A mudança da matriz energética da União Europeia e a inserção da América do Sul na geopolítica mundial

14/03/2016
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RESUMO:

 

A concorrência em matéria de acesso a recursos naturais tem se mostrado a origem de conflitos crescentes ao redor do mundo. É nesse contexto de corrida por recursos estratégicos, em especial energéticos, que os países têm constatado a necessidade de assegurar o acesso aos mesmos, construindo com esse objetivo, políticas estratégicas voltadas para os recursos naturais. A partir de um enfoque sistêmico e que situa essa dinâmica local no contexto geopolítico e da economia mundial, buscaremos analisar os impactos da nova estratégia europeia no mercado mundial de energia, na conformação geopolítica mundial e as possibilidades de inserção da América do Sul nesse processo.

 

PALAVRAS-CHAVE: Energia; União Europeia; América do Sul.

 

 

INTRODUÇÃO:

 

O presente artigo se propõe a realizar uma análise do mercado europeu de energia, com foco no consumo de gás natural como recurso de importância estratégica para a Europa e do qual este continente depende amplamente de fontes externas. A partir de documentos elaborados no âmbito da União Europeia e dos desdobramentos recentes no ramo da energia é possível perceber uma mudança de eixo do bloco no sentido de diminuir o consumo de combustíveis fósseis e migrar para uma economia de baixo carbono. O gás natural se apresenta, portanto, como o recurso que permitirá esta transição.

 

A criação de uma União Energética1 na União Europeia a partir de 2015 compõe uma estratégia de unificação do mercado europeu de energia de modo a contornar problemas no aprovisionamento energético e reunir esforços para alcançar metas de combate às alterações climáticas a partir de uma mudança da cesta energética do bloco, que passará a priorizar o aumento da participação de fontes de energia renováveis.

 

Esta estratégia se insere, contudo, num contexto de reorganização geopolítica mundial em que os países emergentes, em especial Rússia e China, passam a desempenhar um papel cada vez mais fundamental no que se refere ao domínio de recursos naturais estratégicos e na formação de alianças econômico-políticas e acordos de cooperação que os fortalecem frente ao centro da economia mundial atual que aparenta mudar de eixo da Europa e dos EUA em direção ao continente euroasiático.

 

O tabuleiro geopolítico mundial, em grande medida pautado pela disputa por recursos minerais estratégicos, tem sofrido uma mudança em sua conformação de poder. Nesse contexto, as iniciativas em direção à utilização de fontes mais limpas de energia podem representar uma oportunidade de inserção para a América do Sul, tendo em vista que este continente possui grande participação nas reservas minerais do planeta.

 

UNIÃO ENERGÉTICA E OPORTUNIDADES PARA A AMÉRICA DO SUL:

 

A formulação de uma União Energética no âmbito da União Europeia é resultado da dependência do bloco em relação à importação de energia e da necessidade, portanto, de diversificar fontes, fornecedores e rotas de aprovisionamento de energia com o objetivo de garantir a segurança energética dos cidadãos e empresas europeias. O momento atual de baixa nos preços de petróleo e gás - combinado com a queda dos custos de formas mais limpas de energia - deve ser visto, segundo o documento "Energy Union Package" 2 como uma "oportunidade histórica" para reformular a política energética do bloco, saindo de uma economia dirigida por combustíveis fósseis para uma economia sustentável e de baixo carbono. O pacote de medidas que compõe a União Energética foi delineado a partir de cinco dimensões integradas e desenhadas para ampliar a segurança energética, a sustentabilidade e a competitividade do bloco:

 

- Segurança energética, solidariedade e confiança;

 

- Um mercado europeu de energia completamente integrado;

 

- Eficiência energética, contribuindo para a moderação da demanda;

 

- Descarbonizar a economia: As energias renováveis devem atingir pelo menos 27% da composição energética da União Europeia até 2030.

 

- Pesquisa, inovação e competitividade: Manter a liderança tecnológica europeia e expandir oportunidades de exportação dessa tecnologia.

 

Para garantir a segurança energética europeia, o documento realça a importância da diversificação da oferta de gás, com destaque para o gás proveniente da Ásia central e do Norte da Europa e para a criação de hubs de gás no Mediterrâneo, Europa Central e Leste Europeu, garantindo o acesso a este recurso por meio de múltiplos fornecedores.

