Fujimori, a barganha que salvou presidente do Peru

25/12/2017
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Com a cabeça a premio no Congresso peruano, o presidente Pedro Pablo Kuczinsky conseguiu sobreviver a um pedido de afastamento do cargo com uma iniciativa impensável: um acordo de bastidores com Alberto Fujimori, presidente-ditador (1990-2010), condenado até 2032 por corrupção, tortura e assassinado de presos políticos.

 

Foi em troca de um indulto de Fujimori que PPK conseguiu evitar dez votos decisivos que iriam encerrar seu mandato. Ocorrido um ano e meio depois do impeachment de Dilma Rousseff, o caso PPK recoloca uma questão: o que teria acontecido se a presidente brasileira tivesse feito negociações com Eduardo Cunha, o presidente da Câmara que apertou o botão que deu início ao golpe parlamentar?

 

Vamos aos fatos. Para retirar PPK de seu posto, os adversários precisavam reunir pelo menos 87 votos favoráveis mas faltaram nove votos. O afastamento somou 78 votos favor, 19 contrários e 21 abstenções. O afastamento de Dilma pela Câmara foi apoiado por 367 votos a favor, 137 contra, 7 abstenções e duas ausências. A diferença no placar não se explica, obviamente, pela consistência das denúncias.

 

Dilma foi derrubada por um pretexto vergonhoso, "pedaladas fiscais", que sequer configura um crime de responsabilidade exigido pela Constituição. Basta recordar o ambiente político da época para reconhecer que Foi típico caso de "se não tem tu vai tu mesmo". A salvação de PPK foi uma espécie de milagre politico.

 

O presidente do Peru tinha contra si uma denúncia poderosa e bem documentada, de receber propinas através de um esquema clássico da delinquência política: uma empresa de fachada, dirigida por um sócio estrangeiro. Da mesma forma que se pode alegar que Dilma foi derrubada por razões políticas, é correto explicar a permanência de PPK pelo mesmo argumento, ainda que o termo política mereça aplicações diferentes em cada caso.

 

Cabe registrar, como essencial, uma diferença de linhagem entre os dois. Do ponto de vista de forças que se mobilizam para dar um golpe de Estado em nosso continente, Dilma e PPK possuem biografias opostas. Enquanto a presidente brasileira representava a continuidade de um projeto popular, com vocação para a soberania nacional e combate a desigualdade, produzindo arranhões na velha ordem estabelecida, a arvore genealógica de PPK tem raízes e folhagem opostas. Quadro experimentado do mercado financeiro e de instituições internacionais, é um homem de confiança do universo de executivos intelectualizados que fazem carreiras milionárias na conexão entre a América Latina e Washington, alimentando uma política de subordinação aos interesses dos EUA. PPK casou-se duas vezes. Nas duas oportunidades, com cidadãs norte-americanas.

 

Formado em grandes escolas dos Estados Unidos, onde passou boa parte da existência, exilou-se nos EUA entre 1968 e 1975, quando um general nacionalista, Velasco Alvarado -- uma das referências das organizações revolucionárias da geração de Dilma -- governou o país. Neste período, relata o escritor Mario Vargas Llosa, PPK revelou-se um aplicado arquiteto de programas de privatização em toda parte do mundo. Além dessa decisiva questão maior, que envolve os grandes interesses mobilizados em torno de cada governo, há outros elementos.

 

Em teoria, os dez votos que poderiam ter derrubado o presidente peruano poderiam ter vindo de vários lugares, inclusive de uma bancada chamada Frente Ampla, a terceira do Congresso, com exatamente 20 votos disponíveis. Considerada, hoje, a maior legenda de esquerda do país, a Frente optou por um alinhamento que beneficiava PPK. Terceira força política nas eleições presidenciais de 2016, quando ficou em terceiro lugar no primeiro turno, cravando 18% dos votos contra 21% para PPK, a sigla preferiu se abster e fez isso com câmaras e microfones ligados. Numa declaração de princípios em nome da democracia, sua principal dirigente, Verónika Mendoza denunciou o processo contra PPK como uma manobra destinada a instalar uma nova ditadura no país. O receio alegado por Verónika Mendoza era que a queda do presidente eleito agravaria a crise política e o desgaste dos partidos, forçando a antecipação de novas eleições, que muito possivelmente levariam a vitória mais do que provável da Força Popular, de Keiko Fujimori, agora mais imbatível do que nunca.

