Para entender o caso Globo/FHC e as "offshores" no Panamá

15/03/2016
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Mansão em Paraty: segundo depoimento de pessoa que trabalhou na construção, pertence aos Marinho   Foto: Reprodução mansion paraty
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Apresentamos ao Ministério da Justiça e ao Ministério Público, eu e o deputado Wadih Damous (PT-RS), pedido de investigação sobre as relações entre a Globo, offshores (empresas de papel), a Brasif e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Nosso pedido foi subscrito por 25 outros parlamentares do PT e do PCdoB.

 

A trama é relativamente complexa. A ramificação tem como centro a Rede Globo. Mas o emaranhado começou a ser descoberto com a Mossack Fonseca, empresa sediada no Panamá.

 

No mundo existem dezenas, senão centenas, de empresas criadas pela Mossack Fonseca para lavagem de dinheiro e ocultação patrimonial. É o que dizem reportagens do jornal O Globo e do site português Vice. De acordo com as investigações jornalísticas, empresas de papel criadas pela Mossack Fonseca auxiliaram na ocultação de fortunas de pessoas como Rami Makhlouf (Síria), Muammaral-Gaddafi (Líbia) e Robert Mugabe (Zimbábue). A Mossack Fonseca, por exemplo, segundo o Portal Sudestada, tem o mesmo endereço da Brikford Overseas S.A., cujo diretor é Eugênio Pedro Figueiredo, preso em decorrência do escândalo da Fifa.

 

A panamenha ganhou – e logo perdeu – os holofotes da grande mídia brasileira por conta das operações policiais Lava Jato e Ararath. A Murray Holding LCC, ligada à Mossack Fonseca, é dona de alguns apartamentos no condomínio Solaris, no Guarujá. Segundo a revista Época, a publicitária Nelci Warken – que os investigadores suspeitam ser uma laranja – afirmou, em depoimento à PF, que “a offshore era de sua propriedade” e que “usou a Murray para esconder seu patrimônio e sonegar tributos”. 

 

Carolina Auada e Ademir Auada, representantes da Mossack Fonseca no Brasil, foram interceptados pelos investigadores da PF destruindo provas. Por isso eles foram presos, mas pouco depois o juiz Sérgio Moro mandou soltá-los, sob a justificativa, publicada na Folha de S. Paulo: “Apesar do contexto de falsificação, ocultação e destruição de provas, (...) na qual um dos investigados foi surpreendido, em cognição sumária, destruindo quantidade significativa de provas, a aparente mudança de comportamento dos investigados não autoriza juízo de que a investigação e a instrução remanescem em risco”.

 

O que aconteceu para Moro, que sem justificativas para preventiva deixa muita gente presa, soltar essas duas pessoas? O que aconteceu é a Rede Globo. 

 

E aqui entra o trabalho dos blogs. Nossa contribuição foi basicamente reunir o trabalho investigativo feito pela mídia independente e pedir formalmente apuração jurídica das denúncias. 

 

Globo/Mossack Fonseca

 

São basicamente dois pontos de possível conexão entre a Globo e a Mossack Fonseca: uma mansão em Paraty e o respectivo heliponto. A mansão, segundo a Bloomberg, e depoimento de pessoa que trabalhou na construção do imóvel, pertence de fato à família Marinho.

 

No papel, a Paraty House e o heliponto estão registrados no nome da Agropecuária Veine, que tem em seu quadro de sócios a Vaincre LCC. Pesquisas da Rede Brasil Atual e do Viomundo indicam que a Vaincre LCC é uma empresa de papel ligada à Mossack. Quem explica como isso funciona é a própria gerente no Brasil, Renata Pereira Britto, presa na operação Lava Jato. Segundo O Globo, em depoimento à PF, ela disse “que a empresa disponibilizava aos clientes um ‘estoque de empresas de prateleira’ no exterior. As offshores, segundo Renata, já vinham inclusive com diretoria constituída, e o cliente precisava apenas escolher um dos nomes da lista fornecida pela Mossack”.

 

O objetivo disso não necessariamente é ilegal. O problema é quando elas servem para ocultar patrimônio obtido de forma ilícita – vindo de sonegação de impostos, por exemplo, do que a Globo já foi acusada.

