Por que não falamos claro sobre os dilemas do pós-Teori?

Investigados não podem indicar o investigador/julgador. Isso vale para Temer.

23/01/2017
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No final de semana em que Teori Zavascki foi enterrado, o Brasil seguiu tangenciando, com meias-palavras, argumentação oblíqua e eufemismos, os dilemas decorrentes de sua morte. A mídia, além de contornar a suspeita de que pode ter havido um atentado, ocupou-se da sucessão na relatoria da Lava Jato no STF, discutindo hipóteses sem tocar na ferida que lateja: investigados não podem indicar o investigador/julgador. Isso vale para Temer, que indicará o novo ministro, e para os senadores, que aprovarão o nome indicado. Os ministros divergem, os juristas palpitam mas sem pôr o dedo na ferida: é o receio de que o Executivo e o Legislativo venham a golpear a Lava Jato que leva a ministra Cármem Lúcia e seus pares a buscar brechas no regimento para evitar que a relatoria sobre para o ministro a ser indicado por Temer e aprovado pelo Senado, com a escolha de um relator entre os ministros atuais, podendo até ela mesma, num gesto extremo, homologar a delação da Odebrecht. O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, também de forma evasiva, afirmou que, com a morte de Teori, o governo ganhou “algum tempo”. Para quê? Para aprovar a anistia prévia aos políticos que aparecerem na delação? Para postergar a ação de cassação da chapa Dilma/Temer no TSE? Ou para tentar aprumar a economia como blindagem para Temer antes que venha a divulgação da delação? Tudo, no pós-Teori, é dito assim, como num diálogo cifrado para a maioria e inteligível só por uns poucos.

 

Em relação à substituição na relatoria, deparei-me com uma única opinião franca sobre o assunto, a da professora de Direito da FGV/SP Eloisa Machado, que afirmou a El Pais Brasil: “Se não há confiança na isenção do presidente da República para a indicação de um ministro da corte, esta deveria ser barrada e o presidente investigado”.

 

Mesmo havendo Temer declarado que só indicará o novo ministro após o STF escolher o novo relator (decisão que ainda nem foi tomada pela corte), isso não afasta a possibilidade de uma forte guinada na Lava Jato. Se um relator for escolhido entre os ministros atuais, ele decidirá sobre ações em curso, como a delação da Odebrecht, mas depois de empossado, é o novo ministro que herdará a relatoria e responderá pelos desdobramentos da Lava Jato. A delação da Camargo Correa, por exemplo, já será assunto dele. . E o relator, todos sabem, tem um poder imenso sobre os rumos do inquérito. Se aguardar a posse do novo ministro é solução tão temerária que já está praticamente descartada, a adoção do “jeitinho” jurídico permitido pelo artigo 69 (a indicação ou sorteio de novo relator entre os ministros atuais em casos “urgentes”) também não será positiva para o país nem para o STF, como diz Eloisa Machado:

 

- O regimento interno do STF é bastante claro ao afirmar que o novo ministro, sucessor de Teori, deverá receber os casos. É o que está previsto no artigo 38. Apesar disso, cogita-se alterar essa regra, criando uma excepcionalidade para que os casos da Lava Jato fiquem com algum ministro que já faz parte do Supremo. Se isso ocorrer, com certeza haverá o questionamento sobre a isenção e imparcialidade do STF no caso. Ora, se o problema é a desconfiança com o ministro a ser indicado – motivada pelo possível envolvimento do presidente Michel Temer e da cúpula do seu Governo nas delações –, ele não será resolvido com uma interpretação diferente do regimento. O que deveria acontecer é: se não há confiança na isenção do presidente da República para a indicação de um ministro da corte, esta deveria ser barrada e o presidente investigado”. Este seria o caminho num país sério e numa sociedade exigente mas não no Brasil de hoje, que vem pisoteando a democracia e os avanços civilizatórios, ante uma maioria perplexa e inativa.