 

"[...] work on the Southern Gas Corridor must be intensified to enable Central Asian countries to export their gas to Europe. In Northern Europe, the establishment of liquid gas hubs with multiple suppliers is greatly enhancing supply security. This example should be followed in Central and Eastern Europe, and in the Mediterranean area, where a Mediterranean gas hub is in the making."

 

Para que as novas fontes de gás sejam direcionadas à Europa, é necessária a construção de infraestrutura adequada, o que exige que as ações nesse sentido sejam empreendidas no nível supranacional. A Comissão Europeia se propõe a apoiar este projeto através do "uso de todos os instrumentos de financiamento disponíveis".

 

A manutenção da segurança energética do bloco compreende ainda uma estratégia relacionada ao gás natural liquefeito. Esta estratégia consiste na estocagem e posterior utilização do gás liquefeito como um back-up em situações de crise, quando a quantidade de gás vindo para Europa por meio dos gasodutos existentes seja insuficiente. Para empreender este plano, a Comissão se propõe a trabalhar para remover obstáculos à importação do gás liquefeito dos EUA e de outros produtores.

 

A energia produzida domesticamente é vista também como uma contribuição para a diminuição da dependência europeia de importação de energia. Nesse sentido, a União Energética enfatiza a produção de energia renovável, menciona a produção de recursos fósseis convencionais, e aponta que a produção de petróleo e gás por meios não convencionais - shale oil and shale gas - é uma opção, "desde que questões de aceitação pública e impacto ambiental sejam adequadamente consideradas".

 

A dimensão da solidariedade compreende a noção de que os Estados-membros devem trabalhar em conjunto para assegurar a oferta de recursos energéticos. Em 2009, medidas foram tomadas nesse sentido com a criação de uma Diretiva de Estoques de Petróleo, que prevê obrigações de que os Estados membros mantenham estoques mínimos de petróleo cru e produtos petrolíferos. A criação da União Energética pretende fazer com que os Estados-membros possam contar com seus vizinhos em situações de crise ou restrição na oferta de energia.

 

Consciente de que a política energética é usada como ferramenta de política externa, em especial por grandes produtores de energia e países de trânsito, a UE buscará, segundo o seu plano estratégico, trabalhar “na direção de um melhor sistema de governança global para energia, levando a mercados globais de energia mais transparentes e competitivos". Por outro lado, o bloco planeja utilizar-se da política comercial para garantir maior segurança e diversificação energética, por intermédio do estabelecimento de provisões relacionadas à energia nos acordos comerciais com seus parceiros, incluindo o acesso a mercados estrangeiros para serviços e tecnologias europeus em matéria de energia.

 

"Where the EU negotiates agreements with countries that are important from a security of supply perspective, the Commission will seek as a priority to negotiate energy specific provisions contributing to the energy security, notably access to resources, and sustainable energy goals of the Energy Union. In general, the Commission will pursue an active trade and investment agenda in the energy field, including access to foreign markets for European energy technology and services."

 

A diplomacia energética da União Europeia compreende ainda a "utilização de todos os seus instrumentos de política externa para estabelecer parcerias estratégicas em matéria de energia com países e regiões produtoras e de trânsito cada vez mais importantes como Argélia e Turquia; Azerbaijão e Turcomenistão; Oriente Médio, África e outros potenciais ofertantes". Apesar do documento não fazer menção à América do Sul, acreditamos que os países dessa região, pelas reservas de gás e outras fontes primárias de energia que possui, assim como minerais estratégicos, se enquadram na categoria de "outros potenciais ofertantes" de recursos indispensáveis ao projeto de mudança da matriz energética europeia em virtude do potencial sul americano para o fornecimento de materiais supercondutores e que evitem perdas de energia durante sua transmissão como o nióbio e o cobre, de materiais que possibilitem o armazenamento da energia proveniente de fontes renováveis para futura distribuição como o lítio, e ainda de biocombustíveis com os quais a Europa pretende abastecer o sistema rodoviário e aeroviário.

 

APROVISIONAMENTO EUROPEU DE GÁS NATURAL:

 

O mercado de energia na UE segue uma distribuição geográfica regional. Três são os principais fornecedores de energia para a UE: Rússia, Noruega e Argélia. O Qatar tem crescido em importância como fornecedor de gás natural liquefeito. Os países ibéricos, por sua proximidade com a África, importam energia basicamente da Argélia e da Nigéria por intermédio da rede de gasodutos que liga o Norte da África à Europa. Por outro lado, países como Reino Unido e França (40%) são abastecidos pela Noruega.

