Algumas observações de Flavio Koutzii e Frei Sergio

Contra a lógica do “mais do mesmo”

02/08/2018
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Frei Sérgio Gorgen
Foto: Maia Rubim/Sul21
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Em um debate realizado em 2017, no Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, Flavio Koutzii observou que era preciso ter uma percepção mais dramática da crise que se instalou no país a partir do golpe que derrubou a presidenta eleita Dilma Rousseff e que, mais tarde, colocou o ex-presidente Lula na prisão. Essa necessidade foi apontada por ele como uma condição para se perceber a natureza do que estava (e ainda está) acontecendo no Brasil.

 

Essa constatação baseia-se, entre outras coisas, na dificuldade que as pessoas têm de perceber um radical processo de mudança quando elas vivem seu cotidiano no meio dele. Daí a relativa facilidade com que se instala uma espécie de naturalização daquilo que é extraordinário, como é o processo de golpe ainda em curso no país. Essa facilidade alimenta a tendência de se repetir práticas e movimentos, como se não tivesse acontecido (e seguisse acontecendo) algo extremamente grave no país.

 

Dois episódios, nesta terça-feira, 1o. de agosto, exemplificam essa polaridade entre a naturalização do extraordinário e a percepção dramática da crise instalada no país. Um exemplo da primeira postura foi a decisão da Executiva Nacional do PT, que definiu a tática eleitoral do partido para as eleições de 2018. Entre outras medidas, foi aprovada, por 17 votos a 8, a resolução de apoiar, nos estados do Amazonas, Amapá, Paraíba e Pernambuco os candidatos a governador do PSB. Essa decisão é particularmente bombástica no caso de Pernambuco, onde, além do PSB ter se aliado ao golpe contra Dilma Rousseff, Marília Arraes, pré-candidata do PT, vem entusiasmando a militância e aparecendo com real chance de vencer a eleição para o governo do Estado.

 

Subordinar conjunturas regionais ao quadro político nacional não é exatamente uma novidade e constitui uma prática relativamente corriqueira nas últimas eleições. No entanto, o cenário político brasileiro atual é tudo menos corriqueiro. A decisão da maioria da Executiva Nacional do PT parece se inserir na tendência de naturalização do processo do golpe, transmutado em um cenário similar ao das últimas eleições no período de redemocratização. Um partido abre mão de uma candidatura em um determinado lugar, ganha apoio em outro e assim por diante, o que seria uma prática usual em um processo democrático.

 

Duas perguntas, entre outras, se colocam aí: estamos vivendo um processo democrático no país, que justifique a repetição dessas políticas de alianças tradicionais? Em que medida, esse tipo de pragmatismo um tanto desgastado, não só junto à militância mas em toda a sociedade, é eficaz para derrotar o processo golpista em curso? Ou, dito de outra forma, diante de situações extraordinárias, mais do mesmo é um bom caminho?

 

Passemos então ao segundo episódio, que é a greve de fome iniciada na terça-feira em Brasília por seis valorosos e valorosas militantes de movimentos sociais brasileiros. Já é digno de registro e de reflexão que os participantes da greve de fome sejam oriundos desses movimentos sociais e não de partidos e sindicatos. Isso não parece ser um detalhe. Um dos participantes da greve de fome, Frei Sergio Gorgen parece contemplar, em sua fala, a recomendação feita por Flavio Koutzii sobre a importância de se ter uma percepção mais dramática sobre o momento que estamos vivendo. Em entrevista à rádio Brasil de Fato, Frei Sergio afirmou:

 

“A greve de fome tem sentido quando todos os outros meios foram usados e não deram resultado, o que é o caso do Brasil. A Justiça está bloqueando as soluções jurídicas legítimas que poderiam e deveriam ter sido tomadas. Não é nenhuma novidade nem uma loucura, o Martin Luther King fez greve de fome, eu estou fazendo a quinta greve de fome, o Jaime Amorim fez uma greve de fome de 11, 12 dias com a qual foi conquistado o assentamento onde ele mora”.

 

A questão aqui, obviamente, não é sobre a qual a tática mais eficaz para se enfrentar a atual conjuntura – greve de fome ou política de alianças pragmáticas? -, mas sim sobre a percepção que embala as duas. No momento em que, como disse Frei Sergio, “a Justiça está bloqueando as soluções jurídicas legítimas”, em que medida pragmáticas tradicionais serão capazes de superar esse bloqueio?

 

Um último registro a respeito de um valor presente na decisão dos e das militantes que, ao iniciar uma greve de fome, engajam seus corpos e sua vida em outro tipo de política de alianças (assim como também fez Flavio Koutzii em sua trajetória política). Frei Sergio está em sua quinta greve de fome. Foi deputado estadual no Rio Grande do Sul e recusou a tradicional lógica de reeleições sucessivas no Parlamento para voltar junto dos agricultores com quem convive em um assentamento de Reforma Agrária no extremo sul do Estado. Ele não está atrás de votos com a greve de fome. Quer a libertação de Lula e a retomada da democracia no país. Uma das questões que parece fundamental aqui é: é recomendável enfrentar situações dramáticas e graves com mais do mesmo?

 

agosto 2, 2018

https://rsurgente.wordpress.com/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/194475?language=es

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