Sem regulamentação da mídia, lei eleitoral tenta equilibrar cobertura

04/08/2016
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Foto: Elza Fiúza / Agência Brasil sem regul
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Com os olhos voltados aos Jogos Olímpicos e com o encurtamento do período eleitoral, alguns podem não ter notado que a corrida eleitoral às prefeituras e câmaras municipais já começou. Os partidos políticos têm até sexta-feira 5 para realizar as convenções que vão definir seus candidatos ao executivo e legislativo municipais nas eleições de 2 de outubro.

 

As candidaturas devem ser registradas até o dia 15 de agosto, um dia antes do início do período de 45 dias de campanha eleitoral – antes eram 90 dias. Todos os prazos estão previstos no calendário eleitoral.

 

No rádio e na televisão, também há novidades. Serão apenas 35 dias de propaganda eleitoral obrigatória em duas edições diárias, além das inserções durante os intervalos da programação. Os vereadores não aparecem mais no guia eleitoral e terão sua propaganda restrita às chamadas e spots durante os intervalos.

 

A partir de sábado 6, as emissoras de rádio e televisão devem respeitar as restrições previstas na lei eleitoral e não poderão mais divulgar consultas ou pesquisas eleitorais que identifiquem os entrevistados ou apresentem dados manipulados, veicular propaganda política ou opinião favorável ou contrária a qualquer dos candidatos.

 

Na programação normal, as emissoras também não podem divulgar obras de ficção, como novelas, filmes ou minisséries, com alusão ou crítica a candidatos ou partidos políticos. A legislação proíbe, ainda, o tratamento privilegiado a candidatos, partidos ou coligações.

 

Em caso de descumprimento, a Justiça Eleitoral pode aplicar multa, que dobra de valor em caso de reincidência. Tudo isso, a partir de sábado, 57 dias antes das eleições.

 

As restrições começaram em 30 de junho, quando as emissoras de rádio e TV já estavam proibidas pela lei eleitoral de transmitir programas apresentados ou comentados por pré-candidatos a qualquer dos cargos em disputa nas eleições deste ano, sob pena, além de multa, de cancelamento do registro da candidatura.

 

O apresentador José Luiz Datena não vai precisar se submeter às normas eleitorais. Ainda em janeiro, ele anunciou a desistência da candidatura à prefeitura de São Paulo em seu programa diário na Rádio Bradesco Esportes FM e continua no ar no rádio e na televisão, na qual também apresenta o programa Brasil Urgente, na Band – do mesmo grupo da emissora de rádio.

 

A visibilidade no rádio e na televisão parece trazer prestígio no meio político. Outros dois apresentadores de televisão seguem na disputa pela prefeitura de São Paulo. Celso Russomano (PRB), apresentador do quadro Patrulha do Consumidor, no Programa da Tarde da Rede Record de televisão, lidera as pesquisas.

 

João Dória Jr. (PSDB) passou desde junho o comando de seus dois programas de entrevistas, o Show Business, na Band, além do Face a Face, da BandNews TV e foi oficializado como pré-candidato na convenção do PSDB no último dia 24.

 

Além de São Paulo, pelo menos, outras três capitais também têm apresentadores de televisão na disputa. Em Vitória, Amaro Neto sai do ar no programa policial Balanço Geral ES, transmitido pela TV Vitória, afiliada capixaba da Rede Record, e só volta a ocupar a telinha enquanto candidato à prefeito pelo Solidariedade. A pré-candidatura foi lançada em vídeo nas redes sociais ainda em junho.

 

Em Teresina, Amadeu Campos se afastou das suas funções na TV Cidade Verde para disputar a prefeitura da capital piauiense pelo PTB; Ely Aguiar também deixou a apresentação de um programa policial da TV Diário, emissora local de Fortaleza, onde deve disputar a prefeitura.

 

Coroneis midiáticos

 

A aproximação dos apresentadores de televisão com grupos políticos é apenas um sintoma da falta de regulamentação da comunicação no Brasil. A Constituição Federal de 1988 traz uma série de princípios nunca traduzidos em um marco regulatório que poderia garantir mais transparência e democracia na organização do sistema de comunicação brasileiro.

 

Um exemplo é o do artigo 54 da carta magna, que proíbe deputados e senadores de serem proprietários ou dirigentes de empresas concessionárias de serviços públicos, como empresas de ônibus, operadoras de telefonia ou emissoras de rádio e televisão.

 

Mas faltam leis e regulamentos que tornem a proibição clara e definam, entre outras coisas, as punições e os responsáveis pela fiscalização. Leis que precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional.

 

Não podia ser diferente. Segundo levantamento do projeto Excelências, da ONG Transparência Brasil, 23,5% dos senadores e 8,4% dos deputados federais são concessionários de rádio e televisão. O dado não é definitivo e leva em conta apenas as declarações de bens informadas à Justiça Eleitoral e os perfis informados às casas legislativas.

 

Com a falta de regulamentação, a certeza da impunidade é tanta que, além de declarar à Justiça Eleitoral que descumprem a Constituição, os políticos assumem publicamente o assunto: Durante as eleições de 2014, o então presidente da Câmara e candidato ao governo do estado do Rio Grande do Norte, Henrique Alves, concedeu entrevista à InterTV Cabugi, afiliada da Globo no estado, e esqueceu da proibição do artigo 54 ao anunciar, ao vivo, para todo o estado ter “participação acionária de 20% declarada no imposto de renda” sobre a emissora.

 

Em um país onde 97,2% dos lares têm ao menos um aparelho de TV e 75,7% um aparelho de rádio – para muitos, os únicos meios de acesso a informações e aos debates públicos – a concentração de concessões de rádio e televisão nas mãos de grupos políticos desequilibra a própria base da democracia e fragiliza a própria noção de cidadania, que segue incompleta, quando as ideias e visões de mundo das minorias sociais não passam na TV nem no rádio.

 

A partir de sábado, a Justiça Eleitoral vai cobrar equilíbrio na cobertura midiática das eleições. Mas 57 dias não serão suficientes para combater um desequilíbrio que nega, há décadas, o direito à comunicação de eleitores e cidadãos brasileiros.

 

04/08/2016

http://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/sem-regulamentacao-da-midia-lei-eleitoral-tenta-equilibrar-cobertura

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/179291?language=es
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