As prováveis consequências civis e econômicas do golpe de estado no Brasil

02/05/2016
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Foto: Michel Temer e Eduardo Cunha (de Gustavo Lima, em O Cafezinho). michel eduardo
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O art. 79 da Constituição Federal afirma literalmente que a Presidenta da República legitimamente eleita somente poderá ser sucedida pelo Vice-Presidente em caso de impedimento ou de vacância. Nos demais casos, a função do vice é meramente assessória ou substitutiva. Logo, seguindo o rigor constitucional, mesmo que o Senado instaure processo de impedimento contra Dilma Rousseff (PT) em 12 de maio de 2016, Michel Temer (PMDB-SP) não será Presidente, continuará sendo Vice, não podendo exercer as funções que são privativas da Chefe de Estado e de Governo.

 

Desta forma, a campanha terrorista realizada pela mídia brasileira visando legitimar uma articulação de governo golpista carece de base jurídica e constitucional, apenas demonstrando a fragilidade do caráter de um Vice-presidente que conspira publicamente contra o nosso regime democrático. Além disso, tal conduta acaba sendo convalidada pela omissão e apatia dos Ministros do Supremo Tribunal Federal – STF e do Procurador Geral da República que não exercem a sua primeira função precípua, que é a guarda e defesa da Carta Régia.

 

Não preciso destacar que a ausência de tipificação penal para a caracterização de crime de responsabilidade, por maior que seja o esforço da mídia e dos mercenários que tentam dar sustentação jurídica à ação de impedimento que tramita no Congresso, tornam este processo em claro golpe de estado. A derrubada de Presidente da República por crime inexistente é conduta ofensiva a qualquer modelo democrático e não tem base moral.

 

Mas digamos que fosse legítima e constitucionalmente válida possibilidade de Temer assumir o comando do país, quais seriam as consequências imediatas dos seus projetos? Para construir esta análise tomamos como pontos de partida as falas de alguns dos seus alicerces programáticos, como Samuel Pessoa (PSDB), José Serra (PSDB-SP), Romero Jucá (PMDB-RR), Armínio Fraga (PSDB), e do próprio Temer nos seus discursos e na sua “ponte para o futuro” (que na verdade é uma “ponte para o passado da década de noventa”), além de medidas adotadas pelos Governos Estaduais que compõem a base aliada da ação golpista.

 

Os vários argumentos colhidos demonstram que a estratégia da política econômica desenhada pelos golpistas se baseia em três pilares básicos: ajuste fiscal pesado com o corte de receita de políticas sociais; desmonte do estado, através da privatização intensiva do patrimônio e dos serviços públicos; plena liberdade ao capital financeiro estrangeiro, com arrocho salarial e quebra da indústria nacional.

 

Feita esta preliminar, passamos a analisar as consequências do projeto golpista de Temer, Cunha e demais articulares do movimento.

 

 1 – Caminho Livre Para a Corrupção

 

A primeira mensagem da votação realizada na Câmara em 17 de março de 2016 foi a busca de liberdade plena para a corrupção política e eleitoral, tanto que a mudança radical e rápida de posição de muitos parlamentares foi acompanhada de inúmeras denúncias de compra de votos pela imprensa nacional e estrangeira, fator que, por si só, recomendaria a suspensão do processo e abertura de investigação pela Procuradoria Geral da República.

 

Contudo, o que observamos foi um espetáculo patético onde vários investigados em esquemas de corrupção apelaram para um discurso moralista de baixo nível, comandado por Eduardo Cunha (PMDB/RJ), no que foram acompanhados pelo silêncio dos órgãos de controle.

 

O fato mais assustador foi o ingresso posterior de uma pauta urgente na agenda da Câmara dos Deputados propondo a elevação em até 48% dos salários do Poder Judiciário, proposta esta que tinha sido vetada pela Presidenta Dilma Rousseff. O curioso é que exatamente as pessoas que propõem ajuste fiscal rigoroso e restrição de recursos para políticas públicas propõem uma elevação absurda dos salários dos servidores melhor remunerados do país. Se há sobra de receita no Judiciário, esta deveria ser utilizada para expandir as varas judiciais e universalizar o acesso à justiça. Todavia, o que observamos é uma clara tentativa de silenciar o setor responsável pelo julgamento das diversas ações de corrupção que envolvem os Parlamentares que formam o pilar do movimento golpista.