 

Fonte: Eurostat

 

ABASTECIMENTO PROVENIENTE DO NORTE DA ÁFRICA:

 

  1. GASODUTO GREEN STREAM:

O gasoduto Green Stream, construído entre 2003 e 2004, liga a costa da Líbia à costa da Itália na Sicília e possui capacidade de 11 bilhões de m³ ao ano, provendo mais de 10% das importações de gás natural da Itália.3

 

  1. GASODUTO TRANS-MEDITERRÂNEO:

O gasoduto Trans-mediterrâneo, construído em 1983, abastece a Itália com gás natural proveniente do campo Hassi R'Mel, o maior campo de gás onshore da Argélia, que produz 2.000 bilhões de m³ de gás natural por ano. Com uma capacidade de 33,5 bilhões de m³/ano, o gasoduto Trans-mediterrâneo liga a Argélia à Italia passando pela Tunísia e pela Sicília.4

 

  1. GASODUTO GALSI:

O gasoduto Galsi é um projeto que, com previsão de funcionamento para 2018, espera conduzir gás natural da Argélia para a Itália, passando pela Sardenha. Sua capacidade será de 8 bilhões de m³ de gás natural ao ano. A União Europeia considera este um Projeto de Interesse Europeu e, portanto, alocou 120 milhões de euros em sua construção.5

 

  1. GASODUTO MEDGAZ:

O gasoduto Medgaz cruza o Mar Mediterrâneo para fornecer gás natural argelino à Espanha. Finalizado em 2011, este gasoduto possui capacidade inicial de 8 bilhões de m³ de gás ao ano. Também considerado um Projeto de Interesse Comum europeu, o gasoduto recebeu da União Europeia 3,4 milhões de euros de ajuda financeira.6

 

  1. GASODUTO MAGHREB – EUROPE:

O gasoduto Maghreb-Europe fornece à Espanha gás natural produzido no campo argelino Hassi R’Mel através de um percurso que cruza o Marrocos e o Estreito de Gilbatrar. Finalizado em 1996, o gasoduto apresentava capacidade de transportar 8,5 bilhões de m³ de gás natural ao ano. Atualmente, sua capacidade chega a atingir 12 bilhões de m³ de gás/ano.7

 

  1. GASODUTO TRANS-SAARIANO:

O gasoduto Trans-saariano é um projeto que visa interconectar a Nigéria – a oitava maior reserva mundial de gás natural – ao hub argelino Hassi R’Mel com o objetivo de exportar gás natural para a Europa, levando em consideração a crescente demanda europeia por este recurso. Com conclusão esperada para 2015, estima-se que a Nigéria poderia prover 30 bilhões de m³ anuais de gás natural para a Europa.8

 

Gasodutos que ligam a África à Europa:

 

Fonte: International Energy Agency

 

ABASTECIMENTO PROVENIENTE DA NORUEGA:

 

A Noruega, a décima sétima maior reserva de gás natural do mundo, é também o segundo maior exportador de gás natural para a Europa, abastecendo o Reino Unido, a Alemanha, a Bélgica e a França. Toda a infraestrutura de gasodutos de 7980 quilômetros que parte da plataforma continental da Noruega para entregar gás ao Reino Unido e à Europa continental é de propriedade da joint-venture Glassled e operada pela empresa estatal norueguesa GASSCO. Em 2014, foram transportados para os terminais europeus 101 bilhões de m³ de gás natural proveniente da Noruega.9

 

Gasodutos que ligam a Noruega à Europa:

 

Fonte: Statoil

 

ABASTECIMENTO PROVENIENTE DA RÚSSIA:

 

Seguindo a distribuição regional do fornecimento de energia, observamos que os países do Leste da Europa, por sua proximidade em relação à Rússia, dependem em maior medida dos recursos energéticos - em especial gás e petróleo - provenientes deste país. A rede de gasodutos que parte da Rússia em direção à Europa segue por caminhos distintos em consonância com a tentativa de diversificação das rotas de trânsito como forma de assegurar o aprovisionamento energético dos países europeus. O gás russo, cuja origem se encontra, em maior parte, no oeste da Sibéria10, flui em direção à Europa através de 3 regiões principais: Mar Báltico, Bielorússia e Ucrânia.