 

A Vaincre LCC tem o mesmo representante legal, o mesmo endereço e a mesma controladora da Murray Holding LCC, justamente a empresa dona de apartamentos no edifício Solaris, a mesma empresa cuja proprietária diz que usou a offsshore para sonegar tributos. 

 

Conforme investigação do Tijolaço, a Agropecuária Veine declara dedicar-se “a serviços de preservação de animais silvestres, especialmente vieiras e mexilhões para preservação ambiental”. Como questiona o jornalista Fernando Brito, por que um anônimo que “quer preservar nossos animais silvestres” constrói para isso “uma mansão e opera um helicóptero de luxo”?

 

A possível relação dos Marinho com as offshores é reforçada pelos seguintes elementos, encontrados pelo Viomundo e pelo Tijolaço. O endereço da Agropecuária Veine registrado no Ministério da Fazenda é o mesmo endereço de uma sociedade entre Paula Marinho e João Roberto Marinho. Já o endereço de correspondência da Agropecuária Veine é o endereço da Lagoon, empreendimento de entretenimento que funciona na Lagoa Rodrigo de Freitas, no espaço cedido ao genro de João Roberto Marinho, Alexandre Chiappetta de Azevedo, marido de Paula até 2015.

 

O envolvimento da Globo no emaranhado de offshores não acaba aí. Como apuraram os blogs, a controladora da Agropecuária Veine (“dona” da mansão e do heliponto que seriam dos Marinho) é, como indicam as investigações do Tijolaço e do Viomundo, a empresa Blainville International Inc. A Blainville tem várias ligações com a Sunset Global Services Ltd. Corp: ambas foram abertas pelo escritório Icaza, Gonzalez – Ruiz & Aleman e ambas teriam o mesmo endereço no Panamá. A Sunset seria de propriedade de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras. Já o escritório Icaza, Gonzalez – Ruiz & Aleman também aparece na constituição da Chibcha Investment Corporation, outra empresa sediada no Panamá e que teria os irmãos Marinho como sócios. 

 

Além da questão patrimonial há o meio ambiente. O heliponto em Paraty foi autorizado em 2009 e em 2015 pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) sem a licença ambiental necessária. A Paraty House já foi objeto de processos administrativos e judiciais por desrespeitar as normas ambientais, mas até agora a mansão encontra-se na área de forma irregular.

 

O que é interessante é que, embora os Marinho neguem a propriedade de fato desses bens, ninguém até agora apareceu para reivindicar a posse da joia arquitetônica. No papel a dona é a Agropecuária Veine, mas a pessoa de carne e osso que está por trás dessa empresa não levantou a mão até agora.

 

Globo/Brasif

 

A Agropecuária Veine é ao mesmo tempo “filha” da Mossack Fonseca e ligada por empresas de papel à Brasif. A Brasif, por sua vez, está ligada à Globo pelo pagamento de Mirian Dutra, ex-namorada de FHC. Temos algo como: Globo – Veine – Brasif – FHC – Globo.

 

Vamos aos detalhes. O helicóptero que serviria à família Marinho é de propriedade de um consórcio entre a Agropecuária Veine e a empresa Santa Amália. É o que apurou o Tijolaço. O consórcio Veine-Santa Amália teria tido como testemunha de sua constituição Alexandre Chiappetta de Azevedo, o genro de João Roberto Marinho.

 

O consórcio Veine-Santa Amália, a empresa Santa Amália e a Brasif S.A. Importação e Exportação teriam todos o mesmo endereço. É o mesmo endereço que consta na planta básica da Fundação Libertas – antiga Previminas, que administra os planos de saúde das empresas do governo de Minas Gerais e também seus fundos de pensão. Quem administrou essa fundação foi o ex-deputado Fábio Avelar (PSDB-MG). Segundo apurou o Viomundo, funcionários afirmam que no endereço nunca funcionou o consórcio nem pousou algum helicóptero. 

 

O Tijolaço apurou que o helicóptero Augusta 109 posteriormente foi transferido à Vattne Administração. A Vattne funciona na mesma sala da Cia Brasif Consórcio Empreendimento Luziania, do grupo Brasif.

 

A Brasif era proprietária da Eurotrade Ltd., com sede nas ilhas Cayman. A Eurotrade Ltd. firmou, em 2002, contrato com a jornalista Mirian Dutra, segundo a qual FHC – com quem ela teria um filho – usou essa empresa para bancá-la no exterior. A Brasif era concessionária das lojas Duty Free nos aeroportos. 

