Direita pretende extinguir a Unasul

08/05/2018
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Sede de la UNASUR en Quito, Ecuador
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Governos neoliberais pretendem esvaziar um dos processos de integração mais importantes dos últimos anos, transformando a discussão em disputa ideológica, inconveniente nas relações entre países vizinhos com tantos problemas comuns

 

Em mais uma demonstração de que a direita sul-americana não tem compromisso nem com a democracia e tampouco com o desenvolvimento de sua região, os governos de seis países do continente – Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru – decidiram retirar-se da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Sob o eufemismo de se “licenciarem” da mesma durante a presidência pro tempore de Evo Morales da Bolívia, utilizaram do subterfúgio da “licença” para evitar o debate público sobre suas verdadeiras intenções, pois tanto a filiação quanto a desfiliação de países de organizações internacionais requerem ratificação parlamentar. No caso brasileiro, do Senado, o que permitiria o posicionamento dos partidos políticos, dos senadores individualmente e até dos pré-candidatos presidenciais.

 

Sob a desculpa esfarrapada de que o cargo de secretário-geral está vago desde o término do mandato do colombiano Ernesto Samper, no início de 2017, devido à falta de consenso sobre a eleição do candidato argentino, o diplomata José Octavio Bordón, esses governos pretendem esvaziar um dos processos de integração mais importantes dos últimos anos, transformando a discussão em uma disputa ideológica, absolutamente inconveniente nas relações entre países vizinhos com tantos problemas comuns.

 

As diferentes visões políticas vigentes na América do Sul, até as recentes eleições de presidentes reacionários em alguns países e o golpe parlamentar no Brasil, não impediam o progresso da integração do continente. Cabe lembrar que desde os anos 1990 havia iniciativas de aproximação entre o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a Comunidade Andina de Nações (CAN), o governo Itamar Franco em 1994 chegou a propor a formação de uma Área de Livre Comércio Sul-Americana (Alcsa) em contraponto à Alca, e o primeiro encontro concreto de chefes de Estado da América do Sul ocorreu no Brasil em 2000, sob os auspícios do presidente Fernando Henrique Cardoso. Na ocasião, os dois únicos governos progressistas eram os do Chile, com Ricardo Lagos, e o da Venezuela com Hugo Chávez. Quando houve a reunião de chefes de Estado em Cusco, no Peru, em dezembro de 2004 e que fundou a Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), precursora da Unasul, o presidente do país era Alejandro Toledo, de quem o recém-renunciante à presidência, Pedro Paulo Kuczynski, foi ministro. O presidente da Colômbia era Álvaro Uribe, da direita extrema e belicista, mas que, apesar dos acordos de seu país com os EUA por intermédio do “PlanColombia”, aderiu ao processo da Unasul.

 

Portanto, os governos neoliberais do continente contribuíram para a inauguração da Unasul, e os governos de esquerda têm o mérito de lhe dar profundidade através de sua institucionalização, com sede no Equador, e da criação de várias comissões e conselhos, particularmente o Conselho de Defesa Sul-Americano, embora algumas iniciativas importantes, como a criação do “Banco do Sul”, a integração energética sul-americana e o avanço dos projetos do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan) não tenham avançado como se pretendia.

 

Mesmo quando o Tratado da Unasul formalmente entrou em vigor em 2010, com sua ratificação por nove dos doze países integrantes, sendo oito deles governados pela esquerda, houve o sectarismo que se verifica hoje para adotar decisões importantes e tampouco a chantagem de abandonar o acordado frente às polêmicas. Para exemplificar, Nestor Kirchner, ex-presidente da Argentina, foi eleito secretário-geral da Unasul em 2010 por unanimidade, inclusive com o voto do presidente Pepe Mujica do Uruguai, apesar da disputa que o governo argentino travou com esse país por vários anos devido à instalação da indústria papeleira do lado uruguaio do rio Uruguai, que limita os dois países. Conflitos mais tradicionais que envolviam a direita e a esquerda também foram solucionados com a intermediação da Unasul, como as questões fronteiriças entre Colômbia e Venezuela e as tentativas de divisão territorial na Bolívia entre as províncias da chamada “Meia-Lua” e as do Altiplano.

 

Ou seja, a Unasul é importante para os países da América do Sul, independentemente de quem os governa, pois afinal de contas acordos, tratados e implementações ocorrem entre nações e podem se perenizar, enquanto os governos mudam.

 

Porém, o que ocorre atualmente na América do Sul é a ascensão de uma direita radical, fanaticamente entreguista aos interesses dos EUA, embora os governantes destes não estejam dispostos a conceder qualquer coisa em troca e tampouco se disponham sequer a fingir que veem Macri, Temer, Piñera, Santos, Cartes e Vizcarra como parceiros. Esses chefetes sul-americanos não têm análise realista da situação internacional, da crise que vivemos e estão sem estratégia, a não ser rejeitar o que apresentou bons resultados no passado recente e tentar se legitimar junto às grandes potências, principalmente os Estados Unidos, por meio de uma “guerra fria regional” com ataques à esquerda no governo ou na oposição.

 

- Kjeld Jakobsen é consultor na área de Cooperação e Relações Internacionais

 

EDIÇÃO 172 - 07/05/2018

https://teoriaedebate.org.br/colunas/direita-pretende-extinguir-a-unasul/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/192737?language=en
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