 

A. GASODUTO NORD STREAM:

 

O gás que parte da Rússia em direção à Europa cruzando o Mar Báltico sai de Vyborg na Rússia e chega até Lubmin na costa da Alemanha através de um corredor denominado Nord Stream. Esse corredor, construído entre 2010 e 2012, é composto por dois gasodutos paralelos de 1224 Km de extensão cada um. As duas linhas juntas possuem capacidade de transportar para a Europa 55 bilhões de metros cúbicos de gás natural por ano11. Sua construção tinha como objetivo funcionar como uma rota alternativa à Ucrânia para o escoamento do gás natural russo em direção à Europa.

 

Fonte: Nord Stream

 

B. GASODUTO YAMAL- EUROPE:

 

O gasoduto Yamal – Europe iniciou sua construção em 1994 e é uma rota de entrada de gás russo na Europa através da Bielorússia que aumenta a flexibilidade de oferta de gás para os países europeus. Com uma extensão de 2000 Km e capacidade de abastecimento de 32.9 bilhões de metros cúbicos/ano, essa linha com origem na Rússia cruza a Bielorússia, a Polônia e a Alemanha.12

 

Fonte: Gazprom

 

C. GASODUTO BROTHERHOOD (Urengoy-Pomary-Uzhgorod):

 

Esta rota de gasodutos parte da Rússia e transita pela Ucrânia até chegar à Eslováquia. Na Eslováquia, o gasoduto se ramifica, fluindo em direção à República Tcheca e à Áustria. A Áustria, por sua vez, desempenha um papel importante como ponto de interconexão dentro da Europa, distribuindo o gás russo para a Itália, a Hungria, a Eslovênia e a Croácia. Esta rota, conhecida como Brotherhood pipeline, é de extrema relevância para o abastecimento europeu tendo em vista que é a maior linha de transporte de gás, com capacidade de fluxo de 100 bilhões de metros cúbicos de gás natural ao ano para a Europa.13 Com a instabilidade política vivenciada na Ucrânia e a possibilidade de interrupções no fluxo de gás que passa por esta região, tornou-se crucial a diversificação das rotas de trânsito e dos fornecedores com o objetivo de assegurar o abastecimento europeu de energia. Os projetos de criação de rotas alternativas que serão apresentados adiante refletem essa necessidade, em especial, a diminuição da dependência europeia do gás proveniente da Rússia, que exportou para a Europa, em 2014, 146,6 bilhões de metros cúbicos de gás natural14.

 

PROJETOS DE DIVERSIFICAÇÃO DE FORNECEDORES DE GÁS NATURAL:

 

  1. GASODUTO NABUCCO:

O projeto Nabucco pretendia reduzir a dependência em relação ao gás russo mediante a construção de um gasoduto em que o Irã seria a principal fonte de gás natural e, juntamente com o Azerbaijão, abasteceriam o corredor que atravessaria a Turquia e chegaria à Europa Central com destino final na Áustria.

 

Fonte: Deutsche Welle

 

Em razão da pretensão de desenvolvimento de um programa nuclear, o Ocidente impôs sanções ao Irã. Tais sanções fizeram com que as exportações de petróleo e gás natural iraniano para a maioria das nações, inclusive para a União Europeia, fossem banidas.15 Dessa forma, o projeto Nabucco foi forçado a optar apenas pelo Azerbaijão como fornecedor de gás natural. O Azerbaijão, entretanto, escolheu enviar este recurso para a Europa através do gasoduto Trans-Adriático que interconecta a Albânia, a Grécia e a Itália. Esta decisão foi desfavorável para Hungria e Bulgária, que esperavam diminuir sua alta dependência em relação ao gás russo com a passagem do gasoduto Nabucco por seus territórios. O fracasso do projeto esteve associado ao seu alto custo, aliado ao fato de bancos e clientes não desejarem se comprometer sem que o fornecimento de gás estivesse garantido pelo Azerbaijão, já que este país apenas assinaria o acordo mediante a certeza da viabilidade do projeto.16

 

