Milhares dependem da decisão do STF sobre 2ª instância, alegam Criminalistas
- Opinión
Jornal GGN - Ao se negar a colocar em pauta o debate sobre a execução da sentença após condenação em segunda instância, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, está sendo influenciada pela pressão externa, apesar de dizer o contrário em entrevistas recentes. A avaliação é da Associação dos Criminalistas do Rio Grande do Sul (ACRIERGS).
Em uma ação protocolada nesta quarta-feira (31) na Corte e endereçada ao ministro Marco Aurélio Mello, relator da Ação Penal de Constitucionalidade 44, a organização pede ao magistrado para retomar o tema e, ainda, que conceda a liminar que impede a antecipação de execução de pena antes de esgotados todos os recursos nas instâncias superiores. O tema é motivo de polêmica no meio jurídico e gera divergência dentro da própria Corte.
Em dezembro de 2017, Marco Aurélio Mello solicitou à presidente do Supremo colocar o assunto em pauta. Porém, recentemente, durante um jantar com jornalistas e empresários, a ministra Cármen Lúcia disse que não reabriria a discussão por causa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve condenação confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
"O Supremo não se submete a pressões para fazer pautas", disse ao jornal O Globo, completando: "A questão foi decidida em 2016 e não há perspectiva de volta a esse assunto".
Entretanto, para a Associação dos Advogados Criminalistas não é justo que as ações de pessoas sob julgamento fiquem em suspensão por causa do imbróglio que o Supremo tenta evitar para não acabar se envolvendo na questão Lula, colocando a Corte em xeque-mate:
"Se as ações forem julgadas procedentes somente depois de efetivada a prisão do político visado, haverá quem diga que o Supremo atuou para soltá-lo; se forem julgadas improcedentes, dirão que o Supremo deliberou com o intuito de mantê-lo preso - e assim por diante".
Associação pontua, ainda, que a fala de Cármen Lúcia tem caráter "discricionário e imotivado", exercendo um efeito exatamente contrário do que ela tenta transmitir: "aparenta ter sido emitida justamente para aplacar pressões exercidas por setores da mídia e da opinião pública; círculos claramente a expressarem que o pronunciamento definitivo nessas ações declaratórias terá cunho casuística”, caso a mudança de entendimento dos ministros carrete em obstáculo a prisão de Lula.
Os advogados completam que, sem uma definição clara do Supremo, milhares de encarcerados estão sendo prejudicados em todo o país. "A nenhuma autoridade da República é dado o poder de suspender a jurisdição - muito menos, a jurisdição constitucional; muito menos ainda, ao custo de milhares de vidas a serem destruídas pelo cárcere antecipado”, pontuam.
Os advogados alegam também que, ao evitar colocar o assunto em pauta, o que Cármen Lúcia pode estar antevendo é "uma reviravolta no entendimento".
"E, caso seja verdade tal perspectiva, o retardamento da entrega jurisdicional talvez esteja ocorrendo porque a Colenda Presidência não concorda com a provável solução que será dada", mesmo que isso sacrifique "milhares de pessoas com penas criminais executadas provisoriamente, em franco desrespeito à Constituição Federal".
Sujeitos a “loteria” do STF
Em fevereiro de 2016, o plenário do Supremo aprovou o entendimento de que era possível a execução da pena após condenação em segunda instância. A discussão surgiu no julgamento do Habeas Corpus 1.262.292, e seis ministros acompanharam o relator, Teori Zavascki, formando a maioria: Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Ficaram vencidos Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello.
Em outubro de 2016, o tema foi novamente provocado na Corte nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44, mas o Supremo manteve o entendimento anterior por seis votos a cinco. Naquele momento, Dias Toffoli, alterou seu voto, posicionando-se contrário a prisão antes de esgotados todos os recursos do réu no Superior Tribunal de Justiça.
Apesar de não ter força vinculante, ou seja, a prisão não é obrigatória após esgotadas as instâncias ordinárias, juristas contrários alegam que o entendimento incentiva a adoção do posicionamento produzido na HC 126292 em tribunais de todo o país. Além disso, o tema não foi resolvido dentro da Corte e alguns Ministros apresentaram posições divergentes meses depois ao analisarem outros pedidos de Habeas Corpus, "trazendo um indesejável caráter lotérico à jurisdição criminal", completa a ACRIERGS na ação protocolada nesta quarta-feira.
"Os jurisdicionados [pessoas sob julgamento] têm seus destinos atualmente sujeitos à sorte da distribuição dos processos da Corte, de modo que uns serão submetidos à execução criminal somente depois do trânsito da sentença contra eles prolatada, ao passo que outros serão presos logo depois de exaurida a segunda instância - tudo a depender do julgador escolhido pelo sistema eletrônico de sorteio".
Janela de Lula
Juristas que avaliam a movimentação no Supremo Tribunal Federal afirmam que, se for colocada novamente em debate, a Corte poderá alterar seu entendimento favorecendo o ex-presidente Lula, desobrigando-o a cumprir pena com a determinação do TRF-4.
Isso porque, em 2017, Gilmar Mendes também mudou sua posição ao julgar o Habeas Corpus 142.173, aderindo a posição de Toffoli. Além disso, houve mudança na composição do STF, com a entrada do ministro Alexandre de Moraes.
Se o julgamento de um eventual recurso de Lula, por exemplo, recair sobre a 2ª Turma apenas o ministro Edson Fachin defenderia o cumprimento imediato da ordem de prisão após segunda instância. Mendes e Toffoli votariam que a pena só pode ser cumprida após julgamento pelo STJ, enquanto Lewandowski e Celso de Mello, após esgotados todos os recursos.
As regras legais que dão base aos juristas contrários ao entendimento de que um réu condenado em segunda instância deve começar a cumprir pena estão no artigo 5º alínea LVII da Constituição que diz que "toda pessoa se presume inocente até que tenha sido declarada culpada por sentença transitada em julgado". E na legislação infraconstitucional é o Código de Processo Penal em seu artigo 283 que trata da matéria:
"Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva".
01/02/2018