 

A presença de Eduardo Cunha na Presidência da Câmara é um sinal negativo reconhecido pela imprensa mundial de que o movimento pelo impedimento foi uma contraofensiva dos investigados por corrupção, na medida em que o próprio ministério público reconhece que o Governo Federal não interfere nas investigações.

 

 2 – Fim do Sistema de Partilha e Privatização da Petrobrás e do Pré-sal

 

O discurso de Temer é claro no sentido de abrir o capital da Petrobrás e a exploração do Pré-sal ao mercado estrangeiro. Além disso, José Serra já comandou uma tentativa de quebra do monopólio da Petrobrás na exploração do pré-sal por meio de Projeto de Lei parcialmente aprovado no Senado. Mas o desejo de entrega do controle acionário da empresa pública pelos conservadores é antigo e pode ser trágico para a nossa economia que se fortaleceu com a retomada da cadeia produtiva do petróleo e do gás.

 

Uma das grandes ações dos governos petistas foi a nacionalização do processo de produção de plataformas, o que repercutiu no crescimento da atividade econômica de cidades do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco. Com a política de abertura da gestão petrolífera ao capital internacional retorna o cenário da década de noventa no qual a estatal comprova todas as plataformas de Cingapura, da Coreia e outros países estrangeiros. Nos Governos de Lula e de Dilma foram gerados mais de 100 mil postos de trabalho com a nacionalização das plataformas, sem contar o impacto positivo desta ação em outros segmentos da economia.

 

Outro aspecto negativo do fim do sistema de partilha é a perda de recursos que seriam destinados à educação, à saúde e ao meio ambiente, na medida em que a receita que agora é destinada ao Fundo Social do Pré-sal deverá ser revertida para possíveis concessionárias privadas na exploração petrolífera.

 

 3 – Retomada do Projeto de Privatização do Ensino Público

 

Quem viveu a era FHC (PSDB-SP) na década de noventa sabe o que é passar diariamente sob a ameaça de privatização do ensino público. Durante os governos de Lula e Dilma tivemos uma reversão do quadro da era comandada pelo PSDB e a educação pública e gratuita passou a ser prioridade, tanto que tivemos uma expansão do número de universidades públicas, de escolas técnicas federais, além do PROUNI e do FIES com juros subsidiados pela União. Também foi criado o piso nacional dos professores, outro marco destinado à qualificação do ensino.

 

Tal crescimento, no entanto, deve ser freado com uma eventual ascensão dos golpistas, tanto que o nome mais cotado por Michel Temer para o Ministério da Educação é o economista Samuel Pessoa, notório defensor da privatização do ensino e da cobrança de mensalidades nas universidades estatais.

 

O ensaio do modelo de desmonte da ação estatal pode ser observado em estados como São Paulo, onde as universidades públicas enfrentam penúria financeira, Rio Grande do Sul, onde os servidores públicos sofrem com o parcelamento dos salários, e no Paraná, onde o Governo se utilizou de força policial para coibir protestos dos servidores da educação.

 

A estratégia desenvolvida por Temer, Serra e Pessoa é a mesma da década de noventa: restringir recursos da educação, especialmente da superior, forçar a cobrança progressiva de serviços, transferir a gestão das instituições para fundações privadas até iniciar a cobrança de mensalidades. As bolsas que hoje sustentam o PROUNI devem escassear e passar ao custeio das Universidades Federais.

 

Por razões óbvias, o impacto deve ser imediato sobre os programas de pós-graduação e sobre o “ciência sem fronteiras”, o PRONATEC, dentre outros.

 

 4 – Fim da CLT e das Garantias Trabalhistas

 

O primeiro ensaio no campo trabalhista do modelo defendido por Temer e seus seguidores foi aprovado na Câmara dos Deputados, sob a regência de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no ano de 2015, com o projeto de Lei que trata das terceirizações. Há uma grande pressão da FIESP, uma das principais aliadas do golpe, para a restrição dos direitos trabalhistas, que é considerado apenas como custo de produção.

 

Temer foi claro nesse sentido na sua “ponte para o futuro”, ao colocar a “reforma trabalhista e previdenciária” como prioridade da sua agenda.

 

5 – Aumento da Repressão Policial e Desrespeito aos Direitos Humanos

 

A violência observada nas ações das policias paulista e paranaense deve ser a regra para a contenção das manifestações sociais. Como a agenda de Temer é composta por diversas medidas impopulares, a tendência é que se utilize de forte aparato repressivo para limitar a ação das centrais sindicais e dos movimentos sociais.