  1. GASODUTO SOUTH STREAM:

A Rússia lançou o projeto de criação do gasoduto South Stream como forma de evitar perder espaço no mercado europeu ou, até mesmo, impedir que o gasoduto Nabucco se concretizasse. Apesar dos altos custos e dificuldades de implementação do projeto, este país se mostrava disposto a abastecer o Centro e o Sudeste da Europa com 63 bilhões de m3 de gás russo ao ano através de um gasoduto que cruzaria o Mar Negro. Apesar de o projeto ter sido cancelado em Dezembro de 2014 pelo presidente Putin em razão da falta de apoio da União Europeia, a estatal russa Gazprom comprou 100% da empresa que estava responsável pela construção do segmento marinho do gasoduto e o redirecionou para a Turquia (Turkish Stream), com a construção de um hub na fronteira entre Turquia e Grécia.17 Enquanto a Rússia busca o apoio europeu para este projeto alegando que este contribuiria para a manutenção da segurança energética europeia, os EUA, por sua vez, têm encorajado países dos Bálcãs como a Sérvia a optarem pelo gasoduto Trans-adriático que recebe gás proveniente do Azerbaijão em detrimento do projeto russo.18

 

Fonte: Russia Today

 

  1. SOUTHERN GAS CORRIDOR:

A construção do gasoduto Trans-anatolian, que teve início em março de 2015, constitui a criação de uma rota de abastecimento de gás alternativa para a Europa. Esta linha ligará o campo de extração de gás Shah Deniz localizado na costa do Azerbaijão no mar Cáspio à Europa. O recurso proveniente do Azerbaijão se coaduna com a tentativa de diversificar fornecedores de gás à Europa, numa tentativa de reduzir a dependência em relação ao gás natural russo. O gás atravessará o Azerbaijão pelo gasoduto South Caucasus, se conectando ao gasoduto Trans-Anatolian de 1850 Km de extensão que cruzará a Turquia em direção à Grécia. A partir de sua entrada em território grego, o gás será distribuído pela Europa por meio do gasoduto Trans-Adriático que passará pela Albânia em direção à Itália. A junção dos gasodutos South Caucasus, Trans-Anatolian e Trans-adriático formará uma nova rota de trânsito chamada Southern Gas Corridor (Corredor de gás do Sul). Com previsão de funcionamento para 2018, a capacidade inicial do gasoduto Trans-Anatolian será de 16 bilhões de metros cúbicos/ano, dos quais 6 bilhões serão destinados à Turquia e 10 bilhões seguirão em direção à Europa. A capacidade desse gasoduto aumentará para cerca de 24 bilhões de metros cúbicos/ano em 2023 e 31 bilhões m3/ano em 202619.

 

Southern Gas Corridor

 

Fonte: Hydrocarbons Technology

 

  1. GASODUTO TRANS-CÁSPIO:

A infra-estrutura construída para o gasoduto Trans-anatolian poderia servir como rota de escoamento em direção à Europa de gás proveniente de outros fornecedores como o Turcomenistão e outros países do Oriente Médio. A construção do gasoduto Trans-cáspio que ligaria o Turcomenistão ao Azerbaijão cruzando o mar Cáspio e que se interligaria ao Corredor de Gás do Sul (Southern Gás Corridor) chegando até a Europa era um projeto que buscava a possibilidade de ampliar os fornecedores de gás para a Europa, ao incluir o Turcomenistão nesse processo com um aprovisionamento esperado de 30 bilhões de m3 de gás ao ano para a Europa. Entretanto, por motivos políticos, o projeto tem sofrido impasses. Irã e Rússia se opuseram ao projeto alegando o impacto ambiental da construção de um gasoduto marinho e o status legal não resolvido do mar Cáspio como impedimento para a construção de gasodutos na região sem a concordância de todos os países banhados pelo Mar Cáspio: Azerbaijão, Cazaquistão, Turcomenistão, Irã e Rússia.20

 

Fonte: Natural Gas Europe

 

O projeto anteriormente mencionado de criação do Southern Gas Corridor, lançado na Cúpula de Praga em 2009, já pretendia se estender até o Turcomenistão, a quinta maior reserva de gás natural do mundo, com a ampliação do corredor mediante a construção do gasoduto Trans-Cáspio. A Cúpula contou com a participação dos países envolvidos na construção do gasoduto e com a presença de Rússia, Estados Unidos e Ucrânia como países observadores. Pode-se inferir que o apoio dos EUA ao caos vivenciado na Ucrânia significou o rompimento dos acordos estabelecidos entre os países presentes na Cúpula de Praga em relação a questões energéticas e possivelmente em relação a outros temas.

 

Apesar da oposição russa e iraniana à construção do gasoduto Trans-cáspio, a União Europeia iniciou, em Março de 2015, uma nova investida para viabilizar o projeto, que pretende abastecer a Europa em 2019, mediante a assinatura da Declaração de Ashgabat, um acordo de cooperação em matéria de energia entre a União Europeia, a Turquia, o Azerbaijão e o Turcomenistão.