 

Principal motor político das denúncias contra PPK, a Força recebeu 38% dos votos já no primeiro turno de 2016 e só foi batida na segunda rodada porque o partido de Verónica Mendoza pediu voto útil para PPK. A diferença foi inferior a 50 000 votos. Em termos políticos, assim, o placar que evitou o afastamento de PPK ao reproduzir o mesmo desenho político do segundo turno de 2016. A novidade decisiva veio de outro lugar, porém.

 

Se, no varejo parlamentar, existiam legendas menores, com cinco parlamentares cada, os aliados de PPK optaram por uma negociação no atacado: rachar a Força Popular, titular sozinha de 72 votos num plenário de 130 membros. Foi assim que se conseguiu a abstenção de dez membros da Força Popular, graças a uma negociação cujos desdobramentos devem ser conhecidos e detalhados nos próximos dias: o aceno envolvendo um indulto para Alberto Fujimori. Ocupando uma posição peculiar na política do país, a família Fujimori teve o requinte de assumir uma espécie de divisão do trabalho político. Enquanto a filha Keiko, candidata presidencial, manteve o discurso duro contra PPK e a corrupção, o caçula Kenji liderou a bancada dissidente que se absteve.

 

O próprio Alberto Fujimori se empenhou na ajuda a PPK. Uma deputada contou em entrevista a TV que, antes da decisão, o ex-presidente lhe recomendou para votar de acordo com sua "consciência", termo que, no contexto, indicava a abstenção.

 

Descrito, pelos analistas da imprensa de seu país, com adjetivos equivalentes -- pelo tom negativo-- àqueles que a maioria dos observadores brasileiros atribuem a Dilma, PPK festejou a vitória dando pulinhos na calçada em frente a sua residência, em Lima. Mesmo vitorioso, é difícil imaginar que seja capaz de pacificar um país com concentração de renda em nível terrível mesmo para o padrão latino-americano. Tido como caso resolvido pelos jornais locais, só faltando o momento adequado para um anuncio formal, o indulto a Fujimori dificilmente irá contribuir para tranquilizar o país e fortalecer PPK. Muito pelo contrário.

 

No retrospecto, não há dúvida de que PPK demonstrou ser capaz de qualquer coisa para permanecer no posto. Não só na busca de votos, mas em seus próprios depoimentos, recheados de contradições flagrantes. Como advogado de si próprio, PPK ficou longe das explicações claras, vigorosas e decentes que Dilma prestou -- infelizmente nas horas finais -- do impeachment, já no Senado. Na cronologia do impeachment de Dilma, há um momento em que se fecham as portas para um acordo com aquele que poderia ser chamado de Fujimori local, Eduardo Cunha.

 

Isso ocorreu quando o PT, dono de 3 votos decisivos na Comissão de Ética que investigava denúncias contra Cunha, anunciou que iria votar pelo prosseguimento das apurações. Em resposta imediata, Cunha deu curso ao pedido de impeachment de Janaína Pascoal e Hélio Bicudo, que até então era mantido na gaveta. O fim da história nós sabemos -- ainda que nem todos tivessem capacidade de imaginar o abismo econômico, social e político no qual o país seria jogado nos meses seguintes pelo desmonte do pré-sal, a reforma trabalhista, a Eletrobras, a ameaça de reforma da previdência, que questionam o destino de um país inteiro. 

 

Lembrando que ninguém pode assegurar que Eduardo Cunha iria a manter a palavra até o fim do governo, é bom reconhecer que não há respostas fáceis, apenas perguntas difíceis. 

 

- Paulo Moreira Leite, jornalista e escritor, é diretor do 247 em Brasília

 

24 de Dezembro de 2017

https://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/333925/Fujimori-a-barganha-que-salvou-presidente-do-Peru.htm

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/190073?language=en
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