Nada é mais letal para a democracia do que a resignação dos cidadãos
- Opinión
Muitos artigos já foram escritos sobre a condenação de Lula sob o ponto de vista jurídico que atropelaram as regras do processo penal. Como não tenho formação jurídica, restrinjo-me às reflexões de ordem política e ao perigo que representa a volta de um estado de exceção.
Seria redundante repetir o que os mais renomados juristas internacionais e brasileiros já escreveram sobre o julgamento de Lula. Houve uma percepção de que se tratava de interferência política no judiciário com a finalidade de inabilitar a candidatura de Lula, tendo em vista que não há prova para condenação pelo crime de corrupção e não há sequer embasamento jurídico para penalidade de crime de lavagem de dinheiro. O que parece existir é uma clara intenção de cassar os direitos políticos com o objetivo de neutralizar o adversário, e este adversário se chama Luis da Silva Lula. Isto caracteriza as praticas de regimes autoritários. Sabe-se que uma democracia não pode conviver com juízes que praticam o “lawfare” como ficou evidenciado.
Ruptura dos direitos fundamentais
O judiciário brasileiro ultimamente vem brincando com fogo, ao consolidar uma ruptura dos direitos fundamentais. O ex-prefeito, ex- governador, ex-ministro do governo Lula, Tarso Genro, que é jurista, escreve no seu ultimo artigo: “A exceção se infiltra, politicamente, nos órgãos jurisdicionais, quando estes “partidarizam” as suas posições, ou seja, se tornam “parte” posicionada de forma “aberta”, no contencioso político...,
O Desembargador Victor Luiz dos Santos Laus proferiu o voto mais consequente e transparente da histórica sessão, quando disse: “aqui não interessa o jurídico”. Segundo Tarso Genro, numa linguagem não-técnica, acessível ao cidadão comum, o desembargador explica as finalidades do poder punitivo do Estado. Reportava-se ele não às provas constantes do processo – o que seria o “jurídico” – mas às informações sobre o caso, que circularam como verdades absolutas na grande mídia. Com o julgamento arbitrário do Presidente Lula, os juízes brasileiros legitimam assim, um conjunto de práticas jurídicas perigosas que criam um estado de exceção próprio de regimes autoritários.
Desde a destituição ilegítima de Dilma Rousself da Presidência da Republica, o juiz Sérgio Moro e sua equipe, com a aprovação da maioria dos membros do STF, passou a tratar o ex-Presidente Lula como um inimigo político, e, não como um cidadão, que tem direito a um conjunto mínimo de direitos, a uma proteção jurídica mínima. Há tempo que os juízes, promotores, procuradores, desembargadores buscam por meio do judicial derrotar politicamente Lula e o PT. Sabe-se que a função jurisdicional e policial não é para ser exercida de modo partidário e nem com paixão, mas com racionalidade.
50 anos do AI 5
O ano de 2018 começa muito mal para a democracia brasileira. Vale ressaltar, que este ano qualquer cidadã ou cidadão brasileiro deveria reler o que foi o Ato Institucional número 5 decretado pela ditadura militar no Brasil. São 50 anos gravados na memória de minha geração. Este ato vai instituir a censura, a tortura, a ilegalidade das reuniões políticas, além de autorizar o fechamento do congresso, suspende o habeas corpus por crime de motivação política dentre outros empecilhos aos direitos de liberdade. Impossível de não relembrar, que a aplicação deste ato deixou marcas profundas na sociedade brasileira. Foi uma terrível ruptura do processo democrático por um golpe militar, instalava-se no Brasil um “Estado de Exceção” permanente. Daí não se pode cruzar os braços diante do que vem acontecendo hoje no Brasil. Nada é mais letal para a democracia do que a resignação dos cidadãos.
A minha geração têm dever moral de ocupar as ruas, as praças, os botequins, as escolas, os colégios, as universidades para explicar aos jovens o que significou o AI-5, o que representa a perda de liberdades, e o que significa também parcialidade judiciária diante do Poder Judiciário subjugado sob as botas dos militares e hoje sob uma ideologia neoliberal.