 

CONCLUSÕES:

 

A partir da análise do mercado de gás natural e dos desdobramentos políticos recentes podemos verificar uma reconfiguração geopolítica do sistema mundial a partir da reorganização do continente euroasiático. Apesar das tentativas da União Europeia de diversificação de fornecedores e parceiros estratégicos com o objetivo de diminuir a dependência energética em relação ao gás russo, a Rússia desfruta de uma posição de fortalecimento em relação à União Europeia em virtude da alta dependência europeia por recursos energéticos provenientes da sua maior reserva mundial de gás natural, que corresponde a cerca de 25% das reservas provadas mundiais.

 

A crise grega colocou em evidência a frágil estabilidade da União Europeia. A Rússia, entretanto, tem tentado fazer avançar sua influência dentro do continente europeu ao fornecer apoio à recuperação da economia grega através do fornecimento direto de matérias primas energéticas ao país e de cooperação agroalimentar. O projeto Turkish Stream possibilitará a entrada de gás russo na Grécia e ajudará o país a pagar os credores internacionais.21 O projeto aumentaria inclusive a já existente dependência da Turquia em relação ao gás russo com a recepção de mais 16 bilhões de m³ anuais de gás natural a partir da conclusão do gasoduto. Isso parece demonstrar, por sua vez, a fragilidade da relação dos Estados Unidos com seus aliados na União Europeia e na OTAN, e o avanço da Rússia na consolidação de parcerias estratégicas com a China, com os BRICS e com países dentro da própria União Europeia como a Grécia, que tem demonstrado interesse em ser membro ativo do Banco dos BRICS.

 

Por outro lado, o recente fechamento de um acordo nuclear entre Irã e os 6 países mais poderosos do mundo pode mudar a configuração do tabuleiro energético europeu. Alcançado o compromisso iraniano de não desenvolver armar nucleares, as sanções comerciais, tecnológicas, financeiras e energéticas que pesavam sobre o Irã serão suspensas. Isso significa que o país poderá voltar a exportar petróleo, gás natural e produtos petroquímicos para a Europa, além de receber crédito, financiamento, equipamentos e tecnologia ou estabelecer com outros países parcerias e formar joint-ventures no setor de energia. Com esta mudança de cenário, o país passaria a figurar como uma das parcerias estratégicas europeias em matéria de energia na condição de grande exportador de gás natural, já que usufrui da posição de segunda maior reserva mundial deste recurso estratégico, o que representa cerca de 17% das reservas mundiais, ficando atrás apenas da Rússia.22

 

A crescente demanda mundial por recursos naturais estratégicos frente a grande disponibilidade e diversidade de recursos na América do Sul criam um cenário potencial de tensões. Por outro lado, tal variedade e vastidão de recursos constituem a própria fortaleza da região e o cerne do processo de integração.23 Nesse sentido, tem-se debatido, em especial no âmbito da UNASUL, a necessidade de desenvolvimento e consolidação de uma visão estratégica de cunho regional que assegure o direito soberano dos Estados à gestão, aproveitamento e exploração de seus recursos naturais24 com vistas ao desenvolvimento integral da própria região. Em consonância com essa visão, uma reconfiguração geopolítica e geoestratégica mundial pode constituir uma oportunidade de inserção da América do Sul como ofertante de recursos naturais estratégicos. A partir desta estratégia pautada na soberania sobre os recursos naturais e orientada para o desenvolvimento regional, esta oportunidade poderá contribuir para a elevação do nível de vida dos povos da região e para a diminuição das assimetrias entre os Estados que compõem este continente.

 

- Natália Thaise de Carvalho Costa é Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Assistente de Pesquisa da Cátedra e Rede UNESCO/UNU de Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (REGGEN). E-mail: nati_thaise@hotmail.com

 

REFERÊNCIAS:

 

Araque, A. (2012). Los Recursos Naturales como Eje Dinámico en la Estrategia de Integración y Unidad de Nuestros Países. Quito: UNASUR, 2012.

 

Comissão Europeia (2012). Energias renováveis: um agente decisivo no mercado europeu de energia.

 

Comissão Europeia (2015). Energy Union Package: A Framework Strategy for a Resilient Energy Union with a Forward-Looking Climate Change Policy

 

Dempsey, J. (2013, 1 de Julho). Victory for Russia as the EU’s Nabucco gas project collapses. Carnegie Europe. Disponível em: http://carnegieeurope.eu/strategiceurope/?fa=52246

 

EIA. Proved reserves of natural gas.