 

É importante que as pessoas tenham a plena consciência de que não estamos diante de um movimento legítimo, mesmo que chancelado por parte do Congresso, mas de um típico golpe de estado que somente se sustentará com repressão.

 

Outro aspecto importante, e que ninguém pode deixar de considerar é presença de uma tendência no judiciário e no ministério público para desconsiderar direitos fundamentais, e a prova mais gritante dessa postura é a orgia de prisões cautelares seletivas e de acordos de delação premiada forçados, mediante condutas tipicamente fascistas. Tal modelo de pensamento reacionário que emerge no judiciário combina com uma polícia preconceituosa e violenta, colocando em cheque as garantias constitucionais.

 

Direitos e garantias fundamentais universalmente defendidos, como presunção de inocência, liberdade de opinião, liberdade de manifestação, liberdade de reunião, dentre outros, devem sofrer severa repressão. Destaca-se que Temer e Cunha dependem de um apoio intensivo das bancadas da bala, do púlpito e da ruralista, todas com tendências fortemente conservadoras, sendo que a última já solicitou a utilização do exército nos conflitos agrários.

 

 

  1. Autonomia Plena do Banco Central e Privatização do Sistema Financeiro

 

Nunca podemos esquecer que as duas principais bandeiras econômicas dos conservadores são a autonomia plena do Banco Central, à exemplo do FED norte-americano, e a privatização das estatais. Ao longo dos anos das administrações tucanas em âmbito federal na década de noventa, e das gestões conservadoras nos estados, neste século, tivemos a privatização de várias instituições financeiras. A operação Lava-Jato, por exemplo, foi criada para investigar esquemas de lavagem de dinheiro decorrentes da entrega do Banestado/PR para o capital privado durante administrações do PSDB.

 

Já a autonomia plena do Banco Central representa total perda da soberania nacional e entrega da “galinha dos ovos de ouro para as raposas do mercado financeiro”. Se hoje temos uma contenção da política de juros pela ação do estado, o programa golpista garante liberdade para a capitalização de juros e, consequentemente, para a explosão das taxas.

 

Note-se que boa parte dos problemas da dívida fiscal enfrentada pela União hoje são decorrentes do ajuste financeiro realizado pelo governo FHC na década de noventa que, para manter uma taxa de câmbio artificial utilizou-se de um mecanismo frágil baseado na venda intensiva de títulos da dívida pública com elevada taxa de juros. Em contrapartida, o dinheiro recebido foi utilizado para evitar a desvalorização da moeda. A tática suicida, resultou numa taxa de juros explosiva durante o tucanato de até 45% (reunião do COMPOM de 04/03/1999) durante a gestão do Banco Central por Armínio Fraga (PSDB), que é principal cotado por Temer para reocupar o cargo.

 

A síntese da política fiscal do projeto golpista é elevação da taxa de juros, restrição de crédito e perda da soberania fiscal/monetária com a plena autonomia ao Banco Central.

 

 7 – Um Cenário de Ruínas

 

Os pontos destacados acima são apenas uma síntese de uma análise prospectiva da agenda política golpista comandada por Michel Temer (PMDB/SP), Eduardo Cunha (PMDB/RJ), pelo PSDB, e pelo DEM. Trata-se de uma estratégia bem distante daquela que se sagrou vitoriosa na campanha eleitoral de 2014.

 

Estruturalmente, o cenário que se desenha é muito ruim para quem deseja uma país mais justo, com mais distribuição de renda e mais igualdade. As propostas defendidas por Michel Temer e desenhadas por figuras como Armínio Fraga, Samuel Pessoa e José Serra indicam um retorno ao modelo neoliberal da década de noventa, muito semelhante ao caso enfrentado recentemente pela Grécia e pela Espanha, e sem nenhuma legitimidade social ou política por sufrágio universal.

 

Ainda há uma forte tendência de retrocesso geopolítico, com o retorno do país às asas da diplomacia norte-americana. Trata-se de um caminho desastroso que deve levar a nossa economia novamente à bancarrota, como na era do tucanato e de FHC na década de noventa. Quem se omitir e silenciar diante desse quadro vai acabar sendo cúmplice de uma verdadeira tragédia social.

 

Publicado em 1 de maio de 2016

 

Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.

 

https://sustentabilidadeedemocracia.wordpress.com/2016/05/01/as-provaveis-consequencias-civis-e-economicas-do-golpe-de-estado-no-brasil/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/177137?language=es
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