30 anos da volta ao estado de direito. Uma comemoração interrompida por dois golpes: parlamentar e judiciário.
Este ano de 2018 seria também, a ocasião de relembrar os 30 anos da Constituição de 1988 que marcou a transição de um Estado autoritário, intolerante e, muitas vezes violento, para um Estado democrático de direito.
A Constituição de 1988 que seguia sua maturidade institucional, depois de 24 anos de ditadura militar, garantindo o retorno do Estado de direito vai ser interrompida com o golpe contra a presidente Dilma Rousseff e agora golpe contra a soberania popular que impede a candidatura de Lula e cassa seus direitos políticos, em um processo claramente partidarizado. Assim, se encerra o ciclo de estabilidade política criado por esta Constituição. Mais uma vez o estado de exceção vai golpear a democracia brasileira.
A realidade é que mais uma vez constatamos a fragilidade das instituições nacionais e o avanço novamente do estado de exceção. Dessa vez, o Estado de exceção não é posto em pratica pelos tanques militares, mas, pelo poder legislativo com a cumplicidade do poder judiciário. O Brasil desliza em uma espécie de regime autoritário, cuja única intenção é manter privilégios de uma casta ou de uma oligarquia.
O que se destaca também neste ano de 2018 é que a comemoração de 70 anos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (1948) tem um sabor amargo. Hoje a comunidade cientifica e acadêmica assiste a falência dos centros de pesquisas, das universidades publicas, do setor educacional em geral. O governo golpista e sua base parlamentar inviabilizam o futuro do Brasil quando realiza o corte geral dos investimentos e decreta a interdição, por 20 anos em investimentos públicos. A falta de deliberação de recursos compromete o incentivo à pesquisa e o funcionamento de centros e laboratórios. Sem contar a redução do quadro de bolsas, sucateamento de laboratórios e até mesmo projetos já aprovados estão tendo seus orçamentos reduzidos. Os programas estratégicos, conduzidos nos institutos nacionais de pesquisa e em universidades, correm sério risco. Dos 252 existentes, apenas 101 têm sido contemplados, segundo Ildeu de Castro Moreira Presidente da SBPC.
Impossível não fazer um paralelo com o ato institucional n°.5 da ditadura militar que interrompeu durante duas décadas a expansão do pensamento cientifico e amordaçou a criatividade intelectual, cultural, política e artística no Brasil.
Hoje muitos cientistas estão deixando o país em busca de condições de trabalho propícias, e esta fuga de cérebros é uma ameaça à soberania nacional.
O que esta em jogo hoje é uma mudança radical de um projeto de sociedade que a esquerda timidamente tentou construir há mais de uma década.
Desde que Lula foi eleito que os meios de comunicação no Brasil tentam interromper o projeto de sociedade baseado em desenvolvimento inclusivo. Os representantes da Casa Grande nunca quiseram a abolição da Senzala. Hoje eles estão a serviço dos neoconservadores do judiciário para impedir que Lula seja eleito e retome o desenvolvimento inclusivo. Somente Lula com sua experiência e consciente de seus erros e acertos pode devolver aos brasileiros a esperança em dias melhores.
O Brasil hoje tem uma direita e extrema direita organicamente articuladas para impor não só um modelo econômico neoliberal ao Brasil, mas de executar sua ideologia. Ou seja, existe uma idéia normativa que associa um projeto socioeconômico a regras e valores. Temos que defender o que nos resta de um estado de direito e de um projeto de sociedade baseada na fraternidade. Onde um território tão vasto como é o Brasil, possa ter um desenvolvimento territorial equitativo, dentro de uma visão holística, integrada e articulada com todos os setores, levando em conta sua diversidade cultural e sua biodiversidade.
O combate pela reconquista dos direitos fundamentais passa também pela apropriação de uma concepção de desenvolvimento isenta da ideologia neoliberal. Se não conseguirmos impedir a evolução ditatorial do capitalismo financeiro e sua ideologia neoliberal, torna-se impossível pensar em emancipação humana, na dignidade humana, na justiça social e uma sociedade mais fraterna.
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