 

European Network of Transmission System Operators for Gas (2015). The European Natural Gas Network.

 

Gurbanov, I. (2015, 29 de Abril). Removal of sanctions from Iran: What does it promise for the Southern Gas Corridor? Natural Gas Europe. Disponível em: http://www.naturalgaseurope.com/removal-of-iran-sanctions-and-southern-gas-corridor-23389

 

Matalucci, S. (2015, 14 de Julho). Nuclear deal to allow Iran to create jvs with EU, US companies. Natural Gas Europe. Disponível em: http://www.naturalgaseurope.com/nuclear-deal-to-allow-iran-to-create-jvs-with-eu-us-companies-24628

 

Nord Stream (2013). Transporting Russian natural gas to Western Europe – from source to market.

 

1 A Comissão Europeia lançou em Fevereiro de 2015 as bases para a implementação de uma União Energética cujo objetivo é unificar o mercado europeu de energia e permitir que os países que compõem a União Europeia possuam políticas e estratégias comuns no que se refere à energia mundial. Além de buscar garantir segurança no abastecimento energético dos países membros, esta iniciativa os impõe objetivos a serem alcançados no sentido de tornar a Europa uma economia sustentável e hipocarbônica.

2 Comissão Europeia (2015). Energy Union Package: A Framework Strategy for a Resilient Energy Union with a Forward-Looking Climate Change Policy.

 

3 ICIS (2011, 22 de Fevereiro). Green stream flows suspended but traders remain calm. Disponível em: http://www.icis.com/resources/news/2011/02/22/9437636/greenstream-flows-suspended-but-traders-remain-calm/

4 Hydrocarbons Technology. Trans-Mediterranean Natural Gas Pipeline, Algeria. Disponível em: http://www.hydrocarbons-technology.com/projects/trans-med-pipeline/

5 Edison (2015, 30 de Julho). Galsi pipeline. Disponível em: http://www.edison.it/en/galsi-pipeline

8 Faby, R. (2009, 3 de Julho). Nigeria, Algeria agree to build Sahara gas link. Reuters. Disponível em: http://uk.reuters.com/article/2009/07/03/nigeria-algeria-pipeline-idUKL345766620090703?sp=true

10 Nord Stream (2013, Dezembro). Transporting Russian Natural Gas to Western Europe – From Source to Market.

11 Nord Stream. Disponível em: http://www.nord-stream.com/

15 Gurbanov, I. (2015, 29 de Abril). Removal of sanctions from Iran: What does it promise for the Southern Gas Corridor? Natural Gas Europe. Disponível em: http://www.naturalgaseurope.com/removal-of-iran-sanctions-and-southern-gas-corridor-23389

16 Dempsey, J. (2013, 1 de Julho). Victory for Russia as the EU’s Nabucco gas project collapses. Carnegie Europe. Disponível em: http://carnegieeurope.eu/strategiceurope/?fa=52246

17 Russia Today. (2014, 30 de Dezembro). Gazprom becomes 100% owner of abandoned South Stream pipeline. Disponível em: http://rt.com/business/218635-gazprom-owner-south-stream/

18 The Associated Press (2015, 15 de Maio). Russia urges EU to support gas pipeline crossing Turkey. The New York Times. Disponível em: http://www.nytimes.com/aponline/2015/05/15/world/europe/ap-eu-russia-eu-pipeline-.html

The Associated Press (2015, 28 de Maio). Premier: Serbia ready to reduce dependence on Russian gas. The New York Times. Disponível em: http://www.nytimes.com/aponline/2015/05/28/world/europe/ap-eu-serbia-us.html

22 Matalucci, S. (2015, 14 de Julho). Nuclear deal to allow Iran to create jvs with EU, US companies. Natural Gas Europe. Disponível em: http://www.naturalgaseurope.com/nuclear-deal-to-allow-iran-to-create-jvs-with-eu-us-companies-24628

23 “Los Recursos Naturales como Eje Dinámico en la Estrategia de Integración y Unidad de Nuestros Países” (2012, 30 de Novembro).

24 A propriedade soberana dos Estados sobre seus recursos naturais é um princípio já estabelecido em 1962 pela Resolução 1803 das Nações Unidas.

https://www.alainet.org/pt/articulo/176052?language=es
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