 

Eloisa Machado acha que o STF deve evitar o jeitinho e deixar que Temer assuma sua responsabilidade. “É importante que as regras sejam seguidas e que o processo seja feito com transparência: Temer, mesmo tendo sua legitimidade questionada, tem que assumir o ônus e a responsabilidade por seus atos”. Ela receia que a opção pelo “jeitinho” (a busca de brecha regimental) contribuirá para agravar a crise institucional, depois de ter havido em 2016 um impeachment questionável da presidente da República e de o STF ter tido que reformar a liminar do ministro Marco Aurélio determinando o afastamento de Renan Calheiros do cargo, contestada pelo próprio e pela Mesa do Senado. Receia a perda de confiança na isenção do STF, a suspeita de manipulação na escolha do relator, qualquer que seja ele. Por isso, sugere mais transparência na decisão, pois hoje ninguém sabe ao acerto como ocorrem os sorteios: “O STF hoje não divulga a forma, o algoritmo usado para essa distribuição eletrônica de processos, diminuindo a transparência e o controle social sobre isso. Sem dúvidas, se o caso for redistribuído, mais transparência seria importante para controlar a eficiência desse processo”.

 

As suspeitas sobre o acidente com Teori também ficaram no indizível. Ou no esforço desmoralizador com a qualificação de “teorias conspiratórias”. Não há delírio nem dúvida, o que existe é suspeita mesmo, que só pode ser lavada por uma boa investigação. Até agora, só sabemos que a Polícia Federal e o MPF pediram abertura de inquérito. O STF, o que fará?

 

Passemos às meias palavras de Eliseu Padilha. Com a morte de Teori, disse ele na sexta-feira, sem dúvida “ganhamos algum tempo” em relação à homologação das delações. Gamhamos quem, o governo? Certamente que sim. E para quê? A declaração foi pouco destacada e questionada na mídia e o ministro não se deu ao trabalho de explicá-la melhor. O que ele deixou claro é que alguma coisa o governo ganha com a morte de Teori.

 

Se não for com a escolha do novo ministro, será pelo menos com o inevitável atraso na homologação da delação da Odebrecht e com os seus desdobramentos, que podem atingir Temer (citado 43 vezes num só depoimento), uns 200 congressistas e alguns ministros.

 

Com o atraso, após a eleição do novo presidente da Câmara, o projeto que anistia políticos que receberam recursos eleitorais por caixa dois poderá ser retomado, seja Rodrigo Maia ou Jovair Arantes o eleito. Fala-se em caixa dois mas o projeto será uma porteira aberta, pela qual passará boi e passará boiada. Caixa dois e propina.

 

E como Gilmar Mendes já disse que o processo de cassação da chapa Dilma-Temer no TSE deverá levar em conta as revelações da delação da Odebrecht, o atraso na homologação e divulgação - que Teori faria em fevereiro, levará à procrastinação do julgamento.

 

E assim, enquanto o tempo passa, o governo tenta sair de seu labirinto econômico, criando quem sabe condições favoráveis para que Temer seja poupado. Afinal, quando tudo for exposto ao sol, faltará pouco tempo para a eleição presidencial e o país estará começando a entrar nos trilhos. Hoje isso não está acontecendo, apesar da inflação e dos juros cadentes, mas o governo continua apostando no tempo. Será a isso que Padilha se referiu ao falar que com a morte “ganhamos algum tempo”?

 

Mistérios. A república bananeira agora vai se tornando também uma terra de sussurros. Começar a falar claro seria a melhor terapia.

 

- Tereza Cruvinel, colunista do 247, é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País

 

23 de Janeiro de 2017

http://www.brasil247.com/pt/blog/terezacruvinel/276483/Por-que-n%C3%A3o-falamos-claro-sobre-os-dilemas-do-p%C3%B3s-Teori.htm

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/183030?language=en

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