mostrar a real natureza de propostas rápidas, vazias, populistas e, não raro, autoritárias e enganosas. Eles seriam obrigados a falar, em português claro, como gerar empregos e como reduzir a violência. Cada um tem uma visão de mundo sobre a implementação de políticas, mas dados e números poderiam seriam checados online. Porque a tecnologia permite contestação imediata.
Li os programas disponibilizados pelos candidatos sobre geração de emprego – vou falar sobre eles mais adiante. Mas se a maioria se baseasse apenas naquele documento para tirar o país do atoleiro, a caminhada no deserto seria longa.
Como aqui já disse, o desalento da falta de emprego está relacionado ao desalento da política. A manutenção forçada de um governo cuja legitimidade, honestidade e competência são questionadas seria suficiente para levar o país às ruas. Mas não foi. Como já disse aqui, a sensação é de que boa parte da população – aturdida com o desemprego arrasador e com as quase 64 mil mortes violentas, somado às galopantes denúncias de corrupção e as promessas vazias de parte das elites política e econômica, de que correria leite e mel após o impeachment e as reformas, como a Trabalhista – está deixando de acreditar na coletividade e buscando construir sua vida tirando o Estado da equação. Eisso deixa o Estado livre para continuar servindo aos interesses de poucos.
- Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo.
05/09/2018
https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/
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