Marabá: vem aí um novo massacre de sem-terras?

Grande parte de conflitos sobre terra é julgada como se a Constituição Federal e o Estatuto da Terra não existissem.

30/11/2017
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Trabalhadores rurais protestam contra despejos no Pará.
Foto: CPT/Divulgação
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O município de Marabá, Estado do Pará, está na iminência de ver repetida a pior das consequências derivadas da execução de mandados judiciais de reintegração de posse objetivando o desapossamento de multidões de sem-terras. Mandados assinados pelo juiz Amarildo Mazzuti, da vara agrária, já estão na rua, alguns sendo executados contra esse povo, possuidor de algumas áreas rurais, onde, em algumas delas, já existiu até interesse expresso do INCRA, em desapropriá-las ou até comprá-las.

 

Por mais que esse tipo de “ordem” já tenha demonstrado a sua inconveniência e, conforme o caso, até a sua manifesta inconstitucionalidade, pelo conflito entre direitos que se verifica frequentemente entre quem reclama ter sido esbulhado – quase sempre latifundiário descumpridor da função social de sua terra e quem suporta o desapossamento – os precedentes mais danosos dos seus efeitos não têm obtido a garantia de não serem repetidos.

 

O Estado do Pará já conta com uma herança trágica desse mal, que pode ser contabilizado até pelo número de mortes provocadas, direta ou indiretamente por ele. Mandados judiciais como o de agora em Marabá e decisões administrativas sobre terra precisam se conscientizar da força de precedente que criam para o futuro onde vão valer-se nesses conflitos. Quando não provocam, podem estimular algumas características perversas desconsideradas como não merecedoras da mínima atenção, exatamente por partirem de quem parte.

 

A indiferença com a situação de pobreza, de miséria e até de fome, que obriga multidões pobres como essas de Marabá, rés dessas ações judiciais, a ocupar a terra que esteja em disputa; a indiferença com a idade da posse multitudinária, mantida sobre o mesmo bem, por vezes consolidada em anos, garantindo vida, abrigo e alimentação para as/os possuidoras/es; a indiferença com o destino posterior da multidão pobre que se decidir deva ser desapossada, base de uma verdadeira e cínica proposta para que, sem outra saída, vá ocupar lá adiante outro latifúndio; as responsabilidades do Poder público em dar firmeza ao que a Constituição chama de fundamentos da própria República, como a dignidade da pessoa humana e sua cidadania; os objetivos democráticos dessa República, como os de erradicar a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; os princípios constitucionais a serem respeitados por toda a administração pública, como como o da responsabilidade da União pela implementação da política de reforma agrária; as garantias devidas aos direitos humanos fundamentais sociais que dependam dessa reforma e de outras políticas públicas, tudo isso, na interpretação e na aplicação das leis, costuma subir às nuvens da pura abstração sem nenhum efeito concreto e prático nesses despachos e sentenças possessórias sobre terra.

 

Mais não servem essas previsões de lei do que para afirmar uma autoridade distante da realidade do povo, esquecendo-se de que a justiça não se esgota na lei e essa não existe somente para proteger o direito de propriedade. As/os pobres são sim vítimas da lei, quando o paradigma puramente privatista de sua interpretação esquece que elas/es têm corpo e alma com fome, sem-terra e sem teto. Com isso, a desigualdade social encontra apoio no próprio ordenamento jurídico, gera uma certa tranquilidade nas autoridades administrativas e judiciais e entra no imaginário técnico de quem o aplica como fatalidade, não havendo outra coisa a fazer se não continuar reprimindo quem ousa questionar mais do que a irracionalidade, a desumanidade desse modo de pensar e agir.

 

Muito raramente alguma sentença ou decisão de tribunal leva em conta esse contexto, como se o mundo das gentes e das terras comporte se isolar do todo, numa relação jurídica individualizada entre autoras/es e rés/us dessas ações. Os números dos conflitos agrários acontecidos no país a cada ano, publicados pela CPT, e aqui comentados seguidamente, embora sirvam de advertência para a má interpretação e aplicação das leis do país sobre terra, não se refletem muito em juízo. Aqui a preocupação maior é com um papel que documente algum título sobre o imóvel, e não sobre o seu uso, se ele é socialmente funcional social ou não, como mandam as leis, exatamente as que nem são cogitadas em ações possessórias e reivindicatórias com multidões de réus. Grande parte de conflitos sobre terra, presentes nessas ações, é julgada como se a Constituição Federal e o Estatuto da Terra não existissem.

 

Ainda é possível evitar-se, mesmo assim, a continuidade das execuções judiciais que estão sendo executadas em Marabá. Pedidos de diversas entidades brasileiras, ONGs e movimentos populares, dedicadas à defesa dos direitos humanos e à reforma agrária, estão chegando em Marabá, endereçadas ao juiz Amarildo Mazzuti, da vara agrária, pedindo ao mesmo sejam revistas, suspensas ou revogadas, as execuções dos mandados já expedidos, na audiência designada para o dia 1º deste dezembro, sendo suficiente referir que o autor dos requerimentos de reintegração é o Grupo Santa Bárbara.

 

O seu endereço eletrônico é amarildo.mazutti@tjpa.jus.br , para o qual o exemplo dessas iniciativas pode ser seguido por quem nos honra com a leitura desta proposta.

 

novembro 30, 2017

https://rsurgente.wordpress.com/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/189552?language=en
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