 

A Brasif, segundo a Folha de S. Paulo, conseguiu “derrubar medida criada no governo FHC para limitar a US$ 300 por pessoa (eram US$ 500) o gasto nos free shops, além de ter dominado praticamente sozinha a concessão desse tipo de loja em aeroportos.

 

A intermediação do contrato entre a Eurotrade Ltd. e Mirian Dutra foi feita por Fernando Lemos. Ele era dono da Polimídia, que teve contratos com o governo entre 1993 e 2010. Segundo O Cafezinho, a irmã de Mirian Dutra, Margrit Dutra Schmidt, era esposa de Fernando Lemos e também proprietária da Polimídia. Ela, como apurou a imprensa, seria funcionária “fantasma” do gabinete do senador José Serra. Haveria aí um favorecimento indevido a Margrit, irmã de Mirian Dutra? Uma troca de favores com uso do patrimônio público?

 

Mirian Dutra trabalhou para a Globo por 35 anos, sendo os últimos 25 em Portugal e Espanha. Segundo ela, em entrevista ao Diário do Centro do Mundo, o diretor de jornalismo da Globo Alberico de Souza Cruz a ajudou a sair do Brasil. Alberico obteve onze concessões de TV do governo federal nos anos de FHC, através das empresas Divinópolis e São Luiz. Há indícios de troca de favores com recursos públicos. Além disso, as empresas Divinópolis e São Luiz foram, como apurou o DCM, constituídas em sociedade com Jonas Barcellos, dono da Brasif.

 

Parece clara uma triangulação FHC – Globo (Alberico) – Brasif, em que as duas empresas cuidaram de manter Mirian Dutra no exterior, recompensadas com favores do governo federal.

Mirian também disse que uma forma de retribuição do governo FHC à Globo foram os muitos financiamentos a juros baixos concedidos à emissora via BNDES, que, conforme concluiu o Tribunal de Contas da União, entre 1997 e 2002, “o BNDES repassou 2,5 vezes mais dinheiro para o grupo Globo do que o repassado para outras empresas do mesmo ramo que pleitearam empréstimos junto ao banco público. Ou seja, a cada R$ 3,50 liberados pelo BNDES, R$ 2,50 foram para a Globo, restando portanto apenas R$ 1 para todas as concorrentes do mesmo ramo”. 

 

Há também, segundo o blog Desenvolvimentistas e o blog O Cafezinho, a portaria do Ministério da Fazenda de n° 04/1994 pela qual “FHC efetivamente pode ter pago parte de sua dívida política com a Globo, que liderou a operação, junto com Antonio Carlos Magalhães, para ‘exilar’ Mirian Dutra na Europa”. Segundo O Cafezinho, “essa portaria beneficia diretamente a Globo, dando isenção de IPI (Imposto de Produtos Industriais) para a importação de alguns maquinários específicos”.

 

Há ainda as relações da Globo/Mossack com o caso Fifa, que é investigado pelo FBI, mas isso é tema para outro artigo. Portanto, existem fortes indícios da prática de crimes como organização criminosa, “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, sonegação fiscal, além de outras ações criminosas contra a administração pública, contra o sistema financeiro nacional e contra a ordem tributária. Esperamos que a Polícia Federal e o Ministério Público, com seu poder de investigação recentemente constitucionalizado, apurem esses possíveis crimes. 

 

- Paulo Pimenta é jornalista, deputado federal e vice-líder do PT na Câmara 

 

Créditos de Joaquim de Carvalho e Renan Antunes de Oliveira do Diário do Centro do Mundo, Fernando Brito do Tijolaço, Luiz Carlos Azenha do Viomundo, Helena Sthephanowitz da Rede Brasil Atual, Miguel do Rosário de O Cafezinho, Renato Rovai da Revista Fórum, Paulo Henrique Amorim do Conversa Afiada e Luiz Nassif do GGN. As referências e os documentos anexados podem ser encontrados na representação que apresentamos formalmente.

 

Edição 146, 14 março 2016

http://www.teoriaedebate.org.br/index.php?q=materias/nacional/para-entender-o-caso-globofhc-e-offshores-no-panama#sthash.rS1UeLlt.dpuf

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/176085?language=es
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